O surgimento de doenças sempre coloca em alerta cientistas no mundo todo para descobrir um tratamento ou cura. Não é diferente com a pandemia da Covid-19, que já infectou mais de 1 milhão de pessoas em todos os continentes e matou, até o momento, mais de 65 mil. Porém, a descoberta de vacinas e medicamentos eficazes para o tratamento e futuro combate à doença pode levar mais de um ano e meio, para somente depois poder ser liberada para todos. O motivo é simples: é necessário e importante esperar um tempo para que seja descoberta e testada a real eficácia e os possíveis efeitos colaterais.
“Atualmente possuímos inúmeras pesquisas em andamento. As mais avançadas indicam que alguns antimicrobianos já utilizados em outras patologias podem apresentar ação positiva no tratamento do Covid-19”, explica o professor André Luiz de Moura, coordenador do curso de Farmácia do Centro Universitário São Camilo São Paulo, sobre os estudos com cloroquina e a hidroxicloroquina (utilizados no tratamento para doenças reumáticas e de pessoas com malária), com a Interferon-Alfa (usado pra tratar casos de hepatite), lopinavir-ritonavir (empregados para retrovírus como o HIV), Ribavirina e Arbidol (empregados para infecções virais), e a associação de hidroxicloroquina e azitromicina.
Um dos mais famosos até o momento, a cloroquina era facilmente encontrada em farmácias. Mas a procura desenfreada pelo medicamento fez com que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o colocasse na lista de medicamentos controlados, e que só pode ser adquirido em drogarias e farmácias de manipulação com a prescrição em duas vias de um receituário médico.
“Devemos lembrar que estes medicamentos fazem parte de um grupo de substâncias denominadas de quimioterápicos e que podem promover inúmeros efeitos adversos. A cloroquina, por exemplo, pode desencadear anemia, urticária, broncoespasmo, anorexia, psicose, comportamento suicida e muitos outros”, continua o professor, que salienta sobre o risco da automedicação e alerta para o fato dos estudos ainda não serem conclusivos para o tratamento ou prevenção da Covid-19.
“É importante termos cautela e respeitarmos os tempos de cada fase de estudo. Já tivemos no passado inúmeros exemplos de situações onde os prazos não foram respeitados e surgiram complicações significativas após a liberação do medicamento”, comenta André, que relembrou sobre o famoso caso do medicamento talidomida, responsável pela má-formação de milhares de crianças após sua introdução na década de 1950.
“O mundo todo está se unindo em uma força tarefa gigantesca para concluírem o mais rápido possível as análises”, finaliza o especialista.
Pesquisa nacional para tratamento da Covid-19
A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (RS), por meio de sua Unidade de Ensino e Pesquisa, se uniu aos hospitais Sírio-Libanês, Albert Einstein, HCor, Moinhos de Vento e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet) para coordenar estudos sobre o tratamento de pacientes hospitalizados com a Covid-19.
Denominado Coalização Covid Brasil, o projeto visa avaliar a eficácia, segurança e impacto na qualidade de vida de três possíveis tratamentos a pessoas infectadas pelo coronavírus. Contando com o apoio do Ministério da Saúde e da indústria farmacêutica EMS, o estudo acompanhará mais de 1,3 mil pacientes na internação hospitalar e por um ano após a alta hospitalar.
Para o Diretor Médico, de Ensino e Pesquisa da Instituição, Dr Antônio Kalil, “o fato da Santa Casa ser um hospital que atende mais de 70% de seus pacientes pelo SUS na região Sul do Brasil, representa, potencialmente, um importante diferencial para a pesquisa, que poderá fazer testagens num universo clínico razoavelmente distinto dos outros hospitais integrantes dos estudos”.
Os tratamentos em estudo
Serão três pesquisas. O chamado “Coalizão I” avaliará se o tratamento com hidroxicloroquina é eficaz para melhorar o quadro respiratório de pacientes com menor gravidade internados por infecção com o coronavírus. Também será observado se a adição de azitromicina pode potencializar o efeito do remédio e se traz benefício adicional. Serão acompanhadas 630 pessoas.
