Uma nova pesquisa realizada pelo Sírio-Libanês Ensino e Pesquisa, com a cooperação do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), sugere indicadores moleculares que podem indicar quais pacientes responderão melhor ao tratamento preventivo de câncer de bexiga, uma doença que deve gerar 10 mil novos casos em 2020, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca). O câncer de bexiga é uma doença que acomete majoritariamente homens e o principal fator de risco para a doença é o tabagismo. Das cerca de 4,3 mil mortes estimadas por ano da doença, 3 mil serão no sexo masculino (fonte Inca). O sintoma mais característico da doença é a presença de sangue na urina.
O estudo, coordenado pelo Dr. Diogo Bastos, oncologista do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, e pela Dra. Anamaria Camargo, coordenadora do Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-Libanês, avaliou pacientes com câncer de bexiga superficial, ainda nas fases mais iniciais, que não invadiu a musculatura da bexiga, e que corresponde a 70% dos casos desse tipo de câncer. O tratamento padrão, adotado há muitos anos, é a raspagem do tumor, um procedimento cujo nome técnico é ressecção transuretral do tumor da bexiga (RTU) – que é feito por endoscopia. “O processo é pouco invasivo e tem por objetivo a cura preservando o órgão, sem a necessidade de remove-lo”, explica Dr. Diogo.
Após esse procedimento, realiza-se um tratamento preventivo, que atua de forma complementar ao tratamento por RTU, com a vacina BCG (Bacillus Calmette-Guérin), usada comumente contra tuberculose, mas aplicada aqui em outro contexto. A aplicação do BCG diretamente no órgão, processo realizado por meio de cateter, ajuda no combate às células neoplásicas que ainda restam após o tratamento inicial. Esse processo é feito de forma periódica, com aplicações semanais durante seis semanas. O tratamento é preventivo, ou seja, ajuda a evitar a recidiva. “Ele funciona bem, mas entre 20% a 40% dos casos, o tratamento com BCG não gera a resposta esperada e a doença retorna”, diz o médico. O BCG funciona como um estímulo que ativa o sistema de defesa a lutar contra o câncer, o mesmo princípio da imunoterapia. “O BCG é uma das imunoterapias mais antigas que temos, mas que ainda se mostra muito eficiente”, informa. O tratamento tem um custo bem menor em relação às imunoterapias atuais e é hoje tratamento padrão no Sistema Único de Saúde (SUS).
O estudo se propôs a entender os indicadores moleculares que poderiam apontar quais pacientes responderiam melhor ao tratamento com BCG. Além de haver dificuldades na disponibilidade do próprio BCG, o tratamento não é sem efeitos colaterais. Entender, portanto, quem poderia se aproveitar do tratamento ajudaria a garantir também uma melhor qualidade de vida aos pacientes.
O estudo avaliou 35 pacientes que fizeram tratamento para câncer de bexiga superficial com a aplicação de BCG. Esses pacientes foram separados em dois grupos: os que tiveram recidiva e os que não tiveram. Os cientistas estudaram o DNA do tumor de todos os pacientes, por meio do sequenciamento completo e análises de bioinformática, para entender as diferenças moleculares do tumor que pudesse explicar por que alguns respondiam ao tratamento com BCG e outros, não. “Observamos que os tumores que apresentavam um maior número de mutações (maior carga mutacional) eram capazes de estimular mais o sistema imunológico e tinham, portanto, uma melhor resposta ao tratamento com BCG”, informa o oncologista. “Dentre os pacientes que não responderam positivamente ao tratamento, poucos tinham essas características.”
A carga mutacional (TMB, na sigla em inglês, para tumor mutational burden) medida naqueles que responderam melhor é uma medida indireta da expressão de proteínas alteradas pelo tumor, chamadas neoantígenos, que, por sua vez, são capazes de estimular o sistema de defesa, levando à distruição das células tumorais. Ou seja, observou-se que quanto maior a carga mutacional tumoral, maior a chance de ela gerar os neoantígenos. Quanto mais neoantígenos, maior a resposta imunológica, melhor o prognóstico. “Esse estudo sugere que exista uma associação entre a carga tumoral e a resposta imunológica no caso de pacientes tratados com BCG”, diz Dr. Diogo. “A partir dessa conclusão, estudos maiores poderão dar o próximo passo e determinar essa causa e efeito, de forma que uma análise molecular poderá informar quais pacientes se beneficiarão mais do tratamento com BCG”, conclui o médico.