Crítica apartidária a serviço essencial que há anos opera sob o caos. É o que define o diretor com passagens na Broadway, Luis Antônio Pereira, à série de comédia Ala Leste. A obra ficcional, escrita pelo carioca em 1990, mas só dirigida por ele após 28 anos, expõe personagens e situações duvidosas, que cooperam para a falência das emergências de saúde pública do Rio de Janeiro. A atração estreia nesta quarta-feira (2), às 21h30, no canal de TV por assinatura Prime Box Brazil, protagonizada pelos atores Carla Marins e Marcos Breda.
Estruturada em cinco episódios, a sátira debate a autoridade máxima constituída pela recepcionista Karla Munhael (interpretada por Marins) no Hospital Geral do Rio de Janeiro, uma verdadeira espelunca da rede pública. Nada ali funciona se não passar pela aprovação da funcionária. Ela manda mais, inclusive, do que o diretor geral do local, doutor Muza (Breda), a enfermeira-chefe Sulamita (Gabriela Durlo) e a filha do prefeito da capital carioca, Suzana Mães (Mariana Cortines).
A rotina de corredores e quartos é povoada por crimes e atividades paralelas, que nada contribuem para o bem-estar dos pacientes. “A maioria dos casos inspirados em fatos reais, mas apimentados pela crítica cômica”, esclarece Pereira. Há o esquema de venda de drogas e muambas chinesas, controladas pelo motorista da ambulância Zé do Queijo (Ernesto Piccolo), e a extrema-unção dos moribundos comandada pela Irmã Maria de Lourdes (Renata Pirillo), que esconde uma estrutura de venda de órgãos humanos.
O título da obra, Ala Leste, é referente ao setor que os ‘louquinhos’ são encaminhados, chefiada pelos enfermeiros Marília (Izabella Bicalho) e Xangrilá (Charles Daves). “Pacientes desacreditados ou de diagnósticos graves aos mais simples, como uma gripe, em que médicos e enfermeiros não estão dispostos a darem solução imediata. Estafa física e mental, deficiência das condições de trabalho e o hábito de cochilar durante o expediente são alguns dos principais motivos”, define Luis.
A corrupção em busca do privilégio de poucos, que deveriam zelar pelo devido funcionamento do sistema. Para a maioria dos pacientes da ficção, o Hospital Geral é sinônimo de manutenção do bem-estar e da vida humana, um serviço devidamente remunerado pelo cidadão no pagamento de impostos. Mas, não é isso o que pensa a personagem Suzana Mães. A filha do prefeito acredita que a instituição só gera prejuízos. Ela tentará de todas as formas privatizar o aparelho público em estacionamento de carros, na tentativa de gerar lucros ao Estado.
Quando o roteiro foi escrito em 1990, o Sistema Único de Saúde (SUS) e Fundação Nacional de Saúde (FNS) eram instituídos no país. O diretor carioca engatinhava como ator no teatro, sua primeira carreira na dramaturgia. Também exercia a cobertura do factual como repórter em veículos de mídia impressa. A apuração jornalística e a capacidade de encenar a realidade foram duas linguagens utilizadas na narrativa cômica. “Aprendi na graduação de jornalismo, cujo Ricardo Boechat foi um dos meus professores, que o conflito é o que gera notícia, o relato de um acontecimento. Isso é o que retrato na série. Queremos mostrar que nada mudou em tantos anos, mas em nenhum momento levantamos bandeiras”, justifica.
A série Ala Leste tem como referência o trabalho de comediantes dos anos 70 na televisão brasileira. “A comédia é uma ferramenta eficiente para fazer com que as pessoas compreendam a realidade do sistema sob uma ótica inteligente. É uma crítica política, mas não partidária. Chico Anysio, Jô Soares e Agildo Ribeiro descontruíam o trágico com humor e eram muito bem vistos pelo público. Os profissionais que trabalham no sistema público e privado de saúde aos quais mostrei a obra, adoraram. Elas se identificaram em diferentes situações. É algo muito necessário e não a graça em si só”, defende Luis.
As fontes de pesquisa do roteiro incluíram entrevistas anônimas com profissionais e pacientes, visitas a emergências e análise do noticiário. Gravada na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, Ala Leste faz uso do ensemble cast, inspirado nos sitcons americanos. “Elenco de oito atores principais com relevância equivalente na história. Eles funcionam muito na base da interação e os conflitos narrados surgem entre si. A crítica é um pano de fundo nisso, jamais pode vir à frente das histórias”, esclarece Pereira.
Egresso do mercado audiovisual de Los Angeles, Luis Antônio Pereira é diretor, roteirista, editor, produtor, preparador de elenco e ator, com experiência em teatro, TV, cinema e streaming. Iniciou a carreira no Rio de Janeiro como ator da peça musical Ópera do Malandro, do compositor e cantor Chico Buarque. Na Broadway, atuou nos musicais Big River (2003) e The Sound of Music (1998). No cinema americano, atuou nos longas-metragens Little Nicky – Um Diabo Diferente (2000) com Adam Sandler e Um Homem de Família (2000) com Nicolas Cage, do Universal Studios.