Antes da pandemia, pacientes com câncer de mama ER+ HER2- apenas se submetiam à terapia hormonal após a cirurgia de remoção dos tumores. Durante a crise sanitária, esse processo se inverteu. Por causa da suspensão de boa parte das cirurgias, a hormonioterapia foi usada para estabilizar ou reduzir tumores, enquanto as pacientes aguardavam a liberação desses procedimentos. A experiência foi tão bem-sucedida que continua sendo utilizada no pós-pandemia. Essa abordagem terapêutica, os novos medicamentos para câncer de mama metastático, redução de sessões de radioterapia e os cuidados com a sexualidade feminina estão entre os temas do VIII Simpósio Internacional de Câncer de Mama, promovido pela Rede D’Or, nos dias 28 e 29, no Hotel Grand Hyatt, em São Paulo.
O câncer de mama é o que mais acomete mulheres em todo o mundo. No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (INCA)1 estima que, em 2021, foram diagnosticados mais de 66.280 casos. O Simpósio da Rede D’Or vai debater as tendências, casos clínicos, novas terapias e os desafios no tratamento de mulheres jovens e idosas. Em formato híbrido, o encontro reunirá mais de 20 palestrantes do Brasil e do Exterior, contando com a participação de radiologistas, mastologistas, patologistas, radio-oncologistas, oncologistas clínicos, onco-geneticistas.
Hormonioterapia
A tendência do uso pré-cirúrgico da terapia hormonal no tratamento de câncer de mama já havia sido detectada no início da pandemia por pesquisadores ingleses em um estudo2 publicado em junho de 2020 na revista científica NPJ Breast Cancer. Este tratamento é indicado para os cânceres de mama ER+ e HER2-, que crescem a partir do estímulo de hormônios femininos, como o estrógeno. Eles representam cerca de 70% de todos os tipos de câncer de mama. “Antes da pandemia, a gente só recomendava esta terapia no estágio pré-cirúrgico para mulheres com idade avançada ou saúde debilitada”, afirma o oncologiasta José Bines da Rede D’Or.
Durante a crise sanitária, os médicos passaram a prescrever a hormonioterapia a pacientes com quadros menos graves de câncer de mama ER + HER2-. O tratamento consiste em um comprimido, administrado uma vez por dia entre quatro a seis meses antes da cirurgia. O sucesso levou a terapia ser usada no pós-pandemia. “Ela é uma alternativa para que casos de remoção total de mama se transformem em remoção parcial”, esclarece o médico. O tratamento está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).
Radioterapia mais curta
A Covid-19 também teve impacto sobre a duração do tratamento com radioterapia para certos tipos de tumores. Com medo de contrair o Sars-Cov2, muitas pacientes abandonaram os centros de radioterapia durante a crise sanitária. Em maio de 2020, pesquisadores ingleses publicaram um estudo3 na revista The Lancet, valorizando o tratamento hipofracionado – com cinco aplicações diárias mais fortes – para pacientes com tumores pequenos e iniciais.
Vale lembrar que, durante muitos anos, o tratamento consistia em 30 frações diárias de radioterapia. Nesta época, o tratamento era mais tóxico. Provocava queimaduras de pele nas pacientes, além de cansaço extremo e danos cardíacos e pulmonares a médio e longo prazo. Hoje, esses efeitos foram totalmente minimizados.
“Há 12 anos, foi publicado um trabalho preconizando 20 aplicações, das quais 15 em toda a mama e cinco no local onde foi retirado o tumor”, ensina a radioncologista Lilian Faroni da Rede D’Or. O estudo publicado há dois anos encurtou ainda mais o tratamento para mulheres com câncer de mama inicial, melhorando a qualidade de vida das pacientes e otimizando os recursos para a saúde pública.
