Artigo – Um holofote no setor de saúde para enxergar suas distorções

A Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde – ABRAIDI realizou, pela primeira vez, em sua história um amplo estudo sobre o setor de fornecimento na área da saúde. Ouvíamos muitas reclamações dos associados sobre as condições comerciais de trabalho que nunca foram ideais, mas estão se tornando insustentáveis nos últimos tempos.

Para a nossa surpresa, o resultado do trabalho “O ciclo de fornecimento de produtos para a saúde no Brasil” foi ainda mais alarmante do que os depoimentos dos associados. A situação real constatada pela pesquisa é muito ruim. As empresas de distribuição no Brasil atuam de forma hercúlea, tendo que atender um país de dimensões continentais, investir em estoques elevados de equipamentos e materiais e ainda disponibilizar uma boa parte da estrutura necessária para as cirurgias em hospitais e/ou clínicas não tendo remuneração adequada e sofrendo com graves distorções que comprometem a saúde financeira das companhias. Nos países desenvolvidos, os hospitais são os responsáveis por essas estruturas, o que só reflete como o modelo brasileiro é insustentável.

A primeira distorção encontrada, na pesquisa da ABRAIDI, foi a retenção de faturamento que chegou a R$ 539,6 milhões, sendo R$ 331 milhões retidos por convênios, planos de saúde e seguradoras, R$ 113,8 milhões por hospitais privados e R$ 94,8 milhões por hospitais conveniados ao SUS. A retenção é quando uma fonte pagadora (plano de saúde ou hospital), após a realização de uma cirurgia previamente autorizada, não permite o faturamento dos produtos consumidos, postergando o pagamento. A pesquisa revelou que convênios, planos de saúde e seguradoras demoraram 68 dias para autorizar o faturamento, hospitais do SUS 62 dias, e hospitais privados 54 dias. Somente depois do faturamento autorizado é que correm os 90 dias para pagamento. Em 29% dos casos, o distribuidor demorou 180 dias para receber.

O segundo ponto de deformação são as glosas. Ainda que haja intercorrências durante o ato cirúrgico nas quais se utiliza materiais não previstos anteriormente, fato que até justifica uma auditoria mais detalhada por parte de hospitais e planos de saúde, não faz sentido a glosa de produtos e materiais de procedimentos que já haviam sido previamente autorizados. Essa prática totalizou  R$ 100,8 milhões, atingindo 87% dos associados pesquisados. Os planos de saúde representam 79% deste universo, os hospitais conveniados ao SUS 7% e outras fontes pagadoras 15%. Percebemos que existe uma glosa linear de cerca de 20%, sem qualquer critério, apenas para postergar ainda mais os pagamentos.

A terceira distorção e não menos importante, aliás, em termos financeiros é a mais significativa, foi a inadimplência que atingiu 91% dos associados pesquisados. A estimativa com perdas por conta da falta de pagamento foi de R$ 692,2 milhões. A inadimplência se refere a valores não pagos há mais de 180 dias após o faturamento, por simples calote ou falência. No caso de órgãos públicos, há a questão de escassez de recursos que eles usam para não pagar. São quase dois anos sem receber valores extremamente expressivos que comprometem o fluxo de caixa, a sobrevivência das empresas e milhares de empregos. Boa parte desses custos acaba tendo que ser absorvida, obrigatoriamente, pelos distribuidores, pois, na maioria dos casos, não conseguem repassar no preço já tabelado pelo SUS e, ultimamente, vem sendo tabelado também pelas operadoras e planos de saúde, o que tem levado várias empresas do setor a quebrar.

O objetivo do levantamento não foi culpar ninguém, mas traçar um raio X do segmento, jogar luz no problema para, juntos, encontrarmos uma solução comum. Apresentamos os dados para funcionários do governo, agências reguladoras, órgãos de fiscalização e de controle, parlamentares, executivos de empresas e dirigentes de associações durante o I Fórum Brasileiro de Importadores e Distribuidores de Produtos para a Saúde, realizado recentemente em São Paulo.

Vivemos a pior situação desde que atuo nesse segmento há mais de 38 anos e não dá mais para seguir assim e também não mais há espaço para discursos éticos se eles não forem colocados em prática. A transparência é questão de sobrevivência nos dias atuais. É preciso colocar o dedo na ferida para que ela seja curada de uma vez por todas.

 

 

Sérgio Rocha é presidente da ABRAIDI – Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde

Redação

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