Slow medicine, judicialização e humanização da saúde são temas da Semana da Administração em Saúde do CRA-SP

Cuidado e atenção devem vir antes da tecnologia

As mudanças da sociedade e, consequentemente, da medicina, podem gerar avanços à saúde, mas também têm impulsionado uma rede de fast medicine que, entre outras coisas, não ajuda o paciente a tomar decisões e é orientada não pela saúde ou pelo paciente, mas sim pela doença. Essa é a opinião de Dario Biroli, professor emérito da Universidade de São Paulo e um dos criadores da versão brasileira do programa Slow Medicine, que ministrou palestra na sede do CRA-SP, na manhã de quarta-feira.

Para Biroli, um dos grandes problemas da atualidade na área médica está, também, nos erros das publicações científicas. Muitas delas, segundo o professor, não têm embasamento claro e são movidas pela promoção pessoal dos escritores e pelo interesse financeiro das indústrias farmacêuticas. Para ele, a medicina que avalia o paciente a fundo e o orienta a mudar hábitos de vida prejudiciais como prevenção a possíveis doenças, tem desaparecido e dado lugar a diagnósticos errados em pacientes saudáveis. A esse quadro soma-se, ainda, o imenso número de exames desnecessários, solicitados por médicos que não sabem clinicar ou identificar as enfermidades corretamente.

Mencionando o alto número de exames solicitados na rede municipal de saúde em São Paulo, o professor ressaltou que a solução deste problema não está no acesso a realização de mais procedimentos, mas sim na conscientização do médico em fazer corretamente o exame físico/pessoal. “Antes, a parte radiológica era complementar e hoje em dia, complementar é a avaliação clínica. Por isso que o Brasil possui atualmente uma das maiores taxas de solicitações de exames do mundo, inclusive ultrapassando países desenvolvidos”.

A prática da slow medicine, iniciada em 2011, surge então como uma forma de melhorar essa relação médico/paciente, visando promover os cuidados adequados e incentivando o compartilhamento na tomada de decisões, por meio de conversas e explicações sobre os melhores métodos e tratamentos possíveis. A prática, conforme apresentou Biroli, pretende ser respeitosa e justa, objetivando não desperdiçar dinheiro, atender às expectativas dos pacientes e oferecer cuidados a todos os doentes, lembrando que a tecnologia é importante e fundamental, mas que deve ser usada com bom senso pelos profissionais da saúde.

A defesa pelo direito à saúde

O acesso à saúde é um direito garantido do cidadão, mas nem sempre é fácil fazer isso se tornar realidade. A judicialização, ou seja, os pedidos que seguem para o judiciário a fim de se conseguir o atendimento e/ou medicamento necessário, tem aumentado a cada dia e é resultante de um fenômeno que mostra a crise no oferecimento e na garantia dos direitos sociais. É o que acredita Ana Maria Pedreira, doutora na área de Direito do Estado pela Universidade de São Paulo e palestrante na tarde dessa quarta-feira na Semana da Administração da Saúde.

Na palestra “Mediação e Judicialização no âmbito da saúde”, a advogada mostrou que essa questão, porém, precisa ser analisada com cautela pelos juízes, uma vez que para conceder ou não uma liminar há de se haver bom senso e coerência. “Há casos em que o governo realmente não implementou uma política pública por negligência, mas há outras situações em que o paciente requisita algo exclusivo, mas que é oferecido de forma similar na rede de saúde”. Nestes casos, de acordo com Ana Maria, é preciso analisar o direito único do cidadão e a capacidade financeira do Estado em prover o acesso da coletividade.

Neste momento de transição do judiciário, no qual estamos assistindo a decisões inéditas em várias esferas, Ana Maria mostrou que os juízes também têm levado em consideração os princípios da pessoa em suas decisões e que a Lei não é única envolvida em seus julgamentos. Casos muito semelhantes, segundo ela, podem ter resultados diferentes dependendo dos acontecimentos e evidências que estão em torno deles.

Do outro lado do direito à saúde está a mediação. Garantir que paciente e prestador de serviço possam manter um diálogo e consigam estabelecer meios consensuais para resolução de seus conflitos é a saída para que o paciente se sinta acolhido e respeitado. Para Silvia Hidal, instrutora e supervisora do curso de Mediação Judicial do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e também palestrante na tarde dessa quarta-feira, essa é uma quebra de paradigma no setor. Falando especificamente sobre essas ações dentro do âmbito hospitalar, ela defendeu que a prática oferece diversas vantagens como menor desgaste emocional, menos custos operacionais e continuidade na relação.

“O hospital precisa, primeiro, ouvir o paciente para que ele se sinta empoderado, pois se ele estiver com um problema sério, obviamente estará fragilizado. Depois, é preciso ter empatia e isso não significa simpatizar com a pessoa, mas sim compreender as suas necessidades. A partir daí, as soluções serão construídas entre as partes e não criadas apenas por um lado. Essa é uma mudança cultural”, define Silvia, que alerta que essa transformação vem acompanhada de um treinamento para todos os colaboradores, passando pelo porteiro ou manobrista e chegando até o médico especialista.

Humanização na saúde: respeito às necessidades e direitos

Para fechar as palestras desta quarta-feira, o CRA-SP recebeu a coordenadora do Núcleo Técnico de Humanização da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, Eliana Ribas, para tratar de um assunto bastante polêmico: Política de Humanização – qualificação do cuidado e da gestão em saúde.

Segundo a especialista, o conceito de humanização, criado há aproximadamente 18 anos, ainda não é trabalhado da forma como deveria, principalmente devido à ideia errada de que se resume a cursos de atendimento ao cliente ou promoção de ações de caráter assessório, frutos da boa intenção de quem faz. “Humanização é muito mais do que isso, é um projeto para a unidade de saúde que não deve ser encarado como uma ação extra, porque isso não agrega melhoria para a qualidade da gestão. Inclui rever processos, fazer um diagnóstico e reconhecimento da realidade local, do usuário, do contexto. É preciso que a lógica da gestão, do cuidado e do acesso mudem. E para que o atendimento ocorra da melhor forma, desinflando as portas dos hospitais, o investimento na atenção básica é fundamental”, explicou.

De acordo com Eliana, a participação do gestor no processo de humanização, estimulando a autonomia, a criatividade das pessoas e, até mesmo, aproximando o usuário do debate, é um exercício essencial. “O trabalho nunca é de duas pessoas, tem que ter a participação de todos e buscar apoiadores. Dessa forma, o projeto de humanização não vai parar na gaveta. Ele precisa ser vivo, relatar a necessidade e o desejo das pessoas. É um guia para ser revisto, uma oportunidade de discussão e observação dos caminhos a serem tomados”, contextualizou.

Com a participação da plateia, o Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba e o Instituto do Câncer de São Paulo (ICESP) foram apontados como “ilhas de prosperidade” no que se refere à humanização. Além disso, chegou-se ao consenso de que entre os principais problemas enfrentados na implantação da humanização estão o subfinanciamento e o comportamento da população, sendo extremamente necessária a mudança no modelo de gestão, privilegiando a prevenção.

Redação

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