Ainda que os benefícios da proximidade entre recém-nascidos prematuros e seus pais, preconizada pelo método canguru, sejam de amplo conhecimento no segmento da saúde, o surto de novo Coronavírus alterou os protocolos das UTI neonatais.
Preocupadas com o contágio, parte das unidades neonatais adotou uma política de separação, limitando ou proibindo o acesso dos pais. Justamente o contrário do que prega a campanha Separação Zero da Aliança Global pelos Cuidados dos Recém-Nascidos.
Com a proposta de manter os bebês recém-nascidos e enfermos perto de seus pais durante a internação na UTI Neonatal, a iniciativa envolve mais de 140 organizações de todo o mundo e foi abraçada no Brasil pela ONG Prematuridade.com.
Realidade brasileira
Infelizmente a geopolítica brasileira e as diferenças regionais do sistema de saúde, fizeram com que o convívio dos pais com os bebês internados nos primeiros meses de vida se tornasse um sonho inalcançável para muitos.
É o que demonstram os relatos das mães enviados com exclusividade para a ONG Prematuridade.com, durante a pandemia. A associação fez o acolhimento de diversas famílias e buscou intermediar suas solicitações para elas poderem ver seus bebês em diferentes UTIs espalhadas pelo Brasil.
Um dos relatos é o do prematurinho Nicolas Levi, que nasceu após 30 semanas de gestação no dia 10 de abril de 2020, pesando 615 gramas e medindo 30 centímetros. Nicolas permaneceu na UTI por 130 dias e teve contato com a mãe apenas uma vez nesse período.
Felizmente essa história teve um final feliz, que terminou no 130º dia de internação, com a mãe levando o filho para casa após a alta hospitalar. Mas nem todos os relatos recebidos pela ONG tiveram o mesmo desfecho.
Pais não conseguem dar o último adeus
Já a pequena Cecília nasceu após 30 semanas de gestação e permaneceu por dois meses na UTI neonatal. Durante esse período a mãe não conseguiu ver a filha, já que ela estava na incubadora. Infelizmente a bebê se afogou, sofreu uma parada cardíaca, entrou em coma e teve morte cerebral. Só então a mãe conseguiu ver a filha.
Para Claudia Geovani, coordenadora de campanhas da ONG e que realiza o acolhimento de mães com bebês na UTI neonatal, “a não permissão dos pais dentro das UTIs neonatais, que vem sendo praticada por trás de um “protocolo” de pandemia, não fere somente o direito daquele pai, e sim fere e interfere na recuperação daquele bebê e até mesmo no último adeus de pai e filhos”.
Mas até que ponto a prevenção da transmissão da Covid-19, por meio do isolamento social, está atrapalhando o convívio e a criação do vínculo entre os bebês e seus pais?
Diagnóstico de especialista
De acordo com Marisa Sanches, tutora do método canguru no Rio Grande do Sul e membro do Conselho Científico da ONG Prematuridade.com, “o desenvolvimento cerebral e psicoafetivo do prematuro segue sendo tema de grande preocupação”.
“O toque, a voz e o cheiro são essenciais para a construção da subjetividade do recém-nascido, através da formação das primeiras memórias e a base dos esquemas mentais. Nesse período do desenvolvimento, os bebês percebem o mundo ao seu redor e expressam suas sensações através da senso-percepção. Com essas novas regras rígidas sobre o controle das visitas dos pais, a criança fica prejudicada”.
“A pandemia traz com ela um novo desafio, quando os pacientes são recém-nascidos prematuros. Há o controle para a não disseminação da contaminação, a saúde física fica resguardada, porém a saúde mental dos bebês corre o risco de desenvolver a base para que se instalem esquemas mentais de privação afetiva”, conclui Marisa.
Para Aline Hennemann, vice-diretora executiva da associação, “a ONG Prematuridade.com abraçou essa ação global por acreditar que pai e mãe não são visitas dentro da UTI Neonatal e que sim, fazem parte do processo do cuidado dos seus filhos. Entendemos também ser um momento delicado, onde cada instituição deve se adaptar a sua realidade, atendendo à nota técnica 6/2020/COCAM/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS do Ministério da Saúde que traz a importância da presença dos pais e como a mesma deve acontecer”.