Um artigo publicado nesta terça-feira (20), no prestigioso periódico científico EMBO Molecular Medicine traz novas esperanças na busca de uma cura para a infecção pelo HIV, o vírus que causa Aids. Os resultados mostram que os reservatórios virais, onde o HIV pode se esconder e persistir a despeito dos tratamentos com medicamentos do coquetel (antirretrovirais) atualmente disponíveis, são caracterizados por uma alteração no metabolismo principal da glicose. Devido a esse fator, as células infectadas pelo HIV dependem de vias alternativas para metabolizar a glicose. Nesse estudo, uma equipe formada por pesquisadores de diversos países, incluindo o Brasil, com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostra que essas vias alternativas podem ser inibidas por combinações de outros medicamentos, levando à eliminação preferencial das células infectadas pelo HIV.
A descoberta foi o resultado de uma colaboração internacional liderada pelo pesquisador italiano Dr. Andrea Savarino, do Instituto de Saúde em Roma, e que incluiu, além de pesquisadores da Unifesp, alguns dos maiores especialistas internacionais na cura do HIV e Universidades dos Estados Unidos (Case-Western University, Cleveland, Cornell University, New York, e Wistar Institute da Philadelphia), Reino Unido (Universidade de Oxford e King’s College de London), Índia (Indian Institute of Science), Egito (Colégio de Medicina das Forças Armadas), Itália (Universidade de Modena e Reggio Emilia), Suíça (Universidade de Lausanne) e Alemanha (Universidade de Heidelberg).
Apesar de décadas de pesquisa, ainda não existe uma cura para o HIV, porque o vírus introduz o seu material genético em genes humanos permanecendo latente e evadindo a vigilância imunológica do hospedeiro infectado. De acordo com os especialistas, essas células silenciosamente infectadas podem persistir indefinidamente no organismo.
“O metabolismo celular é a nova fronteira na luta contra muitas enfermidades, e mesmo as alterações que não têm relação com aquelas que foram classificadas como doenças metabólicas como, por exemplo, a diabetes, seriam muito importantes”, afirma o Dr. Iart Luca Shytaj, pesquisador italiano, primeiro autor do estudo e professor visitante da Unifesp, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “A novidade de nossa descoberta é que descreve o estado metabólico das raras células que permitem a persistência do HIV durante a terapia antirretroviral, impedindo uma cura. Além disso, mostra como destruir essas células usando uma combinação de medicamentos que pode ser testada em ensaios clínicos para cura da infecção pelo HIV.”
“A descoberta neste estudo integra bem os resultados de nosso ensaio clínico”, destaca o Dr. Ricardo Sobhie Diaz, professor da Unifesp e diretor do estudo de cura pelo HIV, que recentemente relatou a primeira remissão de longo prazo pós-terapia antirretroviral conhecido como o paciente de São Paulo.
“Em particular, o estudo publicado agora revela como reforçar o efeito da auranofina, um medicamento que já testamos com bons resultados em nosso ensaio clínico (www.infectiousdiseaseadvisor.com/home/topics/hiv-aids/gold-salt-is-a-promising-addition-to-art-in-people-with-hiv-who-are-viral-reservoirs), e confirma a importância do metabolismo da nicotinamida, entrelaçado ao da glicose, durante a infecção pelo HIV. A nicotinamida é um dos medicamentos que foram administrados ao paciente de São Paulo, levando a um resultado sem precedentes nesse paciente (www.sciencemag.org/news/2020/07/intriguing-far-proven-hiv-cure-s-o-paulo-patient)”, conclui Diaz.
Um novo ensaio clínico que testará intervenções deste tipo para curar a infecção pelo HIV está programado para começar em 2022 na Unifesp, em São Paulo.