Os especialistas que participaram da 18ª edição do Fórum da SMCC – Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas (SP) na noite de 1 de março defenderam medidas restritivas mais inteligentes para tentar frear o avanço da contaminação da Covid-19 na região, além de suporte do governo aos setores mais atingidos. As medidas, segundo eles, são necessárias porque ainda faltam informações conclusivas sobre as novas variantes, que podem ser mais letais, atingir pessoas mais jovens e, ainda, afetar a eficácia das vacinas disponíveis atualmente.
O evento sobre a situação da Covid-19 teve como tema central “O Impacto das Novas Variantes na Região” e foi transmitido pelo ZOOM e pelo canal da SMCC do Youtube. A presidente da SMCC, Dra. Fátima Bastos, foi a anfitriã e teve como mediador o Dr. Marcelo Amade Camargo, Diretor Comercial e Marketing da sociedade.
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Entre os pontos debatidos, estiveram: a restrição de circulação em ambientes potencialmente de risco para a transmissão, que são os lugares com pouca ventilação e com aglomeração, como bares, restaurantes, festas e igrejas; mais rigor na utilização de proteção individual, com máscaras de melhor qualidade, principalmente em ambientes fechados; e o rastreamento e isolamento de contatos próximos, ou seja, pessoas que tiveram contato com alguém que positivou para a Covid-19 também devem cumprir isolamento.
Outro ponto discutido é a possibilidade de ampliação do período de isolamento, que poderia passar a ser de 14 dias, e não de 10 dias como preconizado atualmente. Isso porque há estudos que apontam que as novas variantes são transmissíveis por mais tempo. O grupo também ressaltou a necessidade de acelerar a vacinação.
Impacto epidemiológico das novas variantes
O epidemiologista da Faculdade São Leopoldo Mandic, Prof. Dr. André Ribas de Freitas, fez sua apresentação explicando que as variantes de interesse (do termo inglês VOC = Variants of Concern) causam preocupação porque podem aumentar a transmissibilidade, a gravidade da doença, mudar a faixa etária acometida e alterar a sensibilidade dos exames laboratoriais, além de determinar novas apresentações clínicas. Elas também podem causar o escape viral, que é a capacidade de driblar anticorpos por meio de mutações, levando à diminuição na resposta às vacinas, diminuição na proteção contra reinfecção e diminuição na resposta a anticorpos monoclonais e soro de convalescente.
Mutações que têm chamado muita atenção são a E484K, a N501Ye a K417N, que estão presentes na variante P1, de Manaus, que está se espalhando muito rapidamente pelo Brasil. A mutação E484K permite o escape viral, aumentando o risco de reinfecção. Já a N501Y tem como característica o alto poder de transmissão. “Uma mutação (E484K) diminui o reconhecimento pelos anticorpos e a outra (N501Y) aumenta a transmissibilidade”, explica o epidemiologista. De acordo com ele, a taxa R, utilizada como parâmetro para definir como um vírus está se propagando, que estava em torno de 1 no Estado de São Paulo no final do ano, com a nova variante, poderia chegar a 1,6. “É uma mudança rápida no padrão de transmissibilidade. Em Araraquara, em três ou quatro semanas, ela (taxa R) passou de 1 para 1,4”, exemplifica. “Outra característica dessa variante parece ser o acometimento de pessoas mais jovens”, complementou Dr. André com base nos estudos disponíveis atualmente.
Impactos clínicos das novas variantes
Responsável por falar dos impactos clínicos das novas variantes, a infectologista da UNICAMP Prof. Dra. Raquel Stucchi apontou que ainda há poucos estudos e poucas evidências científicas. E ela fez questão de destacar que é necessário fazer uma análise cautelosa de tudo que está disponível. “Nós temos que ter muito cuidado na análise desses dados e de uma talvez piora da mortalidade, ou mesmo de letalidade, porque esses índices não são dissociados da qualidade da assistência médica prestada. E aí nós temos um impacto muito importante porque nós bem sabemos o que aconteceu em Manaus em termos de assistência e, com certeza, muitos dos óbitos ali foram por uma deficiência na qualidade médica prestada e, infelizmente, estamos vendo que essas dificuldades na assistência têm acontecido aqui também no nosso meio”, comenta.
