Há 30 anos, o Brasil tinha 500 mil pessoas com demência, a maioria com doença de Alzheimer. Hoje, já são um milhão, e segundo estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pela Universidade de Queensland, da Austrália, devem chegar a quatro milhões daqui a 30 anos. Daí a importância de um Dia Mundial de Conscientização da doença de Alzheimer, definido como 17 de setembro. O conhecimento, o fomento à pesquisa em busca da cura, são os grandes desafios não só da medicina, mas também das políticas públicas, uma vez que a expectativa é de um contingente de idosos cada vez maior demandando tratamento.
Se ainda não há cura, já existem estudos nos principais centros de pesquisa do Brasil e do mundo sobre evidências que produtos desenvolvidos a partir de fitocanabinoides que trazem qualidade de vida, amenizando principais sintomas, como agitação, agressividade, insônia e depressão, trazendo alívio não só aos pacientes, mas consequentemente, também para suas famílias e cuidadores.
É o caso do senhor Argemiro Ferreira, 84 anos. Jornalista com uma trajetória reconhecida nacional e internacionalmente, autor de vários livros, com passagens em veículos de renome, como Globo News e BBC de Londres. Em 2010, Ferreira sofreu um AVC, que evoluiu para Alzheimer, diagnosticado há cinco anos. “Ele foi perdendo a memória aos poucos, atualmente não lembra mais nada, eu sou o único elo com realidade que ele tem”, conta Terezinha Ferreira, sua esposa, de 83 anos. Foi em contato com a Apepi, Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal, que ela conheceu o canabidiol e iniciou um novo tratamento com o marido, mas por conta da burocracia, acabou desistindo.
Em meados de 2021, com a mudança de neurologista, Ferreira começou a se tratar com produto à base de fitocanabinoides desenvolvido pela Heath Meds. Com apoio jurídico, Dona Terezinha também conseguiu melhor acesso para aquisição. “Melhorou muito com essa prescrição. Senti de imediato um maior controle da agressividade e da depressão. Ele tinha fases em chorava compulsivamente como uma criança. Atualmente, ele praticamente não fala, mas está mais calmo, gosta de assistir desenhos infantis na TV”, relata a esposa.
Segundo Gabriel Micheli, neurologista e gerente médico científico da Health Meds, apesar de não ser tão difundido no Brasil na classe médica, vem aumentando consistentemente a prescrição desde 2019. “Como médico, atendo pacientes com diversas doenças neurodegenerativas, mas Alzheimer infelizmente, é muito prevalente. Quando nós da Health Meds trabalhamos com o desenvolvimento de produtos à base de cannabis, temos nossos pacientes em mente”, comenta Micheli.
Ele destaca que a farmacêutica também tem realizados estudos em território brasileiro sobre a eficácia dos fitocanabinoides, avaliando justamente a resposta de pacientes com transtornos comportamentais e neuropsiquiátricos na doença de Alzheimer, “com resultados muito positivos”.
Segundo o neurologista, esses produtos ajudam qualitativamente em sintomas geralmente relacionados a agressividade, com o fenômeno do Sol poente, momento em que os pacientes com Alzheimer ficam mais agitados no final da tarde. Distúrbios do sono, pacientes que passeiam pela casa durante a madrugada com múltiplas idas ao banheiro. Micheli explica que os produtos à base de cannabis não vão tratar propriamente a doença de Alzheimer no sentido neuropatológico, que modifique a evolução da doença, mas faz um tratamento sintomático.
“Nosso diferencial são nossas formulações que oferecem opções na hora da prescrição. Por exemplo, um produto sem THC, a depender do diagnóstico, fornece uma segurança para o médico que pretende iniciar um tratamento de um paciente com um transtorno neuropsiquiátrico. Também destaco o canabigerol, com potencial de tratamento principalmente de sintomas impulsivos ansiedade de pacientes demenciados. Isso possibilita personalizar os tratamentos”.
Entenda os Canabinoides
Os canabinoides possuem mais de 480 substâncias químicas, sendo que 150 destes compostos, denominados fitocanabinoides, são os mais estudados, como o THC (Tetrahidrocanabinol), o CBD (Canabidiol) e o CBG (Canabigerol). Eles são capazes de ativar receptores canabinoides (CB1 e CB2) em diversos tecidos dos nervos periféricos, Sistema Nervoso Central (SNC) e sistema imunológico. Esse funcionamento complexo é responsável por uma série de funções fisiológicas, incluindo a memória, o humor, o controle motor, o comportamento alimentar, o sono, a imunidade e a dor.
Com base em estudos variados em fase II, fase III ou observacionais, as principais indicações para o uso de produtos de cannabis são ansiedade, demência com agitação, distúrbios do sono secundários a doença neurológica, doença de Parkinson (sintomas não-motores), dor crônica, epilepsia farmacorresistente, esclerose múltipla (sintomas urinários, dores, espasticidade), esquizofrenia, síndrome de estresse pós-traumático e Síndrome de Tourette.