Inovação é palavra de ordem no ambiente corporativo. O conceito toma corpo também no setor da saúde, com a busca de novas soluções para a gestão das instituições e para os fluxos de atendimento ao paciente. Todo o processo que envolve as atividades do setor é extremamente complexo. Ao mesmo tempo, é recente o ingresso dessas instituições na chamada “Era Digital”, com a incorporação de mecanismos de análise de dados, Inteligência Artificial e algoritmos, para citar três exemplos, e o uso de recursos da Internet das Coisas (IOT) em hospitais ainda não foi regulamentado. Uma das alavancas está nas startups. O superintendente médico-assistencial do Hospital Dona Helena, Danilo Abreu, afirma que o setor tem muito a aprender com a indústria, onde essas ferramentas já não são novidade, e anuncia a abertura de um escritório de inovação no complexo Ágora Tech Park, em Joinville (SC). Veja a entrevista do gestor.
Como conceituar inovação na saúde, especialmente no contexto atual, em que a importância do setor se torna ainda mais evidente?
É um conceito amplo, e com aplicabilidade ilimitada na saúde. Abrange desde inovação ligada a sistemas tecnológicos, equipamentos, processos, atendimento etc. Antigamente, acreditava-se que inovação estava atrelada a novos equipamentos, tecnologias para tornar o processo mais seguro. Na saúde, as informações têm sido cada vez mais segmentadas – desde inteligência artificial, algoritmos, tecnologia para leitura de dados que gerem informações, até análise preditiva, com dados e algoritmos, para analisar o que pode ocorrer com uma determinada faixa da população.
E como está o Brasil?
Pelas dimensões continentais, o país apresenta dados heterogêneos. Determinadas regiões são vanguarda, e Santa Catarina é uma delas, mas todo o país tem iniciativas que merecem destaque. Santa Catarina reúne vários polos de inovação e locais que se desenvolvem nesse sentido. São espaços que proporcionam o contato com profissionais multidisciplinares, de várias empresas, indústrias; hubs de inovação, que existem para trazer mecanismos de inovação, por exemplo, da indústria, que podem ser aplicados na saúde, e vice-versa.
Qual o papel das startups para a inovação da área da saúde? O fato de o Brasil ter tantas necessidades, nesta área, justifica a proporção de startups com esse foco?
No Brasil, as startups vêm atuando de forma mais contundente a partir de 2010, inicialmente por meio de eventos que reuniam empreendedores com inúmeras ideias, mas sem uma modelagem do produto a ser entregue. Esses eventos, como também as incubadoras, foram trazendo mentores das áreas financeira, tecnológica, jurídica, para estruturar melhor as startups no sentido de transformar a ideia em um produto que pudesse ser lançado no mercado. Muitos idealizadores tinham uma ideia boa, mas não sabiam construí-la, vender a ideia, que problema aquela ideia estaria resolvendo. As startups ajudam a acelerar o universo de inovação. São empresas pequenas, que precisam de orientação para despontar. E são excelentes meios para alavancar a inovação. A saúde, para as startups, representa um nicho porque o setor foi um dos últimos a entrar na era digital, com foco na inovação. Ainda há, no país, hospitais que atendem “no papel”; vários outros até já têm sistema, mas é só uma digitalização do que havia antes. E menos hospitais ainda já conseguem trabalhar dados, fazer que os dados virem informação e utilizar mecanismos atrelados a startups de análise de dados, Big Data, Inteligência Artificial, criação de algoritmos. Esse cenário de Inteligência Artificial, machine learning etc. vem para gerir cada vez melhor essa massa de dados e gerar informação para fundamentar o cenário da saúde. Cabe ressaltar, também, a complexidade da assistência e dos sistemas de saúde.
Equipamentos, tecnologia, processo, qualificação profissional. Qual a participação de cada um desses temas no contexto da inovação? Onde é preciso inovar mais?
Há pessoas à frente dos processos, e precisamos de pessoas inovadoras. O mundo é feito de pessoas, as empresas são feitas de pessoas, os processos são feitos com pessoas. Desenvolver a inovação e promover o senso crítico das pessoas em participar de processos é questão crucial. Sem o devido mindset, a mentalidade voltada para a inovação, dificilmente vai se conseguir inovar. E essa pessoa terá muita dificuldade de se inserir no mercado de trabalho. A chave é inovar em pessoas, mudar o mindset para a inovação, para que a gente consiga trabalhar todas as outras frentes. Para usar um conceito do antropólogo Jamais Cascio, vivemos em um mundo frágil, ansioso, não- linear e incompreensível. Tomar decisões equivocadas pode gerar fragilidades importantes. Tudo é “ansioso” e não-linear – as coisas acontecem simultaneamente, são várias ações casadas, muitas incompreensíveis, e temos que aprender a lidar com isso. Devemos aprender a aprender e aprender a desaprender, com conhecimentos que, de uma hora para outra, tornam-se ultrapassados. Antigamente, experiência era tudo. Hoje, é excelente, no entanto, você tem que saber desaprender a experiência que tem e agregar novas experiências rapidamente. Essa é uma maneira de fazer com que as pessoas inovem.