Impactos na imunidade e as vacinas
O imunologista da USP e Diretor Científico da SMCC, Prof. Dr. Antônio Condino Neto, fez uma explanação sobre os tipos de vacina existentes atualmente e disse que as que possuem tecnologias mais recentes podem ser editadas, com a inserção de sequências das mutações, o que as tornaria eficazes para as novas variantes, mas essas atualizações devem acontecer apenas mais para o final do ano. Ele destacou que é importante ainda utilizar os protocolos habituais, como uso de álcool em gel, uso de máscara, distanciamento social, e evitar aglomeração. “O vírus vai continuar evoluindo. Aqui no Brasil, nós temos todas as condições que o vírus queria para evoluir”, alerta. “Essa história está só começando, infelizmente. Nós temos ainda um longo tempo pela frente para usar máscara, para usar medidas preventivas. Essa vacinação tinha que ser acelerada urgente”, afirma.
O imunologista também citou um estudo sobre a resposta imune de pessoas contaminadas com SARS-CoV-2, que é contínua e editada. “Essa resposta vai continuando e o que ainda não ficou claro é se o antígeno do Coronavírus determina essa dinâmica de uma maneira mais acentuada, no caso dessas infecções que os anticorpos vão mudando, ou se nós temos um caso de santuários virais e infecção crônica que nós ainda não descobrimos. O fato é que a resposta imune não para”, explica. “O que nós ainda não temos determinado é se essa evolução de resposta é para o nosso bem ou, na verdade, o vírus plantou uma bomba-relógio no nosso sistema imune e a gente está fazendo hipermutações para servir de escape viral”, comenta.
“Lockdown”
O convidado especial, Dr. Paulo Chapchap, representante do Grupo UNIEDUK e diretor geral do Hospital Sírio Libanês/SP comentou que março será um dos piores meses, senão o pior mês da história do Brasil em termos de crise sanitária. “A gente não viu ainda o pior. Eu estou muito preocupado”. Chapchap também defendeu medidas restritivas mais rígidas. “Quando a situação é extrema, de altíssima prevalência da infecção na população, a chance de você cruzar com alguém que seja contagiante aumenta muito, e você tem de ser mais restritivo nas medidas de contenção”. No entanto, ele ressalta que isso deve ser feito de forma mais inteligente. “O problema nosso é que a gente está considerando tudo igual, e não é tudo igual! Nós sabemos quais são os eventos de supercontágio: gente aglomerada em lugar pouco ventilado e sem máscara. Você não pega (Covid-19) de ir à farmácia ou no mercado de máscara, não pega de ir correr no parque”, compara. “A gente não foi inteligente nas medidas até agora porque a gente fala ´ou tudo ou nada´. E não é bem assim”, reforça.
Segundo ele, para que essas medidas possam ser cumpridas, principalmente, pelos donos de bares e restaurantes, seria necessário ter apoio do governo. “’Vamos pôr dinheiro nesses negócios… Chama o sindicato dos bares e restaurantes e pergunta ‘o que vocês precisam para ficar fechados, mas fechados mesmo, de verdade?’”, sugere. “Se a gente fizer as medidas inteligentes por pouco tempo, a gente muda a história da doença”, afirma.
Freitas ratificou as colocações de Chapchap, inclusive sobre a necessidade de criação de políticas públicas para pequenos comerciantes, e acrescentou que é necessário aumentar o rigor das proteções individuais de acordo com o risco do paciente e do lugar. “Acho que está na hora de discutir o uso de máscara adequadamente”. O epidemiologista lembrou que, no início da pandemia, as máscaras de tecido foram indicadas apenas como uma alternativa, já que as máscaras cirúrgicas estavam em falta e precisavam ser garantidas para os profissionais de saúde “Precisamos divulgar que a máscara cirúrgica é mais efetiva que a máscara comum. Em aviões, o uso da N-95 e óculos de proteção é recomendável”, comenta.
