
Viviane, 45 anos, passou os últimos dez anos em busca da cura para uma condição rara. Durante uma cirurgia para tratar endometriose, os médicos descobriram uma má formação no sistema linfático. Três anos depois, os sintomas começaram a se manifestar, quando a linfa passou a vazar para o abdômen. Moradora de Dourados (MS), ela procurou diversos especialistas pelo país. “Passei por sete cirurgias e procedimentos para tentar resolver a situação. Comecei a fazer punções para retirada da linfa, inicialmente a cada oito meses; depois, esse intervalo caiu para seis meses e, no final, eu já realizava punções semanais. Perdi totalmente minha qualidade de vida”, relembra Viviane.
Com o quadro de saúde considerado “intratável” por muitos profissionais, devido ao vazamento diário de litros de linfa no abdômen e no tórax, ela foi encaminhada ao Hospital São Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR), onde passou por uma consulta com o cirurgião oncológico Marciano Anghinoni. “A Viviane apresentava uma condição médica grave chamada ascite quilosa de alto débito refratária e quilotórax, que é esse acúmulo de linfa nessas regiões. Após passar por vários médicos no Brasil e nos Estados Unidos, ela tinha uma expectativa de vida muito curta e sem nenhuma qualidade”, explica o oncologista. “Com os exames em mãos, reunimos uma equipe formada por cirurgiões oncológicos, um cirurgião plástico especialista em microcirurgia e um radiologista. Estudamos juntos uma forma de realizar uma operação ainda inédita e devolver esperança à paciente”, complementa Marciano.
Planejamento e ineditismo
O procedimento durou 11 horas no centro cirúrgico e envolveu dez profissionais, mas começou muito antes. Primeiro, o radiologista intervencionista Helder Groenwold Campos realizou um extenso estudo linfático pré-operatório com técnicas modernas, entre elas a linfangiografia por ressonância magnética — um exame de imagem que utiliza campos magnéticos e ondas de rádio para visualizar o sistema linfático, incluindo vasos linfáticos, linfonodos, cisterna do quilo e ducto torácico.
A cirurgia teve início com os cirurgiões oncológicos Marciano Anghinoni, Andrea Petruzziello e Cristiano Ontivero, que acessaram o retroperitônio e uma estrutura chamada cisterna do quilo, localizada entre a coluna vertebral e a aorta. Nessa região, os médicos identificaram estruturas linfáticas milimétricas ainda viáveis para a realização de pontes linfovenosas.
Em seguida, a equipe de microcirurgia, comandada pelo cirurgião do Hospital São Marcelino Champagnat, Alfredo Duarte, realizou as conexões entre o sistema linfático — ao nível da cisterna do quilo — e veias próximas, como a cava e as mesentéricas. “O distúrbio que afetava a Viviane impedia que a gordura absorvida no intestino fosse transportada para a corrente sanguínea pelo ducto linfático. O organismo dela não conseguia encaminhar de dois a três quilos diários de linfa para a circulação. Retiramos toda a veia safena da perna esquerda e utilizamos esse vaso para fazer a ligação”, explica Alfredo.
Novos caminhos
O procedimento inédito realizado em Curitiba abre portas na literatura científica para o tratamento de casos graves semelhantes ao de Viviane, que precisava fazer punções regulares para o esvaziamento da linfa.
“Revendo tudo o que enfrentei e olhando para como estou hoje, ninguém imagina que sofri tantos anos com esse problema, que cheguei a ficar dois meses internada, alimentando-me por via parenteral. Foi um longo percurso. Cheguei a Curitiba com fé de que encontraria o tratamento certo, e foi o que aconteceu. Hoje, recuperei minha qualidade de vida e posso aproveitar os momentos com minha família”, ressalta Viviane.