Câncer de mama avançado
Este ano, dois medicamentos estão inovando e ampliando o arsenal terapêutico contra o câncer de mama metastático: o trastuzumabe deruxtecano e o sacituzumabe govitecan. No final de 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o trastuzumabe deruxtecano para o tratamento de pacientes com câncer de mama Her2+ irressecável ou metastático. “É uma droga mais potente, que prolonga o controle das metástases, adia a progressão da doença e aumenta a sobrevida da paciente”, declara o oncologista Gilberto Luiz da Silva Amorim da Rede D’Or.
Até o final do ano, a Anvisa deve ampliar a indicação deste medicamento para um grupo de pacientes que até o momento carecia de uma terapia específica. São as mulheres com câncer de mama Her2-low (com níveis baixos da proteína Her2). Na opinião do médico Gilberto Luiz da Silva Amorim, o trastuzumabe deruxtecano significa uma mudança de paradigma, porque antes dele só havia medicamentos voltados para pacientes com uma forte positividade de Her2.
O medicamento sacituzumab govitecan representa outro avanço no tratamento do câncer metastático. O produto, que deve entrar no mercado no início de 2023, é indicado para o tratamento de câncer de mama triplo negativo, que não tem receptores de hormônio nem a proteína Her2. As pacientes têm progressão rápida da doença e sobrevida curta. Um estudo divulgado no Congresso Europeu de Oncologia mostrou que o sacituzumab govitecan dobrou a sobrevida das pacientes com metástases resistentes, das quais 25% ficaram livres da progressão da doença após dois anos.
Sexualidade e maternidade
Cada vez mais, o câncer de mama está ocorrendo em mulheres jovens. A Sociedade Brasileira de Mastologia3 alerta que a incidência deste tipo de câncer subiu para 5% em mulheres até 35 anos, muito acima dos 2% registrados há dois anos. Este fator, aliado à tendência da maternidade tardia, tem levado os oncologistas a receberem mulheres na faixa dos 30 anos, que precisam tratar o câncer de mama sem comprometer sua chance de engravidar. “Temos de enxergar as necessidades dessas pacientes de uma forma completa”, ressalta a oncologista Monica Schaum da Rede D’Or.
Embora o objetivo principal do tratamento seja curativo, as pacientes precisam ter ciência dos os efeitos adversos dos medicamentos – queda de cabelo, secura vaginal e risco de menopausa precoce. Na opinião da médica Monica Schaum , as pacientes devem ser informadas sobre os riscos de infertilidade e das opções existentes como a preservação de óvulos e/ou embriões.
Para ela, o tratamento oncológico hoje não é uma atribuição exclusiva do médico, mas envolve a expertise de outros profissionais como nutricionistas, psicólogos e fisioterapeutas. “Existe a preocupação de observarmos todas as necessidades das pacientes. É preciso oferecer apoio psicológico, acompanhamento nutricional com o objetivo de evitar sobrepeso – que é um fator de risco para recorrência da doença –, manejar melhor eventuais efeitos colaterais das terapias e fornecer orientação para a fisioterapia a fim de evitar linfedema”, conclui a médica.
Referências:
- Instituto Nacional do Câncer (INCA). Disponível em www.inca.gov.br/campanhas/outubro-ro-sa/2022/eu-cuido-da-minha-saude-todos-os-dias-e-voce#:~:text=As%20taxas%20de%20incid%C3%AAncia%20variam,a%20cada%20100%20mil%20mulheres.
- Mitch Dowsett et al. Evidence-based guidelines for managing patients with primary ER+ HER2− breast cancer deferred from surgery due to the COVID-19 pandemic.npj Breast Cancer (2020) 6:21.
- Munt, Adrian. Hypofractionated breast radiotherapy for 1 week versus 3 weeks (FAST-Forward): 5-year efficacy and late normal tissue effects results from a multicentre, non-inferiority, randomised, phase 3 trial. Lancet. 23 de maio de 2020;395. Disponível em pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32580883
- Sociedade Brasileira de Mastologia. Disponível em sbmastologia.com.br/incidencia-de-mulheres-com-cancer-de-mama-com-menos-de-35-anos-esta-entre-4-e-5-dos-casos