Ele também ressaltou que o rastreamento de contatos é fundamental para o controle da doença. “Não adianta isolar só o paciente. Tem de fazer o rastreamento, identificar os contatos e deixar em quarentena. Essas medidas são inteligentes porque você poupa as medidas extremas de lockdown”, afirma.
Outro ponto trazido à discussão dos especialistas foi a ampliação do período de quarentena, que deveria ser de 14 dias. “Tem um estudo em relação a essas novas variantes mostrando que elas têm um tempo de eliminação mais longo e que em até 14 dias, você tem vírus viável sendo transmitido”, afirma a Raquel. “Então, 14 dias de isolamento seria o mais adequado. Mas precisa de uma mudança dos protocolos porque a gente tem uma questão trabalhista importante, que envolve a necessidade de retorno ao trabalho”, pondera.
A infectologista reforçou que o isolamento deve ser feito pela pessoa contaminada e, também, pelos contatos dela, mesmo que em casos de exames negativos, já que pode ocorrer um falso negativo e o vírus ser transmitido. Ainda de acordo com Raquel, os exames atuais já são capazes de detectar as novas variantes, mas com os mesmos limites de resultados falso-negativos.
Dr. Marcelo lembrou que a SMCC publicou um protocolo para orientação da população intitulado “O que fazer se estiver com suspeita de Covid-19”, que explica de forma fácil e simples o passo a passo que uma pessoa deve seguir ao sentir algum sintoma suspeito, incluindo alertar quem teve contato próximo nos dois dias anteriores para que essas pessoas também tomem precauções.
Os protocolos da SMCC podem ser acessados em site.smcc.com.br/downloads-uteis
Volta às aulas
Outro assunto que ganhou destaque no encontro foi o retorno às aulas presenciais, que dividiu opiniões. Dr. Condino defende que os alunos permaneçam em aulas remotas. “O sistema imune da criança não é igual ao sistema imune do adulto. Ela responde de uma maneira diferente. Se as crianças pegarem Covid, elas têm o risco, sim, de desenvolver complicações graves. E a gente não sabe dos efeitos a longo prazo da Covid”’, destaca. Já Dra. Raquel defende a continuidade das aulas presenciais. “Eu sou favorável ao retorno às aulas, mas os gestores públicos precisam ter medidas para que você não tenha trânsito aumentado. Precisa de mais ônibus, transporte público. Estudos de metanálise mostram que em mais de 70% dos casos diagnosticados de Covid em criança, a transmissão foi no núcleo familiar. As crianças, felizmente, não são tão acometidas”, comenta. Mas ela ressaltou a necessidade de famílias e trabalhadores de educação também seguirem os protocolos fora da escola.
Dr. Chapchap disse que sempre foi favorável ao retorno às aulas presenciais e que, sobre essa questão, não há certo e errado. No entanto, acha que o momento exige mais cautela. “Agora a gente está lidando com uma variante que a gente não sabe qual é o comportamento dela. Infelizmente, as coisas fugiram do nosso controle. Não é mais como era em setembro, outubro ou novembro”, alerta, seguido por Freitas, que compartilha de uma opinião muito parecida. “Não só por causa da nova variante, mas a situação epidemiológica atual está se degradando rapidamente, então o ir e vir com as crianças (para as escolas) está estimulando os contatos de alguma forma, e eu acho que isso é negativo, apesar do prejuízo enorme para as crianças”, comenta. “Não sei se é o momento de voltar atrás, mas de pensar nisso não só pela questão da criança em si, mas por tudo que envolve de contatos no momento epidemiológico atual”, completa.
Ao final, a Dra. Fátima Bastos destacou o altíssimo nível da discussão e reafirmou o papel da SMCC em levar informação de qualidade e com credibilidade para os profissionais de saúde e para a população.