Com a expectativa da chegada de uma vacina viável contra a Covid-19 nos próximos meses, o debate sobre a obrigatoriedade da vacinação voltou a ganhar espaço em território brasileiro. Mesmo antes do começo do isolamento social, que dificultou o acesso a espaços públicos fechados, as campanhas de vacinação vinham apresentando queda na meta em todo o Brasil. O ano de 2019 foi o primeiro a não atingir a meta de vacinar 95% da população alvo em nenhuma das 15 vacinas do calendário público, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Devido a uma uma preocupação crescente da população e setores públicos e privados, o Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou que vai julgar a obrigatoriedade da vacina do Covid-19. A Corte foi acionada por vários partidos políticos que apresentaram ações sobre o tema.
O quadro no Brasil é tão grave que, após décadas de erradicação, o sarampo voltou a afligir determinadas parcelas da população. Até o momento, foram confirmados 7.718 casos de sarampo em território brasileiro apenas em 2020, com cinco óbitos.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, o retorno do sarampo alerta que qualquer doença erradicada pode retornar caso a vacinação não seja levada a sério por mais de 97% da população. O reaparecimento da doença aponta para outros riscos, como o retorno da rubéola e a poliomielite. Em junho de 2019, a OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde) emitiu uma nota alertando para a necessidade de reforçar a vacinação também contra a rubéola. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que Brasil, Bolívia e Haiti tiveram uma diminuição de 14% percentuais nos números gerais de vacinação desde 2010.
Mesmo assim, o movimento anti vacinação é forte no Brasil, e o especialista em Direitos Humanos e em Ciências Jurídico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra e professor de Direito Constitucional e Administrativo no MeuCurso, Daniel Lamounier, alerta que a futura imunização contra o Covid-19 não é uma questão de liberdade pessoal, e sim de saúde pública, tanto nacional quanto mundial. “A vacinação obrigatória tem previsão legal desde 1975, na lei de 6259. A vacinação obrigatória acontece porque a vacinação de apenas alguns indivíduos não causaria o efeito de imunização, já que a própria vacina, como regra, não tem o poder de imunizar mais que 70% na nossa média das pessoas. Então se não houver imunização em bloco, o vírus vai continuar circulando”, explica, um efeito não só da futura vacina da Covid-19 como qualquer imunizante de massa.
O debate sobre a obrigatoriedade das vacinas ficou ainda mais inflamado após a fala do presidente Jair Messias Bolsonaro, que em coletiva de imprensa recente afirmou que “nenhum juiz pode decidir se você vai tomar vacina ou não, não existe isso aí”. Daniel Lamounier, pontua, entretanto, que o indivíduo que optar por não tomar uma vacina obrigatória enfrentará sanções civis por se tornar uma ameaça à saúde pública.
“O ponto que chama a atenção é a resistência de muitas pessoas, falando da liberdade delas de não se vacinarem. Aqui existe uma coalizão de dois direitos, da liberdade e da saúde. Para eu ter meu direito de saúde garantido, preciso que o outro também se vacina. Então quem decide isso é o Poder Judiciário. Essa obrigatoriedade é imposta a partir de certas sanções aplicadas à pessoa que recusa a se vacinar. Se aquela pessoa é aluna de uma creche pública, ela não vai conseguir se matricular. Escolas particulares também podem causar restrição, não deixando que a pessoa se matricule. O mesmo funciona para determinados trabalhos – portos e aeroportos por exemplo não podem permitir que a pessoa sem vacinação trabalhe. Outros países vão colocar, como já acontece com a febre amarela, restrições a viajantes: sem a vacina da febre amarela, por exemplo, você não entra na África do Sul. Então a gente começa a limitar isso por certas barreiras civis, o que força a pessoa a se vacinar”, explica.
Além disso, pais e guardiões legais também têm obrigação de cuidar da vacinação de crianças e adolescentes. “O ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, também prevê sanções para os pais que não vacinarem os filhos, porque essa demanda é atual. No Brasil hoje temos mais de 15 vacinas obrigatórias, isso não é um assunto novo”, completa Lamounier.