A primeira crise convulsiva aconteceu por volta dos 3 anos de idade, mas o diagnóstico de CLN2, doença que provoca a destruição progressiva das células do sistema nervoso, só chegou no final de 2017 e, até o momento, a paciente que sofre com essa neurodegeneração, Vitória Carolaine, de 6 anos de idade, não tem previsão para iniciar o tratamento.
Essa é a realidade de milhares de pacientes com doenças raras no Brasil. “Dependendo da doença, o paciente raro leva anos para ter um diagnóstico, e como se já não fosse suficiente, sofre com a demora e dificuldade para receber um tratamento adequado”, reforça Regina Próspero, Vice-Presidente do Instituto Vidas Raras.
Durante os 3 anos, após os primeiros sintomas, Vitória Carolaine passou por inúmeros pediatras e neurologista até que chegou à doutora Larissa Mehl. A neurologista, do Hospital Infantil de Itajaí, foi requisitada a ver a menina após uma internação em decorrência das constantes crises convulsivas que Vitória apresentava. “Depois de avaliá-la e conhecer um pouco da história dessa família, eu suspeitei que pudesse ser CLN2 e alguns exames realizados em conjunto com um médico geneticista nos levaram a esse diagnóstico”.
De acordo com Jacilene Loes, mãe da menina, a família tenta conseguir o tratamento indicado com ajuda da Defensoria Pública, mas ainda não tem uma previsão de quando isso acontecerá. “Sem o tratamento, a expectativa de vida de pacientes com CLN2 é em média de 12 anos de idade, hoje, aos 6 anos, a Victória tem um quadro neurológico bem comprometido e o tratamento pode auxiliar na estabilização da doença, oferecendo a ela mais tempo”, explica a Dra. Mehl.
Além da família Loes, centenas de pessoas podem estar passando pela mesma situação. De acordo com estimativas da Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM), há em torno de 13 milhões pacientes com doenças raras no país. A família Próspero é uma delas e conhece de perto os efeitos da ausência de tratamento.
Hoje vice-presidente do Instituto Vidas Raras, Regina Próspero se envolveu na causa após passar pelas dificuldades proporcionadas pelas Mucopolissacaridoses (MPSs). Seu primeiro filho, Nilton, nasceu em 1988 e aos seis meses de idade ouviu pela primeira vez sobre a possibilidade de ser um paciente com MPS.
O diagnóstico se concretizou quando o menino tinha 5 anos, Niltinho e seu irmão mais novo, Eduardo – o Dudu – tinham MPS VI. “A médica logo falou que, entre todos os tipos de MPS, essa era a menos prejudicial, e que não havia tratamento e o melhor que poderíamos fazer era dar muito amor e carinho porque a vida dos dois seria muito difícil”, relembra Regina.
Naquela época o tratamento para MPS ainda não estava consolidado no país, por isso a doença não foi tratada e tudo o que Nilton recebeu foi auxílio de inúmeros especialistas e cuidados paliativos. “A doença causou um problema muito sério na coluna dele, mas tudo o que podíamos fazer era cuidar das sequelas. Mesmo nessa batalha ele foi uma criança feliz”. Nilton faleceu pouco tempo depois do diagnóstico, mas deixou um legado: a batalha dos pais para manter Dudu vivo.
“Eu não tive uma progressão tão grave quanto a do meu irmão, que faleceu aos 6 anos. Porém, a partir dos meus 5 anos, a doença começou a avançar”, explica Dudu. Ao contrário de Nilton, ele perdeu a visão, audição e teve o comprometimento do sistema respiratório. “Conforme o Dudu crescia, a doença avançava e a gente sabia que ele não ia aguentar mais um ano sem tratamento. Ele estava aos trancos e barrancos, vivíamos em hospitais e tudo que eu pensava era se nós estávamos subestimando ele ou a doença”.
Aos treze anos de idade, Eduardo fez parte de um estudo clínico que foi responsável por trazer o tratamento para MPS à América Latina e, com o início das infusões, apresentou uma melhora em sua qualidade de vida. Hoje, recuperou muito do que havia perdido, inclusive sua independência para cursar Direito na universidade.
Falta de medicamentos
Algo que infelizmente tem se tornado comum para os pacientes de doenças raras é a falta de medicamentos. Mesmo depois do diagnóstico e início do tratamento, muitos pacientes têm sofrido com a interrupção do fornecimento dos medicamentos que tratam e controlam a progressão de doenças. “O que as pessoas precisam entender é que a saúde desses pacientes está em risco”, alerta Regina. “A falta do tratamento causa um declínio muito rápido. Muitas vezes são crianças que após um mês sem assistência já apresentam falta de ar, dor intensa ao respirar. Isso é injusto e inaceitável”.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), para ser considerada rara, a doença tem que afetar uma em cada 2 mil pessoas. Embora o número total não seja conhecido, sabe-se que 80% é causado por alterações genéticas e 20% por fatores imunológicos, infecciosos, reumatológicos e cânceres.