Os caminhos para a conquista da certificação internacional HIMSS

Por Carol Gonçalves

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É natural que, a cada ano que passa, mais e mais hospitais evoluam no grau de tecnologia aplicado em suas atividades para garantir rapidez no atendimento, eficiência operacional, qualidade assistencial e segurança do paciente. Para medir esse grau, a HIMSS – Health Information and Management Systems Society, maior associação de informática em saúde no mundo, desenvolveu, em 2005, o EMRAM – Electronic Medical Record Adoption Model, que avalia a maturidade de adoção da TI clínica através de oito etapas evolutivas (de 0 a 7). O nível zero significa que não há efetivamente um suporte informatizado, e o sete atesta o uso completo e intenso da TI nas práticas assistenciais (veja tabela abaixo).

Modelo de adoção do EMR (Registro Médico Eletrônico)
Estágio Capacidades Cumulativas
7 EMR completo, sistemas analíticos para melhorar a prestação de cuidados de saúde
6 Documentação médica (modelos), sistema de suporte à decisão clínica completo, circuito fechado de medicação completo
5 PACS de radiologia completo
4 Sistema de entrada de ordens médicas (CPOE), sistema de suporte à decisão clínica (protocolos)
3 Documentação clínica, sistema de suporte à decisão clínica (checagem de erros)
2 Repositório de dados clínicos (CDR), vocabulário médico controlado, suporte à decisão, interoperabilidade de informação (IHE)
1 Todos os sistemas de serviços de apoio instalados (laboratório, radiologia e farmácia)
0 Sistemas de serviço de apoio não instalados

 

No Brasil, o nível 7 foi alcançado por apenas três hospitais: Unimed Recife III (PE), o pioneiro, em dezembro de 2016, Hospital Márcio Cunha, de Ipatinga (MG), e Unimed Volta Redonda (RJ), ambos em novembro de 2017. Atualmente, menos de 3% dos hospitais nos Estados Unidos e Europa possuem o nível 7 da certificação e cerca de 25% estão no nível 6.

Segundo a auditora da HIMSS, Isabel de Jesus Simão, essa certificação é um diferencial de mercado, e atesta o comprometimento do hospital com a segurança do paciente. “No Brasil, ainda não há uma política do governo em beneficiar essas instituições certificadas, ao contrário de outros países; entretanto, essa iniciativa não deixa de ser um selo de qualidade para o paciente”.

Recentemente, algumas instituições de saúde conquistaram o estágio 6. Nesta matéria, as entrevistadas contam como chegaram a esse nível, quais as estratégias adotadas e os próximos passos rumo à etapa 7.

Mudança cultural e comportamental

O HSM – Hospital Santa Marta é primeiro do Distrito Federal a conquistar o estágio 6. “O Santa Marta acredita que a TI é uma importante aliada na promoção da segurança do paciente. Todos os esforços em tornar o HSM um hospital sem papel são com o objetivo de garantir um processo assistencial mais rastreável, controlado e eficaz. O reconhecimento público da certificação internacional HIMSS é uma consequência desse investimento”, declara Luci Emidio, superintendente.

O diretor de TI, Mário Aquino, conta que para alcançar este nível a instituição implantou uma série de soluções:

  • PACS (Picture Archiving and Communication System) integrado em todos os setores do hospital, substituindo os filmes da radiologia (filmless);
  • Circuito fechado da administração de medicamentos, com checagem à beira-leito e farmácia clínica;
  • Documentação da enfermagem disponível em todos os setores do hospital;
  • Prontuário eletrônico do paciente (PEP) em todas as áreas do hospital – Repositório de dados clínicos (CDR) instalado e centralizado;
  • Os três sistemas integrados ao PEP (LIS – laboratório, RIS – radiologia e PHIS – farmácia) com alertas e informações disponíveis;
  • Sistema de apoio à decisão clínica (CDSS); e
  • Sistema de prescrição eletrônica e solicitação de exames.

Alguns dos destaques são a checagem à beira-leito – tecnologia móvel que otimiza o processo de administração de medicamentos –, e a gestão automatizada de medicamentos, que garante rastreabilidade e controle das medicações. “A conquista do estágio 6 representa mais que o sucesso no uso da TI. Entendemos que a tecnologia contribui muito para uma comunicação efetiva, um dos valores do HSM. A informação não é um recorte, ela está conectada a um contexto que precisa ser considerado em todas as análises. Se a solução tecnológica faz com que esse contexto seja percebido rapidamente, facilita e agiliza a tomada de decisão”, declara o gerente de TI, Everton Bonadio.

Segundo Aquino, o resultado da acreditação confirma que a adoção de novas tecnologias, aliada às ações integradas, é o caminho certo a seguir. “Estamos muito orgulhosos e contentes com essa premiação, pois atesta que inovações tecnológicas geram melhorias claras na qualidade assistencial e na segurança do paciente. O atendimento passa a ser mais rápido porque a busca é acelerada e os dados se tornam mais completos, facilitando o diagnóstico assertivo”.