De que maneira esse esforço das instituições de saúde em certificar seus processos por instituições de acreditação nacional e Internacional conduz a uma visão mais inovadora sobre a organização?
Os processos de certificação são voluntários. Uma instituição que busca certificação, já está se candidatando a adotar boas práticas, as quais têm uma gama de processos e ferramentas inovadoras para dentro da assistência. Como as entidades certificadoras passam por diversos hospitais, no Brasil e no mundo, podem trazer boas práticas, economizando tempo para que você consiga atingir aquele nível de expertise. Quando se chama uma consultoria para ajudar a melhorar seus processos, ela já traz ferramentas e soluções que elevarão seu nível de expertise. É possível trilhar esse caminho sozinho? É, mas certamente vai demorar mais tempo.
Abreviar o caminho é importante para se ter resultados mais consistentes?
Hoje, o grande diferencial competitivo para as empresas, seja de saúde ou não, é uma briga entre a mais rápida e a mais lenta. As empresas mais rápidas, que tomarem as ações mais assertivas, vão se diferenciar no mercado.
Entre os setores econômicos, talvez a indústria seja a que está mais à frente no campo da inovação, com conceitos como Indústria 4.0 e digitalização de processos. O que a saúde pode aprender olhando para dentro da fábrica?
Aprende bastante, principalmente em processos. Um exemplo é o sistema Lean Healthcare, trazido para área de saúde algum tempo atrás, junto com os Seis Sigma. Ferramentas amplamente utilizadas na indústria, e que na saúde ainda são vistas como inovação. A indústria pode contribuir com processos e ferramentas que auxiliem a área da saúde. Já trabalham fortemente com esses padrões, como Internet das Coisas (IOT, do inglês), que ainda está em fase inicial no campo da saúde. Exemplo: em um avião, o controle da temperatura de geladeira é feito por um dashboard, enquanto na área de saúde tem um termômetro na porta da geladeira e a pessoa mede a temperatura para registrar em uma planilha, e já se pode monitorar isso tudo em tempo real, com alarmes de acordo com o controle de temperatura que se quer obter. Também da aviação, muitos processos de segurança da aviação, via check-list pré-voo, foram trazidos para a saúde. Essa troca – vivenciar um pouco da realidade de outros setores, com profissionais como analistas de qualidade e engenheiros de produção – faz com que agregue conhecimento se adapte de forma mais rápida.
No Hospital Dona Helena, como o conceito da inovação é trabalhado?
A gente inova quase todo dia em processos. Em breve, vamos lançar um escritório no complexo Ágora Tech Park, um polo de inovação de Joinville. Trata-se de um setor com profissionais dedicados, que será montado fora do hospital, justamente pensando nesse conceito de estar inserido em outros mercados. Ali tem gente da saúde, do direito, de tecnologia propriamente dita, da indústria, para estarmos inseridos nesse cenário e prospectar soluções que funcionem dentro do hospital ou desenvolver soluções junto com esses outros setores.
De que maneira a pandemia afetou o esforço das organizações de saúde em inovar? Precipitou, de alguma forma, a busca de novas soluções?
A pandemia veio precipitar os processos de inovação, não apenas por parte do prestador, mas principalmente pelos órgãos reguladores, deixando mais explícito que o cliente é que define o que quer – regulamentações e instituições precisam acompanhar a velocidade do que o cliente necessita. Há regulamentações liberadas em caráter emergencial, das quais dificilmente vamos retroceder. A pandemia acentuou o uso de plataformas digitais de treinamento e atendimento. Tivemos que aprender a treinar as pessoas de forma não presencial. Já tínhamos plataformas internas para uso de vídeos, por exemplo, e isso se ampliou na pandemia, para dar maior celeridade. Em relação ao cliente, trabalhamos muito para potencializar a questão de agendamento on-line, formas de interação com o cliente via chatbot no WhatsApp. Sempre utilizamos muito o atendimento telefônico. Vimos a necessidade de manter esse contato, mas de ampliar o uso de plataformas digitais para esse fim. O cliente adulto jovem tem muita necessidade desses canais – de menos interação humana e mais interação digital.