Os dados da primeira análise do Projeto S, estudo de efetividade da vacina CoronaVac que o Butantan conduziu no município paulista de Serrana, mostram uma efetividade direta da vacina de 80,5% do imunizante contra casos sintomáticos de Covid-19, de 95% contra hospitalizações e de 94,9% contra mortes. A pesquisa também indica que com 52% da população vacinada com as duas doses os efeitos indiretos começam a se manifestar, protegendo inclusive quem não tomou o imunizante. Além disso, na época do estudo (entre fevereiro e maio de 2021), a maioria dos casos eram provocados pela variante gama (P.1, amazônica) do SARS-CoV-2, o que evidencia novamente que a CoronaVac é eficaz contra essa cepa – que predominou no Brasil em todo o primeiro semestre deste ano.
Os resultados da pesquisa, conduzida por cientistas do Instituto Butantan, do Hospital Estadual de Serrana, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e da Secretaria Municipal da Saúde de Serrana, estão descritos no artigo “Projeto S: a stepped-wedge randomized trial to assess CoronaVac effectiveness in Serrana, Brazil”, divulgado nesta semana na plataforma de preprints SSRN.
O Projeto S é o primeiro estudo clínico controlado que demonstra a eficiência de um imunizante no mundo real e seu efeito indireto na população não vacinada, tendo sido realizado durante uma pandemia e sem utilizar grupo controle. A pesquisa é pioneira ao demonstrar que uma vacina de vírus inativado utilizada como medida de emergência de saúde pública primária pode mudar o curso de uma epidemia. Além disso, o Projeto S – um ensaio clínico do tipo randomizado escalonado – mostra que as vacinas são o pilar para conter o número de casos e a transmissão viral e para controlar os efeitos devastadores da Covid-19.
Os voluntários do Projeto S foram vacinados com a CoronaVac, vacina do Butantan e da farmacêutica chinesa Sinovac, em um esquema de duas doses com um intervalo de quatro semanas. No total, completaram o esquema vacinal 81,3% da população adulta e 60,9% da população urbana de Serrana, o equivalente a cerca de 27 mil pessoas. Deste número, 16% eram idosos com mais de 60 anos.
A eficácia geral da vacina foi estimada comparando a incidência de casos pré e pós-vacinação para toda a população urbana. A eficácia direta foi avaliada na relação entre a incidência de casos em indivíduos totalmente vacinados e não vacinados. Entre os totalmente vacinados, a efetividade direta da vacina foi de 80,5% (IC 95%, 75,1 a 84,7) na prevenção de casos sintomáticos; de 95% (IC 95%, 86,9 a 98,1) contra hospitalizações; e de 94,9% (IC 95%, 76,4 a 98,9) para prevenir mortes. Durante o período do estudo, 1.447 casos de Covid-19 foram reportados em Serrana; destes, 361 (24,9%) foram sequenciados, indicando uma incidência da variante gama de 92% a 100% na cidade.
Ao analisar o impacto da vacinação na população idosa (maiores de 60 anos), a efetividade direta da CoronaVac permanece muito alta: 86,4% (IC 95%, 74,5 a 93) na prevenção de casos sintomáticos, 96,9% (IC 95%, 86,1 a 99,3) contra hospitalizações e 96,9% (IC 95%, 73,9 a 99,6) para prevenir mortes.
Os pesquisadores salientam que não é possível fixar um nível mínimo de imunização para controlar a Covid-19 em uma área, mas que os resultados do Projeto S demonstram que quando 52% da população havia recebido as duas doses da vacina, os efeitos indiretos de proteção começaram a ser observados nos outros grupos que ainda não haviam completado a imunização – sugerindo um indicador de imunização para controlar a variante gama do SARS-CoV-2. Além disso, durante o período do estudo, o número de infecções entre crianças também foi reduzido, indicando o efeito indireto da CoronaVac nesta população, que não foi imunizada. No entanto, relatam que os efeitos diretos da vacinação foram superiores aos indiretos, reforçando a necessidade de se vacinar o maior número possível de pessoas e rapidamente.
O Projeto S demonstra que a imunização coletiva pode aumentar a eficácia da vacina contra a Covid-19 mesmo em um cenário envolvendo a introdução de uma nova variante, a circulação aberta com áreas circundantes e taxas de transmissão muito altas. A incidência geral de Covid-19 foi detida em Serrana, em contraste com o aumento persistente dos casos nas cidades próximas, que fazem parte do Departamento Regional de Saúde de Ribeirão Preto.
Não fez parte da avaliação do estudo se o uso de máscara, distanciamento social e outras medidas de controle alteraram as taxas de transmissão da Covid-19 durante ou após a pesquisa. Vale ressaltar, porém, que as autoridades de Serrana seguiram as mesmas medidas sanitárias dos municípios da região, e não restringiram o deslocamento em qualquer momento.
O estudo Projeto S foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (CAAE 42390621.1.0000.5440) e está registrado em ClinicalTrials.gov (NCT04747821).
Covid-19 e a CoronaVac
A Covid-19, causada pela síndrome respiratória aguda grave Coronavírus 2 (SARS-CoV-2), está associada a um amplo espectro de manifestações clínicas que vão desde sintomas leves até a morte. No final de novembro de 2021, havia aproximadamente 263 milhões de casos e 5,2 milhões de mortes provocadas pela doença em todo o mundo. Atualmente, a CoronaVac é a vacina mais utilizada no mundo contra a doença, representando 25% do total de imunizantes produzidos. Além de utilizar a técnica de vírus inativado, uma das mais estabelecidas e com alto perfil de segurança, ela tem eficácia comprovada em ensaios clínicos realizados em diversos países (no Brasil, demonstrou eficácia geral de 50,7%; na Turquia, de 83,5%) e uma temperatura de armazenamento de 2°C a 8°C, o que facilita seu transporte e logística, especialmente em países em desenvolvimento.