O impacto social da diálise na vida dos mais de 140 mil doentes renais crônicos e de seus familiares, foi debatido no webinar do “Dia D” da Diálise, data que marca a luta por reivindicações e melhorias para a nefrologia, celebrado na quinta-feira (27). A Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT), idealizadora da ação, reuniu grandes especialistas da nefrologia, que defenderam a sustentabilidade econômica do setor e a importância de proporcionar infraestrutura adequada para a prestação de serviços aos pacientes renais. Durante o webinar, foi anunciada a aprovação do PL 3058/2020, que altera a Lei Nº 13.992 e determina que o pagamento do FAEC seja feito pela produção [e não pela média dos valores represados de março a junho] em 10 dias úteis. E prorroga até 30 de setembro a suspensão da obrigatoriedade da manutenção de metas quantitativas e qualitativas contratualizadas. A matéria segue para sanção presidencial.
Marcos Alexandre Vieira, presidente da ABCDT, moderou o debate e destacou que a diálise não faz distinção de classe social, raça ou religião. Segundo ele, a campanha do ‘Dia D’ em 2020, que chega a sua 3ª edição, buscou chamar a atenção da sociedade e dos governantes para a importância desse tratamento vital. Mesmo com as dificuldades financeiras que as clínicas de diálise enfrentam, elas atendem a milhares de pacientes, oferecendo qualidade de tratamento para todos, com respeito e carinho. “Na diálise, todos são iguais e vidas importam sempre! Lutamos por qualidade e oportunidade de tratamento para os pacientes. Que todos tenham direito a um tratamento digno, de qualidade e próximo de casa”.
Em primeira mão, a deputada federal Carmen Zanotto, comunicou a aprovação do PL 3058, que prorroga as metas quantitativas e qualitativas até o final deste ano. Independentemente do avanço alcançado, a parlamentar criticou a legislação brasileira, que, segundo ela, ainda não garante o tratamento de diálise igualitário a todos que precisam. Ela convocou os colegas parlamentares a aprovarem o atendimento diferenciado à nefrologia com aporte financeiro estimado em R$ 257 milhões, por meio do PL 2270, fazendo frente aos custos adicionais dos quatro primeiros meses da pandemia, de 15 de março a 15 de julho.
“Precisamos garantir o financiamento adequado e a devida assistência aos pacientes renais crônicos do nosso país”, defendeu Carmen Zanotto. Ela também destacou a importância de o Congresso Nacional acompanhar de perto as necessidades do setor e garantir o orçamento compatível com a demanda em 2021. Por fim, a deputada prestou homenagem aos pacientes renais e profissionais da saúde que recentemente faleceram lutando pela vida.
A partir dos dados do último censo da diálise, Daniel Calazans, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), abordou a importância da diálise sob a ótica do paciente e dos nefrologistas. “A prevalência de pacientes renais vem aumentando ano a ano, mais ainda estamos longe dos países desenvolvidos. O Brasil é muito heterogêneo, precisamos avançar nesse diagnóstico”, ressaltou Daniel, alertando ainda que apenas 7% dos pacientes renais crônicos fazem a diálise peritoneal, percentual que cai a cada ano, devido às dificuldades de logística e distribuição dos insumos e equipamentos para o tratamento.
Calazans lembrou ainda que, em 2020, o número de transplantes caiu drasticamente, uma vez que muitos serviços paralisaram e as doações de rins caíram devido à Covid. E defendeu: “Precisamos mudar o financiamento e rever o modelo de pagamento da diálise. Ainda vamos viver um longo momento de dificuldade econômica e contamos com a responsabilidade da sociedade, para que tenhamos serviços de saúde de qualidade. A diálise não pode parar”.
Por sua vez, Gilson Nascimento, diretor geral da Aliança Brasileira de Apoio à Saúde Renal (Abrasrenal), trouxe para o debate a importância de incluir o paciente renal na sociedade. “Oferecer acesso ao tratamento é um dever do Estado, mas mais do que isso, falta proporcionar ao renal crônico a possibilidade de atuar de forma complementar à sua aposentadoria por invalidez, considerando a produção e o senso de utilidade do paciente”, defendeu. “A diálise ressocializa sim, pois ela dá condições à pessoa de manter sua saúde e ainda se manter ativo, dentro do possível”, complementou.