Para se adequar às normas da acreditação, o HSM enfrentou alguns obstáculos, como o alto custo de equipamentos e softwares, além do grande desafio da mudança cultural e comportamental da organização. “Entretanto, com o apoio das áreas assistencial e administrativa, conseguimos superar os desafios. Foram realizadas reuniões de alinhamento com a participação de todos os stakeholders, sempre visando atingir os objetivos estratégicos da instituição com uma visão holística e atendendo às necessidades das partes interessadas”, explica Aquino.

Os passos para a conquista do nível 7 são a implantação da farmácia clínica e da checagem à beira-leito em todos os setores do hospital, além da ampliação da assinatura digital, transformando o hospitalar em paperless (sem papel).

Divisor de águas

Dr. Alfonso Migliori Neto

Com a conquista da certificação nível 6, o Hospital 9 de Julho (H9J), da capital de São Paulo, confirmou o seguimento dos padrões internacionais de qualidade. “Trabalhamos arduamente para implantar tecnologias inovadoras, visando sempre o bem-estar dos pacientes e colaboradores”, explica o diretor geral, Dr. Alfonso Migliore Neto.

A HIMSS Analytics avaliou o sistema de prontuário eletrônico do H9J, onde são integradas, parcialmente, as informações dos pacientes que podem ser acessadas por médicos que realizam atendimento nas diversas áreas do hospital, como emergência e internação ou mesmo após a alta, no acompanhamento ambulatorial.

Além disso, foram avaliadas a otimização e a integração das informações do Serviço de Apoio Diagnóstico Terapêutico (SADT), arquivos médicos, de auditoria e financeiros. Dr. Migliore ressalta a importância da certificação como um divisor de águas. “Conquistamos o nível 6, mas pretendemos chegar ao nível máximo, ao nos tornamos um hospital 100% digitalizado nos próximos anos”, explica.

O médico reforça que há ainda muita novidade por vir. “Como estratégia para este ano, vamos investir mais ainda nos prontuários eletrônicos integrados, aumentar o número de cirurgias robóticas e colocar em funcionamento um sistema inteligente para evitar quedas de pacientes, para citar alguns exemplos”.

Impacto em todo o ciclo

Para conquistar o nível 6, a Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo – composta pelas unidades Pompeia, Santana e Ipiranga (todas na capital) – investiu na aquisição de dispositivos móveis para prover o controle e o registro dos cuidados ao paciente, realizados em tempo real, à beira-leito. Para isso, implantou redes sem fio segmentadas e de alta performance, firewall, estrutura de servidores de rede, aplicação e banco de dados redimensionada.

Klaiton Ferretti

O maior desafio, de acordo com Klaiton Ferretti, diretor de TI, foi ajustar os processos internos. “Há um grande impacto em todo o ciclo de cuidado, desde a prescrição médica, passando pelos processos de enfermagem (aprazamento e prescrição de cuidados), análise da farmácia clínica, ciclos de dispensação de medicamentos, recebimento dos postos de enfermagem, administração e checagem, até as devoluções”, conta.

Para lidar com isso, foi criado um comitê, formado por representantes de todas as áreas envolvidas, para visualizar o fluxo como um todo, do início ao fim, definindo claramente os papéis e responsabilidades de cada tarefa.

Para conquistar o nível 7, os próximos passos da São Camilo são: integrar equipamentos de engenharia clínica com o HIS (Hospital Information System), migrar 100% dos protocolos médicos para o workflow do sistema HIS, criar recursos mais avançados de suporte à decisão clínica e eliminar o uso do papel em setores nos quais ele ainda é utilizado como apoio operacional.

“Vemos a TI como um importante aliado na busca pela melhoria contínua da qualidade assistencial. E a certificação da HIMSS é a consolidação das melhores práticas nesta direção”, ressalta.

Formulários inteligentes

A certificação nível 6 do Hospital Santa Rosa, de Cuiabá, representa uma grande conquista na aplicação da TI em ambiente hospitalar em Mato Grosso, pois atesta que a instituição possui, por exemplo, um sistema completo de suporte à decisão clínica e um circuito fechado de gerenciamento das medicações – ou seja, que a segurança do paciente é aplicada de maneira rigorosa e eficaz com apoio da TI.

Para alcançar tal conquista, André Carrion, gerente do núcleo de TI, conta que entre as tecnologias que foram implantadas estão: a introdução do processo de checagem à beira-leito, por meio de uma tecnologia móvel que otimiza o processo de administração de medicamentos (via Palms); e a gestão automatizada de medicamentos, o que garante rastreabilidade e aumenta a segurança, prevenindo eventos adversos por meio da implementação de códigos de barras para identificação do paciente e dos medicamentos a serem administrados. “Também contamos com a inserção de formulários inteligentes de apoio à decisão clínica, com o sistema PEP, o que garante um alto nível de segurança”, explica.