O “Coalizão II” envolverá casos mais graves, que necessitam de mais suporte respiratório. As pessoas receberão hidroxicloroquina e o antibiótico azitromicina. O objetivo será verificar possível efeito benéfico adicional, com potencial de atenuar problemas respiratórios causados pelo vírus. Em torno de 440 pacientes participarão desta etapa.
Por fim, o “Coalizão III” analisará a efetividade do anti-inflamatório dexametasona para pessoas com insuficiência respiratória grave, que necessitam de suporte de ventilação mecânica para respirar. Nesta pesquisa, serão incluídos 284 casos.
Artigo – As lições da análise de dados para o combate ao novo Coronavírus
O crescimento vertiginoso dos casos de infecção pelo novo coronavírus representa um grande desafio para governos e órgãos públicos do mundo inteiro. Em meio a uma explosão de informações vindas de todos os lados, é hora de ater-se aos números e aos dados. Em um momento turbulento como esse, eles devem ser a base de qualquer tomada de decisão.
A análise de dados ensina, em primeiro lugar, a importância da transparência. Por exemplo, para um país chegar a números sólidos sobre a Covid-19 no seu território, é preciso contar com a cooperação de todos os órgãos de saúde, tanto públicos quanto privados.
A qualidade dos dados também deve ser levada em conta. O número de fatalidades, por exemplo, é um numerador, ou seja, um valor praticamente idêntico à realidade, já que todo óbito é devidamente registrado nos hospitais. Já o número de infectados é um denominador, ou seja, um número aproximado da realidade. Afinal, muitas pessoas podem estar infectadas com o coronavírus e, por não apresentarem os sintomas, não realizaram o teste e não foram contabilizadas na estatística.
Dados incompletos podem prejudicar ações de saúde, além de mexer negativamente com o clima da sociedade – seja criando um pânico excessivo, seja criando a impressão de que tudo está bem quando não está. A desinformação causada por dados mal colocados ou mal apurados pode ter graves consequências.
No caso do novo Coronavírus, um exemplo claro disso é o mistério em torno dos efeitos da cloroquina no tratamento dos doentes. Um estudo promovido por um médico francês afirma que o remédio tem eficácia no combate à Covid-19. Outros cientistas ressaltam os efeitos colaterais do medicamento e contestam as pesquisas a favor do seu uso. No fim das contas, em meio a essa falha na apresentação de dados sólidos, muitos brasileiros foram às farmácias em busca da cloroquina e acabaram com os estoques do medicamento, prejudicando quem faz o seu uso regular, como pacientes que sofrem de lúpus.
Afinal, qual o percentual de pessoas acometidas pela Covid-19 que foram curadas ou tiveram os sintomas reduzidos graças à cloroquina? Que fatores contribuíram para isso? Perguntas que apenas uma profunda coleta e análise de dados poderia responder, e a partir daí gerar conclusões sobre o uso do medicamento.
Tenho acompanhado algumas iniciativas bem interessantes neste período. Uma delas é do Kaggle, uma comunidade de profissionais da ciência de dados e machine learning que está promovendo alguns desafios para ajudar a comunidade global e os governos a tomarem decisões mais assertivas. Um desses desafios é fazer uma curadoria de cerca de 45 mil artigos científicos para encontrar expressões, palavras e dados em comum para responder a algumas perguntas-chave sobre o novo coronavírus. Esse tipo de pesquisa está um passo à frente daquilo que as organizações e órgãos de saúde têm feito pelo mundo e pode trazer insights relevantes.