O desafio de motivar o paciente a encarar a diálise como uma oportunidade de vida foi o ponto alto da participação de Ricardo Teodoro, presidente da Sociedade Brasileira de Enfermagem em Nefrologia (SOBEN) no webinar da ABCDT. Segundo ele, o paciente renal, que já tem o emocional abalado devido à sua condição, precisa encontrar enfermeiros preparados tecnicamente e emocionalmente. Atualmente, mais de 20 mil profissionais atuam nas unidades de diálise no Brasil. “O conhecimento e a capacitação no cuidado a esse paciente são primordiais, pois viabilizam o tratamento”, finalizou Teodoro.
O cenário de riscos aos pacientes, diante da pandemia do novo Coronavírus, foi ressaltado por Renato Padilha, vice-presidente da Federação Nacional de Associações de Pacientes Renais e Transplantados do Brasil (FENAPAR). Ele reconheceu o empenho dos nefrologistas, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos no processo de acolher e proporcionar qualidade de vida aos pacientes renais crônicos. “A sociedade tem que se unir ainda mais para prosseguir no tratamento a esse paciente. Apesar do momento de grande dificuldade, estamos aprendendo a ser mais fraternos”.
Campanha Digital
Em 2020, o marco aconteceu no dia 27, mas desde o início de agosto, centenas de clínicas e pacientes estão engajados em mobilizar a sociedade e o governo em favor de investimentos para a nefrologia. Com o mote Vidas importam! #adialisenaopodeparar, as principais reivindicações da ABDCT são pela adequada remuneração das 805 clínicas que prestam serviços para o Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo tratamento de qualidade e acesso para todos os pacientes renais crônicos. Peças de divulgação com frases de apoio à causa, curiosidades e depoimentos de pacientes são divulgados em www.vidasimportam.com.br, no Facebook @Vidas Importam ou no IG @vidasimportam e no YouTube: ABCDT TV .
O presidente da ABCDT lembra que a o “Dia D” 2020 acontece em um momento oportuno, pois a ABCDT celebra seus 30 anos. “Muito há ainda a ser feito e continuamos trabalhando, sobretudo notificando órgãos públicos sobre a grave crise financeira enfrentada pelo setor”, completou Vieira. Ele destaca ainda que a principal preocupação da Associação quanto à constante falta de investimento e de repasse do valor das sessões de hemodiálise está ligada à menor oferta de tratamento à população. Neste ano, a iniciativa é realizada pela ABCDT com apoio da SBN, SOBEN, FENAPAR e Abrasrenal.
Descaso histórico
Os constantes atrasos no repasse do pagamento da Terapia Renal Substitutiva (TRS) por algumas Secretarias de Saúde estaduais e municipais aos prestadores de serviço ao SUS está entre os problemas mais recorrentes na nefrologia. Muitos gestores chegam a atrasar em mais de 30 dias o repasse após a liberação do recurso pelo Ministério da Saúde.
Outra questão está relacionada ao valor pago pelo Ministério da Saúde para o tratamento, que está abaixo do custo real e não acompanha a cotação do mercado. Grande parte dos insumos, como produtos e maquinários, são importados, além de gastos com dissídios trabalhistas, folha de pagamento, água, energia e impostos. Com essas despesas e a grave diferença de valor, as clínicas enfrentam uma grave crise financeira. Desde 2017, a ABCDT tem se esforçado para pleitear, junto ao MS, que o pagamento da TRS seja feito direto do Fundo Nacional de Saúde para as clínicas de diálise. A ideia é que os gestores estaduais e municipais passem a exercer apenas a atividade fiscal em relação à assistência prestada aos cidadãos
A diálise peritoneal, que deveria ser uma alternativa à TRS, também passa por grave crise. Diferente da hemodiálise, que filtra o sangue através de máquina e dialisador para remover as toxinas do organismo, a diálise peritoneal realiza o tratamento dentro do corpo do paciente, por meio da colocação de um cateter flexível no abdômen para a infusão de líquido de diálise para filtrar o sangue do paciente. No entanto, a remuneração também está abaixo do custo e a situação das clínicas que oferecem os produtos e medicamentos é crítica.