Violência contra mulheres e meninas é o maior problema global de saúde pública

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que aproximadamente 35% das mulheres em todo o mundo já sofreram algum tipo de violência física ou sexual. Globalmente, são 30% aquelas que passaram por algum episódio durante um relacionamento, tendo como agressor o próprio parceiro.

Há regiões do planeta em que chega a 38% o número de vítimas violentadas por seus companheiros. Mundialmente, 38% de todos os assassinatos de mulheres são cometidos por parceiros íntimos.

“Violência contra a mulher é inaceitável sendo ela doméstica, externa ou de qualquer outra forma. É uma questão de direitos humanos e a FIGO é contra todo tipo de truculência”, afirma Cesar Eduardo Fernandes, presidente da Febrasgo, Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia.

“Violência contra a mulher é algo pertinente a todos nós, é inaceitável, portanto é um problema de ordem pública. Deve ser foco de atenção de todos os promotores de saúde e do Estado. O Congresso FIGO, no Rio de Janeiro, terá um comunicado público, instando as autoridades competentes a enfrentar esse problema e a assegurar os direitos das mulheres. A FEBRASGO, como afiliada da FIGO e sua representante no Brasil, está totalmente engajada nesta luta”, pontua Cesar Fernandes.

São relevantes recomendações para reduzir a violência contra as mulheres:

– Tornar pública a gravidade do problema e promover campanhas em defesa dos direitos delas;
– Encorajar a responsabilidade compartilhada dentro do lar e da família com ações educacionais eficazes e constantes ao longo do tempo para um engajamento masculino nessa causa;
– Encorajar a participação feminina e a igualdade de oportunidades em cargos nas empresas, na política, na economia e na vida pública;
– Disponibilizar acesso universal para a saúde sexual e reprodutiva.

Durante o Congresso Mundial da FIGO, haverá uma série de sessões e atividades que destacam essa importante questão global, incluindo a Declaração Global da FIGO e da Organização Mundial de Saúde sobre Violência contra a Mulher e a caminhada “Stop Violence Against Women” e porta-vozes da FIGO Panamá, Bolívia, Índia, Itália, Líbano, México (na terça-feira, 16 de outubro).

“Nosso foco é a eliminação de todas as formas de violência contra mulher e meninas. Um encontro do porte do Congresso FIGO, ao qual todos os olhos do planeta se voltam para colher informações sobre a saúde e os direitos do gênero feminino, é uma oportunidade inigualável para abordar tais controvérsias, especialmente se pensarmos que o Brasil precisa mesmo rever seus conceitos e políticas”, finaliza o presidente da FEBRASGO.

Declaração sobre Violência Contra Mulheres da FIGO e da Organização Mundial de Saúde

Contexto

Violência contra mulheres e garotas é um problema importante de saúde pública globalmente. A OMS estima que, no geral, 35% das mulheres ao redor do mundo sofreram casos de violência física e/ou sexual do parceiro íntimo ou violência sexual sem relação ao parceiro ao longo de suas vidas. Enquanto há muitas outras formas de violência às quais mulheres podem ser expostas, isso já representa uma proporção enorme das mulheres do mundo. A maior parte dessa violência vem de violência do parceiro íntimo. Ao redor do mundo, quase um terço (30%) de todas as mulheres que estiveram em um relacionamento sofreram violência física e/ou sexual praticada por seu parceiro íntimo. Em algumas regiões, 38% das mulheres sofreram violência praticada pelo parceiro íntimo. Mundialmente, 38% de todos os assassinatos de mulheres são cometidos por parceiros íntimos.

A crise pode exacerbar essa violência ou trazer novas formas de violência devido à presença de agentes armados, desalojamento, redes sociais e protetivas quebradas e falta de serviços. Enquanto dados sobre a prevalência de tal violência em contextos humanitários é limitada, pesquisas sugerem que aproximadamente uma em cada cinco mulheres refugiadas ou desalojadas em contextos humanitários complexos já sofreram violência sexual. Um estudo de 2017 do Sudão do Sul observou que 65% das mulheres relatam ter sofrido violência do parceiro íntimo e sexual, uma taxa duas vezes maior que a média global.