Essa conquista faz parte de uma série de ações que o hospital vem desenvolvendo dentro de sua estratégia de inovação. Apesar de ter iniciado o processo para certificação há cerca de um ano, o Santa Rosa instituiu um Plano Diretor em TI, com investimentos em sua infraestrutura, há três anos. Mas, além de suporte financeiro, a instituição conta com o desafio de engajar o corpo clínico e todas as gerências.

“Esse novo olhar sobre os processos e serviços é algo que o Santa Rosa abraçou em busca de se tornar um hospital digital – como o futuro prevê. Nessa jornada, estamos em constante evolução. Tanto que a conquista é resultado do esforço conjunto de todos dentro do hospital, inclusive da diretoria”, ressalta Carrion.

Em relação às ações, o hospital elaborou um planejamento de curto e também de longo prazo, estabeleceu uma comissão de implantação dos processos e promoveu o treinamento da equipe assistencial, que foi acompanhada durante todo o andamento.

O gerente do núcleo de TI diz que o Santa Rosa conta com os esforços de todos na instituição para alcançar o nível máximo de excelência e a adoção completa do prontuário eletrônico. “A ideia, agora, é expandirmos os processos já estabelecidos para todos os setores do hospital e aumentarmos o engajamento de todo o corpo clínico, além de ampliarmos o investimento financeiro e tecnológico”, declara.

Dicas para chegar lá

Para os hospitais que estão tentado alcançar a acreditação, os participantes da matéria dão algumas dicas. Mário Aquino, do HSM, diz que o primeiro passo é descobrir em qual nível o hospital se encontra, respondendo a um questionário disponibilizado pela HIMSS, que coleta informações sobre a utilização das tecnologias preconizadas em cada estágio. A resposta do questionário aponta os gaps encontrados de forma a identificar todas as “não conformidades” do hospital em relação aos estágios EMRAM.

“Atualmente os principais fornecedores de sistemas hospitalares possuem equipes qualificadas para auxiliar na implantação dos requisitos necessários para a validação dos estágios 6 e 7. A Folks, parceira da HIMSS Analytics no Brasil, realiza um Gap Analysis On Site do hospital, auxiliando na preparação e validação dos estágios”, explica.

A dica principal de Klaiton Ferretti, da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, é ter em mente que o projeto não é da TI. “Esta iniciativa precisa ser encarada como uma demanda da área assistencial por recursos informatizados que tragam mais segurança ao paciente e, consequentemente, mais qualidade aos processos assistenciais. Sob esta ótica, a TI deve traduzir esta demanda em um projeto, com ações estruturadas para que se atinja este objetivo”, expõe.

Outras dicas do profissional são: demandar muito tempo com planejamento e treinamento, contratar uma consultoria especializada no modelo EMRAM da HIMSS para avaliar os gaps, e não economizar com infraestrutura.

André Carrion, do Hospital Santa Rosa, ressalta a importância das pessoas no processo. “Se é fato que já sabemos que o hospital do futuro será sustentado em muita tecnologia, também temos a certeza de que os novos processos não se encerram nela, até porque, sozinha, ela não gera transformação. São as pessoas que fazem tudo se tornar realidade. A colaboração de cada um é fundamental no processo rumo à transformação digital”, expõe.

Ele diz que os hospitais precisam ter em mente que é preciso contar com total apoio de todos. “Neste viés, recomendamos a criação de uma comissão de implantação com no mínimo um representante de cada área. Também aconselhamos elegerem uma unidade como piloto e envolverem o corpo clínico”, finaliza.

HIMSS@Hospitalar 2018

Acontece entre os dias 22 e 25 de maio, em São Paulo (SP), um dos eventos mais importante do Brasil em eHealth, o HIMSS@Hospitalar – International Digital Healthcare Forum. Serão abordadas as principais questões da transformação digital na área da saúde em oito verticais temáticas, somando mais de 60 conferências com a participação de 35 painelistas internacionais. Entre os temas abordados, dois deles apresentarão as soluções digitais e as inovações que surgem para o dia a dia dos hospitais, integração dos sistemas de cuidado e gestão e os desafios da interoperabilidade. São eles: Innovation Solutions for Hospital Chain, que acontece no dia 22 de maio, das 9h20 às 10h, na sala 1, e eHealth Interoperability Challenges, em 23 de maio, no mesmo horário, na sala 2.

Mais informações no site www.hospitalar.com 

Matéria originalmente publicada na Revista Hospitais Brasil edição 89, de janeiro/fevereiro de 2018. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-89-revista-hospitais-brasil

Redação

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