Enquanto isso, em meio a um ambiente com dados ambíguos e pouco precisos, o que está ao nosso alcance é tomar ações baseadas na análise do custo dos falsos positivos e falsos negativos. No primeiro caso, trata-se de uma pessoa que não tem o vírus, mas foi incorretamente classificada como infectada, e que, portanto, receberia medicação e ficaria em quarentena. O custo desse erro seria relativamente baixo, já que a vida da pessoa não está em risco. Já o falso negativo permitiria a uma pessoa infectada andar em locais públicos e espalhar o vírus, gerando um custo muito alto para toda a sociedade.
Foi assim que a Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou à conclusão de que o isolamento social do maior número de pessoas possível é a arma mais eficaz para evitar ou retardar a expansão do novo coronavírus. Uma medida emergencial, mas efetiva enquanto outros dados não trazem mais luz ao debate.
A humanidade está diante de um grande desafio, no qual preservar vidas é o objetivo principal. Nesse contexto, mais do que nunca, os dados são nossos aliados. Basta saber o que fazer com eles para tomar as melhores decisões.
Fábio Meneghim é gerente de vendas da Hitachi Vantara
Remédio para HIV é promissor contra Covid-19, diz Fiocruz
Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) descobriram que o atazanavir, medicamento usado no tratamento de pacientes com HIV/aids, tem um efeito promissor, também, para tratar pacientes com Covid-19, doença respiratória causada pelo novo coronavírus, o Sars-Cov-2. O estudo feito em laboratório revela que o atazanavir é eficaz na inibição da replicação viral do Sars-Cov-2.
Além disso, o medicamento “reduziu a produção de proteínas que estão ligadas ao processo inflamatório nos pulmões e, portanto, impediu a piora do quadro clínico gerado pela doença”, afirmou a Fiocruz em comunicado. Também foi analisada a eficácia do uso combinado de atazanavir e ritonavir, outro medicamento usado no combate ao HIV. Os resultados dos testes apenas com o atazanavir e em associação com o ritonavir foram melhores do que os observados com a cloroquina, medicamento amplamente defendido pelo presidente Jair Bolsonaro para o tratamento de pacientes com Covid-19, apesar de a eficácia para a doença ainda não ser cientificamente comprovada.
O estudo preliminar (preprint, artigo que ainda não foram revisados por outros pesquisadores) foi publicado na segunda-feira (6) na plataforma internacional de pesquisa científica BiorXiv. A Fiocruz explica que esta forma de publicação vem sendo usada por pesquisadores que estudam o uso de medicamentos já existentes no combate à atual emergência sanitária global. “A análise de medicamentos já aprovados para outros usos é a estratégia mais rápida que a ciência pode oferecer para ajudar a combater a Covid-19, juntamente com a adoção de protocolos de distanciamento social em andamento”, disse o especialista Thiago Moreno Souza, pesquisador da Fiocruz e coordenador do projeto, citado no comunicado da entidade.
Souza explica que o projeto optou por analisar o atazanavir porque estudos anteriores já haviam identificado que um dos alvos a serem atacados no Sars-Cov-2 é a chamado Mpro, enzima que permite que as proteínas do vírus sejam produzidas corretamente, e a existência de evidências científicas de que o atazanavir tem efeitos sobre a Mpro, além de indicações de que o medicamento pode ser eficaz no tratamento de problemas respiratórios.
Os testes foram feitos in vitro, em células infectadas pelo Coronavírus. Ainda é preciso fazer ensaios clínicos, em pessoas, para comprovar na prática os efeitos positivos. Ao jornal O Globo, Souza explicou que, se comprovado por mais estudos, o tratamento com o atazanavir seria para pacientes que desenvolveram pneumonia em decorrência do Coronavírus, mas não estão na fase mais grave da Covid-19, pois impediria justamente que esse processo começasse. “Não se trata de uma opção de profilaxia, mas de uma potencial possibilidade de tratamento”, disse o pesquisador ao jornal.
O estudo é liderado por pesquisadores do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia em Saúde Fiocruz, com a participação de cientistas do Instituto Oswaldo Cruz, Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Instituto D’or de Pesquisa e Ensino e Universidade Iguaçu.
NOTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ARRITMIAS CARDÍACAS – SOBRAC
Alterações cardíacas secundárias ao uso de Cloroquina
A Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (SOBRAC) informa que a cloroquina é um importante medicamento antimalárico utilizado especialmente para o tratamento de doenças reumatológicas e tem sido divulgada como tratamento promissor do Covid-19.
Embora bastante seguro em doses habituais, há risco de efeitos colaterais graves relacionados à retina, alterações neurológicas e arritmias cardíacas potencialmente graves, que pode aumentar o risco de morte. A associação de cloroquina com outros medicamentos pode aumentar ainda mais o risco de efeitos adversos.
Por isso, o uso de cloroquina deve ser feito apenas com a prescrição médica e o médico prescritor deve fornecer orientações acerca do seu uso seguro e rotinas de acompanhamento.
PACIENTES COM ARRITMIAS CARDÍACAS POSSUEM MAIOR RISCO DE INFECÇÃO GRAVE PELO NOVO CORONAVIRUS?
A infecção pelo novo Coronavírus (2019-nCoV) será de evolução benigna para a maioria das pessoas, não passando de um resfriado comum, entretanto alguns indivíduos, que incluem os chamados grupos vulneráveis podem apresentar uma evolução pior, com insuficiência respiratória grave, necessidade de internação em UTI e até a morte. São consideradas grupos de maior risco os idosos acima de 65 anos e principalmente os acima de 85 anos, pacientes com diabetes mellitus, hipertensos, pacientes com insuficiência renal ou respiratória crônica, imunodeprimidos, pacientes com câncer e pacientes com doenças cardíacas graves.
Nos Estados Unidos, 31-59% dos idosos acima de 65 anos necessitaram de hospitalização e 4-11% faleceram, já nos acima de 85 anos, 31-70% necessitaram de hospitalização e 10-27% faleceram. Frequentemente essas pessoas apresentam além da idade um, dois e até três desses fatores de risco, sendo incluídas as doenças cardíacas.
A hipertensão arterial sistêmica é a doença cardíaca mais associada a um risco de evolução desfavorável, isso ocorre pelos efeitos no coração e rins causados pela hipertensão e também pode estar associado ao uso de algumas medicações para tratar a hipertensão, porém por enquanto não existe recomendação que essas medicações devam interrompidas.
As arritmias cardíacas são doenças no coração que apresentam um espectro bastante amplo, podem acometer pacientes jovens sem nenhuma outra doença cardíaca, apenas com a alteração elétrica, porém podem também acometer pacientes com múltiplas comorbidades, como a hipertensão arterial que aumenta o risco de aparecimento de fibrilação atrial, ou pacientes com infarto agudo do miocárdio, doença de Chagas ou outras doenças cardíacas estruturais, que estão associadas às taquicardias ventriculares.
Esses pacientes com arritmias cardíacas ou portadores de marcapasso que apresentem hipertensão ou doenças cardíacas estruturais podem apresentar risco aumentado de necessidade de UTI ou morte pela infecção pelo novo Coronavírus.
Já os pacientes que apresentem doenças exclusivamente elétricas do coração, como os pacientes com Síndrome de Wolf-Parkinson-White, taquicardias paroxísticas supra-ventriculares, extrassístoles ventriculares, portadores de marcapasso ou fibrilação atrial sem cardiopatia não apresentam risco maior para infecção de maior risco pelo Coronavírus. Da mesma forma pacientes que foram submetidos a ablação também não apresentam.
Sempre que tiver dúvidas do tipo de arritmia cardíaca ou das condições associadas, consulte o seu cardiologista ou arritmologista, ele conseguirá determinar qual desses tipos de arritmia o indivíduo é portador. Já as pessoas que apresentam palpitações, sensação de irregularidades do ritmo cardíaco, desmaios ou cansaço aos esforços deve procurar um médico para realizar a investigação completa para definir a sua real condição cardíaca e avaliar se tem um risco aumentado ou não.