Essa violência possui diversos impactos na saúde de curto e longo prazo, incluindo gravidez indesejada, lesão, doenças sexualmente transmissíveis e HIV, dor pélvica crônica, problemas ginecológicos e fístula, dentre outros. A OMS estima que mulheres que foram fisicamente ou sexualmente abusadas por um parceiro possuem 16% mais probabilidade de dar à luz um bebê com baixo peso ao nascer. Elas possuem mais que duas vezes mais probabilidades de ter um aborto, quase duas vezes mais probabilidade de apresentar depressão, e 1,5 vez mais probabilidade de adquirir uma DST, em algumas regiões, HIV, em comparação a mulheres que não sofreram violência praticada pelo parceiro.

Serviços de saúde são críticos para apoiar sobreviventes a sanar, se recuperar e superar. Caso acessados a tempo, serviços de saúde podem prevenir gravidezes indesejadas e a transmissão de HIV e DSTs após estupro. Infelizmente, esses serviços normalmente não estão disponíveis, e sobreviventes não possuem acesso a cuidado básico de salvamento.

Nós, os participantes do XXII Congresso Mundial de Ginecologia e Obstetrícia da FIGO realizado no Rio de Janeiro entre 14 e 19 de outubro de 2018 estamos:

Determinados a promover a saúde de mulheres e defender os direitos humanos de mulheres, incluindo seus direitos sexuais e reprodutivos,

Alarmados pela alta prevalência contínua de violência contra mulheres ao redor do mundo,

Profundamente preocupados que isso seja um problema de saúde pública global com sérios impactos sobre a saúde física, mental, sexual e reprodutiva de mulheres, e quando isso ocorre durante a gravidez, afeta a saúde e bem-estar de mulheres e seus bebês,

Profundamente preocupados sobre seus danos à saúde de bebês, crianças e adolescentes (principalmente quando elas são testemunhas e/ou vítimas),

Profundamente preocupados sobre os altos custos econômicos e sociais da violência contra mulheres para indivíduos, famílias, comunidades e sociedades,

Reconhecendo que isso é uma violação grave dos direitos humanos da mulher,

Reconhecendo que violência contra mulheres e garotas é altamente predominante e pode ser exacerbada em situações de crises como conflito, desalojamento e entre refugiadas,

Reconhecendo que a questão está profundamente enraizada em desigualdade de gênero disseminada, principalmente discriminação contra mulheres e normas de gênero desiguais,

Reconhecendo que há necessidade de uma prevenção internacional coordenada e um esforço de resposta por todos os setores e ao longo de todos os países

Reconhecendo que há necessidade de sistemas nacionais de saúde para responder a, prevenir e liderar ou apoiar esforços para abordar violência contra mulheres,

Reconhecendo que há necessidade de desenvolver a capacidade de todos os prestadores de cuidados de saúde com suporte adequado de seus sistemas de saúde, bem como fornecer cuidado especializado para atender às necessidades de saúde de mulheres que sofrem violência,

Lembrando da Declaração das Nações Unidas de 1993 sobre a Eliminação de Violência Contra a Mulher, o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento de 1994, a Declaração e Plataforma de Ação de Beijing de 1995, e a Recomendação Geral 19 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW),

Lembrando também do Plano de Ação Global da Organização Mundial de Saúde de 2016 sobre o fortalecimento do papel do sistema de saúde, dentro de uma resposta multissectorial, para abordar a violência, principalmente contra mulheres e garotas e contra crianças,

Declaramos pelo Presente

Empreender ações em nossas diversas capacidades individuais e coletivas para apoiar esforços para abordar violência contra mulheres, e em particular recomendar que Sociedades-Membro da FIGO:

Incitem seus governos a:

