De preparação de atleta profissional à música: as diversas estratégias para reabilitação pós Covid-19

“Eu não andava e nem falava direito, só mexia um pouco as mãos e usava sonda e oxigênio”, relatou o aposentado Mauricio Krekowiski, de 56 anos, no dia que recebeu alta para retornar ao lar, caminhando sem ajuda de outra pessoa, aproximadamente 45 dias após dar entrada no processo de reabilitação das sequelas graves da Covid-19. “Esta etapa de recuperação foi a principal para mim, porque pegou o fim da doença e devolveu minha independência”, reforça.

Krekowiski chegou a ficar 46 dias entubado e foi encaminhado do hospital geral para uma unidade especializada na recuperação dos pacientes sem condições de realizar suas Atividades Básicas de Vida Diária (ABVDs).

Antes do tão esperado retorno ao lar, o aposentado precisou passar por um processo intenso de reabilitação, que incluiu trabalho de fisioterapia diário, quase que como um atleta profissional; fonoaudiologia para voltar a engolir e falar; nutrição, que ajudou na retomada da alimentação normal; e até sessões de música, que contribui para a redução da ansiedade dos pacientes e proporciona momentos de bem-estar ao longo da recuperação – ele chegou a ficar quase seis meses em ambiente hospitalar durante todo o processo da doença.

Estudo publicado na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos em março de 2021 estima que 80% dos pacientes que foram infectados com SARS-CoV-2 desenvolveram um ou mais sintomas a longo prazo, o chamado Covid Longo. Os cinco mais comuns foram fadiga (58%), cefaleia (44%), distúrbio de atenção (27%), queda de cabelo (25%) e dispneia (24%). O levantamento identificou, ao todo, 55 efeitos de longo prazo.

Em sua conclusão, a pesquisa fala da importância da reabilitação com trabalho interdisciplinar. “Do ponto de vista clínico, as equipes multidisciplinares são cruciais para o desenvolvimento de medidas preventivas, técnicas de reabilitação e estratégias de gerenciamento clínico com perspectivas de todo o paciente projetadas para abordar o cuidado Covid-19 de longo prazo”, diz a parte final do estudo, assinado por cientistas dos Estados Unidos, México e Suécia.

Krekowiski foi um dos pacientes atendidos até agora pela Nobre Saúde, unidade localizada em Santo André (ABC Paulista) e que traz o conceito de transição de cuidados, com estrutura hospitalar para pacientes com doenças que necessitam de reabilitação ou cuidados paliativos, independentemente da idade – é a única do tipo na região.

A unidade conta com equipe completa e interdisciplinar formada por medicina, enfermagem, psicologia, nutrição, fonoaudiologia, farmácia, musicoterapia e intensa fisioterapia respiratória e neuromuscular. Nas 24 horas do dia o paciente trabalha para que, em até 90 dias, ele volte para sua casa e participe de atividades sociais com a maior autonomia possível.

“Entendo como uma questão de qualidade e não de tempo o processo de transição de cuidados. O Coronavírus gera acometimentos de longo prazo, mas em um curto espaço de tempo conseguimos desenvolver e retomar a capacidade das Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD) dos pacientes, coisa que em casa apenas com fisioterapia não conseguiria evoluir com essas características”, comenta o médico Richard Rosenblat.

Todas as áreas assistenciais possuem conexão e foco no desenvolvimento de autonomia o mais breve possível para os pacientes. “As terapias são realizadas com intensidade, frequência e muita humanização. Alguns pacientes chegam a realizar fisioterapia 3 vezes ao dia, fonoaudiologia, e visita médica diária, acompanhamento nutricional, psicológico, farmacêutico e enfermagem 24 horas por dia”, afirma o diretor-executivo da Nobre Saúde, Eduardo Santana.

Um dos exemplos é o procedimento de Ventilação Não Invasiva (VNI). Em algumas sessões, o procedimento é combinado com exercícios como esteira e bicicleta. Este método auxilia no aumento da troca gasosa, que, por consequência, melhora a mecânica pulmonar, gerando redução da dispneia e fadiga. Isso faz com que o paciente consiga se exercitar e ganhar resistência da musculatura periférica.

“Basicamente, as sequelas pulmonares da Covid-19 geram intolerância ao exercício físico. Nós atribuímos essa intolerância a uma redistribuição do fluxo sanguíneo para a musculatura ventilatória, como consequência do aumento do trabalho e dos metabólitos nessa musculatura, que levarão a uma maior resposta vasoconstritora simpática nos músculos periféricos. Isso faz com que a eficiência metabólica seja comprometida pelo menor aporte sanguíneo nessa musculatura. Por isso, o procedimento é importante na reabilitação pós-Covid”, explica a coordenadora de fisioterapia da Nobre Saúde, Juliana Turqueti.

Prazer e bem-estar

Além do trabalho intenso de fisioterapia, os cuidados interdisciplinares são também muito importantes para reabilitação pós-Covid-19, tanto na parte física quanto na emocional, visando o prazer e bem-estar do paciente. Setores relevantes neste processo são a fonoaudiologia e nutrição, responsáveis por devolver sentidos cruciais para nossa vida: como a fala e a deglutição.

“Enquanto a fonoaudiologia vai fazendo o trabalho de treinamento da deglutição, a Nutrição atua na prescrição da dieta adequada para cada momento. Um diferencial que fazemos aqui é, quando o paciente está perto da alta, oferecemos um almoço ou jantar com o cardápio escolhido por ele mesmo, para que tenha novamente aquele prazer de saborear um prato que há muito tempo já não podia comer”, explica a coordenadora de Nutrição da Nobre Saúde, Camila Macarrão.

Outro trabalho que colabora para o bem-estar dos pacientes são as intervenções dos musicoterapeutas, que empunham seus violões e vão de quarto em quarto tocando e cantando canções de acordo com o gosto musical do paciente.

“Isso se chama musicoterapia receptiva. Dados da própria OMS (Organização Mundial da Saúde) mostram que a intervenção com música diminuiu os níveis de ansiedade dos pacientes que estão há muito tempo em ambiente hospitalar, como é o caso de quem passa por reabilitação pós-Covid. O hospital é visto como a forma mais triste de isolamento e o nosso foco é exatamente diminuir esta sensação”, explica o coordenador de musicoterapia da Nobre Saúde, Adilson Casimiro.

Link do estudo internacional: pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33532785

Redação

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