Acaba de ser publicado no Jornal da Academia Americana de Dermatologia (Journal of the American Academy of Dermatology) o primeiro estudo de investigação na área de Cirurgia Micrográfica de Mohs que teve como principal autor/investigador um brasileiro.
O estudo intitulado “Margens cirúrgicas necessárias para erradicação de carcinomas basocelulares tratados com cirurgia micrográfica de Mohs, baseado nas características do tumor” em inglês – “Surgical margins required for basal cell carcinomas treated with Mohs micrographic surgery according to tumor features” – foi desenvolvido pelo dermatologista e especialista em cirurgia de Mohs, o paranaense Felipe Cerci.
O carcinoma basocelular (CBC) é o tipo mais comum entre os cânceres de pele e afeta aproximadamente um milhão de pessoas/ano nos Estados Unidos. Apesar de raramente causar metástase, localmente pode ser destrutivo.
No estudo, com o uso da técnica da cirurgia micrográfica de Mohs, os autores mediram a margem necessária para erradicar os CBCs de acordo com suas características clínicas e microscópicas. Outros objetivos foram sugerir margens de segurança para a retirada do CBC via cirurgia convencional, e indicar margens iniciais para a cirurgia micrográfica de Mohs. Essas recomendações são distintas porque na cirurgia de Mohs o exame para determinar se o câncer de pele foi completamente retirado é realizado no mesmo momento da cirurgia, enquanto na cirurgia convencional, é efetivado dias depois. Além disso, na cirurgia de Mohs são avaliadas 100% das margens periféricas, ao passo que na cirurgia convencional cerca de 1% apenas (trata-se de análise por amostragem). Por essa razão, faz-se necessário retirar uma margem maior na técnica convencional, conhecida como margem de segurança.
A cirurgia de Mohs é o tratamento de escolha para CBCs localizados em áreas nobres da face como nariz, pálpebras, lábios, orelhas, entre outras, já que a técnica possui a mais alta taxa de cura para o tratamento dos carcinomas basocelulares. Além disso, retira apenas o tecido acometido pela doença, o que preserva pele sadia e propicia cicatrizes menos evidentes.
Entretanto, a técnica ainda não está amplamente disponível, sobretudo porque exercida por um pequeno número de profissionais no Brasil, razão pela qual se realiza, na maioria das vezes, a cirurgia convencional. Nesta, as margens de segurança para a retirada do CBC são baseadas em um clássico estudo americano publicado em 1987, com recomendação de pelo menos 4 mm de margem. Entretanto, naquela ocasião, a casuística do estudo analisou apenas sete tumores menores que 6 mm, o que, evidentemente, não permitiu uma análise precisa desse grupo de tumores.
O estudo de Cerci constatou que é possível reduzir de 4 para 3 mm a margem para a retirada de CBCs nodulares menores que 6 mm em cirurgias convencionais. Entretanto, para os CBCs com outras características como infiltrativo, tamanho maior que 6 mm, entre outras, as recomendações se mantiveram.
Metodologia
Foram analisados, entre agosto de 2017 e novembro de 2019, 295 CBCs primários, isto é, que não haviam sido tratados previamente. As variáveis analisadas incluíram idade do paciente, sexo, imunossupressão, tamanho do tumor, localização, subtipo histológico, bordos do tumor (bem e mal delimitados), número de estágios (quantidade de vezes que fragmentos de pele são retirados) e milímetros de margem excisados por estágio.
Um subgrupo específico do estudo, o de CBCs nodulares menores do que 6 milímetros, foi removido com margens de até 3 mm. Porém, os subtipos superficial, micronodular, infiltrativo e morfológico foram associados a margens cirúrgicas maiores.
“Um dos achados deste estudo foi a margem de 3 milímetros (em vez de 4) para a remoção de CBCs nodulares, quando a cirurgia de Mohs não estiver disponível, o que propicia conservação de pele no rosto do paciente. Embora uma diferença de margem lateral de 1 mm não pareça clinicamente significativa, cada milímetro influencia visivelmente o tamanho da ferida. Por exemplo, uma margem adicional de 1 mm (4 em vez de 3) para um CBC de 4 x 4 mm aumenta a área do defeito em 44% (raio 5 versus 6 mm).
Na prática, esse aumento nas feridas cirúrgicas do nariz ou das pálpebras pode implicar na necessidade de reconstruções mais complexas. Esse dado, aliás, corrobora estudos anteriores sobre a capacidade de a cirurgia de Mohs preservar pele sadia, pois nem sempre é preciso chegar à margem de 3 mm. No estudo de Cerci, 69% dos CBCs foram completamente removidos com margens de até 2 mm, o que reforça a recomendação de que se a cirurgia de Mohs estiver disponível, é indicada em áreas esteticamente sensíveis devido a propriedades poupadoras e, principalmente, à alta taxa de cura”, explica Felipe Cerci.
Trajetória
O dermatologista Felipe Cerci, natural de Curitiba, com apenas 35 anos de idade possui 33 publicações científicas. Já apresentou trabalhos na área de cirurgia de Mohs em congressos nos Estados Unidos e na Alemanha. Além disso, ganhou concursos que lhe concederam bolsas de estudo para 7 congressos internacionais na área de dermatologia, incluindo Congresso Europeu de Dermatologia e Congresso Mundial de Dermatologia, além de bolsas de estudo para aperfeiçoamento.
A mais recente delas (outubro-novembro 2019), concedida pela American Society for Dermatologic Surgery, lhe possibilitou estudar em dois centros importantes de cirurgia de Mohs nos EUA: Massachusetts General Hospital, principal hospital filiado à Universidade de Harvard, e Cleveland University Hospitals. Cerci foi o primeiro Sul-Americano a conquistar o prêmio – que disponibiliza anualmente apenas uma vaga – conhecido como International Preceptorship Program.
No Brasil, seus trabalhos científicos foram premiados em todas as edições do congresso Brasileiro de cirurgia dermatológica desde que retornou dos Estados Unidos, em 2014. Lá, durante 2 anos (2012-2014), especializou-se e participou de cursos de aperfeiçoamento na área de cirurgia de Mohs em centros de referência norte-americanos.
Cirurgia micrográfica de Mohs
A cirurgia micrográfica de Mohs é considerada o método mais confiável para o manejo de determinados tumores malignos de pele, pois permite analisar 100% das margens periféricas (lateral e profunda). Trata-se de procedimento cirúrgico, realizado em etapas, em que as margens são meticulosamente mapeadas até a completa retirada do tumor.
As etapas são definidas em: avaliação e marcação da lesão, exérese, preparação e mapeamento da peça cirúrgica, processamento e, por fim, análise microscópica das margens cirúrgicas. Após a retirada completa do tumor, realiza-se o fechamento da ferida cirúrgica.
A avaliação histológica de todas as margens cirúrgicas leva a maiores taxas de cura e maior conservação tecidual, conferindo ao procedimento segurança e confiabilidade.