  • implementar as recomendações feitas pelo programa de Ação da ICPD e a Declaração e  Plataforma de Ação de Beijing, ratificar a CEDAW caso ainda não tiverem feito, e garantir sua implementação caso já tenham a ratificado, e tomar ações para implementar o Plano de Ação Global da OMS para fortalecer a resposta de sistemas de saúde à violências contra mulheres e garotas
  • adotar medidas de defesa, legais e educacionais e outras medidas necessárias para tornar a violência contra mulher inaceitável a todos indivíduos e grupos na sociedade
  • alocar orçamentos e recursos suficientes para prevenir e responder à violência contra mulheres e disponibilizar amplamente serviços e torná-los acessíveis a mulheres sujeitas a violência
  • desenvolver e implementar diretrizes ou protocolos nacionais para fornecer cuidados de saúde de qualidade para mulheres que sofreram violência, de acordo com as diretrizes da OMS

Garantam que a atenção às vítimas de violência contra a mulher seja incluída no currículo de todos os prestadores cuidados de saúde, incluindo prestadores de cuidados de saúde reprodutiva, no treinamento especializado de ginecologistas obstetras e nos programas de educação contínua para prestadores de cuidados de saúde.

Aumentem a capacidade de prestadores de cuidados de saúde para abordar violência praticada pelo parceiro íntimo e cuidado abrangente pós-estupro em conformidade com as diretrizes da OMS, incluindo por meio de treinamento de ginecologistas obstetras sobre a identificação e cuidado clínico de sobreviventes afetadas por violência e preconizem a inclusão desses pontos em planos ou políticas de saúde nacional ou saúde sexual e reprodutiva.

Fortaleçam a disponibilidade e melhoria de acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva abrangentes, que incluem cuidado para sobreviventes de violência praticada pelo parceiro íntimo e cuidado pós-estupro.

Colaborem com autoridades nacionais, organizações não governamentais e intergovernamentais, organizações profissionais, colegas de outras áreas de saúde, prestadores de serviço do setor privado, e a mídia para prevenir e abordar as consequências de violência contra a mulher, e comunicar com os órgãos apropriados para fornecer uma rede de segurança eficaz para mulheres que sofreram violência.

Nós ainda recomendamos que obstetras e ginecologistas:

Preconizem estratégias para abordar violência contra mulheres em suas comunidades, localidades, cidades ou países e colaborem com organizações voluntárias e sociais, principalmente com organizações de saúde e direitos da mulher, que preconizam a defesa das mulheres afetadas por violência

Conscientizem sobre violência e seus impactos negativos sobre a saúde e bem-estar de mulheres, e estratégias para abordar esse assunto com seus colegas em outras especialidades médicas, outros prestadores de cuidados de saúde e elaboradores e gestores de políticas.

Desenvolvam a capacidade de prestadores de cuidados de saúde por meio da integração de violência contra a mulher nos currículos de residentes ginecologistas obstetras, estudantes de enfermaria e obstetrícia.

Investiguem e aprendam sobre a abrangência, tipos, agentes de risco e consequências de saúde adversas, quando e como identificar, e como fornecer apoio e cuidado de saúde abrangente de primeira linha, incluindo para saúde mental, e encaminhamentos apropriados.

Fortaleçam sistemas de saúde para prestar cuidados e serviços focados nas mulheres para sobreviventes de violência

Garantam que sociedades-membro incluam Violência Contra a Mulher como um item regular de seu congresso nacional, com envolvimento de elaboradores de políticas e outros stakeholders relevantes

Tenham e sejam responsáveis por seus deveres de identificar e fornecer cuidado confidencial, respeitoso e eficaz para mulheres que sofreram violência, incluindo fornecer suporte de primeira linha e ajudar mulheres no prosseguimento legal de casos de abuso sexual e estupro, caso elas desejarem prosseguir com os mesmos, e fornecer documentação cuidadosa e sensível de evidências, em conformidade com as exigências nacionais de relato.

Apoiem suas pacientes que sofreram violência, inclusive ao fornecer encaminhamentos ativos a assistência psicossocial e serviços legais

Garantam que seu próprio ambiente de trabalho permaneça livre de assédio e abuso.

Rio de Janeiro, 15 de outubro de 2018

Redação

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