O combate às células mieloides imaturas, que são enviadas para o pulmão durante as formas graves da infecção por Mycobacterium tuberculosis, pode potencializar o tratamento da tuberculose. Essa foi a descoberta de um estudo desenvolvido por Caio César Barbosa Bomfim em seu doutorado, feito no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e orientado pela professora Maria Regina D’Império Lima. A pesquisa foi capa da edição de fevereiro do periódico americano Journal of Infectious Diseases, um dos mais conceituados do mundo quando o assunto é microbiologia, imunologia e doenças infecciosas.
As células imaturas abordadas no estudo são as chamadas “células mieloides supressoras”, isto é, são aquelas produzidas na medula óssea e que ainda se encontram em estágio de amadurecimento. Em indivíduos saudáveis, elas se desenvolvem até se transformarem em leucócitos maduros, células de defesa mais conhecidas como glóbulos brancos, e são liberadas na corrente sanguínea. Em determinadas condições, como câncer, doenças autoimunes e infecciosas, tais células são recrutadas para a corrente sanguínea precocemente e vão para o tecido afetado na tentativa de auxiliar o sistema imune do indivíduo doente, minimizando os danos causados pela inflamação excessiva e promovendo o reparo dos tecidos.
No entanto, em vez de ajudar, as células mieloides supressoras acabam atrapalhando o sistema imune na tuberculose grave. “Por serem imaturas, essas células ainda não possuem os mecanismos necessários para eliminar a bactéria e, além disso, apresentam um efeito imunossupressor. No entanto, nós mostramos que elas agravam a tuberculose principalmente por atuarem como nicho, ou seja, um local onde as bactérias podem se desenvolver com maior facilidade”, afirma Bomfim. No pulmão, as células imaturas são facilmente invadidas pelas micobactérias, contribuindo para a sua proliferação e a piora da infecção.
A estratégia adotada pelos pesquisadores, então, foi administrar em animais um anticorpo específico para combater as células mieloides na fase tardia da doença. Os camundongos submetidos ao tratamento apresentaram melhora em comparação com o grupo controle (que não foi tratado com o anticorpo). “A eliminação dessas células reduziu a gravidade da doença, diminuindo a quantidade de micobactérias e a inflamação no pulmão e aumentando a sobrevida desses animais. Além disso, nos animais tratados, as bactérias não se disseminavam para todo o órgão, como aconteceu no grupo controle”, diz o autor do estudo.
Caso futuramente seja comprovada a eficácia da eliminação dessas células em testes clínicos, o tratamento poderá ser utilizado como terapia adjuvante, potencializando o efeito dos antibióticos. Muitos indivíduos acabam tendo recidivas da doença após cerca de dois anos, devido à dificuldade de matar as bactérias que estão dentro das células cercadas por uma estrutura chamada de granuloma. Segundo o pesquisador, com a eliminação das células imaturas, a maior parte das micobactérias permanece exposta na região extracelular, desprotegida, facilitando a ação dos antibióticos. Nas próximas etapas do estudo, o grupo irá testar o anticorpo junto com antibióticos e verificar se o tratamento pode realmente diminuir a chance de reaparecimento da doença.