Com praticamente 100% de ocupação de seus leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para tratamento de paciente com Covid-19 e aumento na demanda devido aos casos graves que não param de chegar, Santas Casas e hospitais filantrópicos de São Paulo estão com estoque de medicamentos em situação alarmante. Levantamento da Fehosp (Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo) feito junto aos principais hospitais filantrópicos dos 17 DRS’s (Departamentos Regionais de Saúde) estaduais, mostram que a maioria só tem estoque destes itens indispensáveis para uma semana e, nos melhores cenários, para 15 dias. Aumento pela demanda dos medicamentos, escassez de matéria-prima para produção e custos significativamente elevados são alguns dos fatores que resultam na questão.
Os produtos em escassez são os sedativos e bloqueadores neuromusculares que compõem o chamado “kit intubação”, essencial para intubar e manter intubado pacientes em estado crítico. Estão em falta, dentre outros, os bloqueadores neuromusculares Atracúrio, Cisatracúrio, o relaxante muscular Rocurônio, usado para facilitar a intubação, Henoxaparina (anticoagulante) e Fentanil (sedativo).
Com a nova variante brasileira do Sars-CoV-2, a P1, encontrada em Manaus, as internações aumentaram e os casos se agravaram, demandando ainda mais esses medicamentos. “Na primeira onda, a intubação ocorria em cerca de 50% a 60% dos casos. Hoje, o que nós observamos é que 100% dos pacientes que necessitam de UTI estão intubados, logo, aumentou de forma considerável o uso desses medicamentos”, salienta o diretor-presidente da Fehosp, Edson Rogatti. “Não deixamos de atender as outras demandas hospitalares, como traumas, oncologia, cardiologia e outros casos de doenças que também necessitam de pacientes intubados e, agora, com o aumento de registros de Covid, principalmente que requerem UTI, esses pacientes têm necessidade da utilização em larga escala desses bloqueadores neuromusculares e sedativos, o que está levando a uma escassez. E a escassez é um passo antes do desabastecimento”, completa.
No levantamento da Fehosp, os hospitais relatam que ao fazerem pedido dos produtos para um estoque de 30 dias, quando encontram os itens, não conseguem na quantidade para suprir a necessidade de manutenção dos pacientes. “Há hospitais que têm estoque para o uso de cinco dias, outros de 20 dias e todos com grande dificuldade de encontrar esses medicamentos”, conta Rogatti. “Nos preocupa isso, pois havendo a falta desses insumos, obviamente resultará no aumento do índice de óbitos, porque precisamos desses itens para manter a ventilação mecânica dessas pessoas”, exclama.
Do lado das indústrias farmacêuticas, o diretor-presidente da Fehosp fala que os relatos são de que também foram surpreendidas com o aumento da demanda dos medicamentos, além da dificuldade para obtenção de matéria-prima para fabricação, que é importada.
VALORES ABUSIVOS
O preço do “kit intubação” sofreu elevação significativa na comparação dezembro/março. O Rocurônio, por exemplo, que em dezembro de 2020 a unidade era encontrada por R$ 16, agora em março, está custando R$ 298, alta de 1.762,5%. O Atracúrio 25 mg, passou de R$ 14,30 para R$ 69 (+ 382,5%).
Nos anestésicos, os destaques estão no Propofol 20 ml, o qual o preço médio em dezembro era R$ 13,10, aumentando para R$ 33,40 (+ 154,9%) e a Fentanila 10ml, que de R$ 5,10 passou para R$ 10,50 (+ 105,8%). “Em dezembro, já estávamos trabalhando com uma inflação que vinha desde o começo da pandemia. Já vivenciamos isso no passado e agora estamos vivenciando de uma forma muito mais intensa pelo aumento abrupto dos casos”, fala Rogatti, completando: “Isso mostra que, com a escassez, alguns distribuidores que acabaram estocando para venda estão ofertando a esse preço absurdo, em um momento tão crítico do enfrentamento. Um paciente usa uma quantidade diária significativa destes medicamentos. Se o hospital comprar a esse preço, não conseguirá manter sua sustentabilidade financeira e irá sucumbir”.
SOMATÓRIA DE PROBLEMAS
Como se não bastassem a falta de medicamentos e os altos preços, quando encontrados, o diretor-presidente da Fehosp ressalta que a situação dos hospitais filantrópicos se agrava ainda mais com o subfinanciamento do custeio dos leitos de UTI para o tratamento da Covid-19. “Os R$ 1.600 que o Ministério da Saúde repassa por leito/dia está ficando cada vez mais insuficiente para a cobertura dos gastos”, fala.
A Santa Casa de Araraquara, por exemplo, não recebe desde fevereiro e o custo para manter o leito está na faixa de R$ 2.500.
“Estamos vivendo um drama, um dos momentos mais difíceis e, com o passar dos dias, a sensação é que hoje está sendo mais difícil do que ontem, porque a gente caminha no enfrentamento à pandemia com a falta dos profissionais de saúde que há um ano estão no combate, escassez de medicamentos, de equipamentos e, para nós, filantrópicos, ainda em meio a tudo isso, sofremos com a falta de financiamento adequado ao custo destes de leitos”, conclui.