Aumentar a cobertura vacinal é um dos grandes desafios da saúde brasileira. Pensando em como contribuir com esse objetivo, A CASA – espaço de conexão dos agentes comunitários de saúde (ACS) e agentes de combate às endemias (ACE), oferece atualização profissional aos mais de 400 mil agentes atuantes nos 5570 municípios brasileiros como forma de promover a adesão às campanhas de vacinação. A CASA é uma iniciativa do Instituto de Pesquisa e Apoio ao Desenvolvimento Social (IPADS) em parceria com a Confederação Nacional dos Agentes Comunitário de Saúde e Agentes de Combates às Endemias (CONACS) e Confederação Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS).
Se em 2015 a vacina contra poliomielite alcançou 98,29% das crianças até um ano, em 2018 seu alcance baixou para 89,54%, chegando a 73,53% da população alvo em 2022, mesmo com a prorrogação da campanha de imunização. Assim como outras vacinas que fazem parte do Programa Nacional de Imunização (PNI, criado em 1973), a cobertura da vacina Tríplice Viral, dada em duas doses para proteger contra sarampo, caxumba e rubéola, também ficou distante da meta. Dos 92,61% atingidos em 2018, chegou a 77,96% da população em 2022. Já a segunda dose foi recebida por 54,94% do público alvo (pessoas de 12 meses a 59 anos de idade, sendo recomendadas duas doses até 29 anos). Os dados extraídos do TABNET/DataSUS apontam:
Imunizações – coberturas vacinais por ano – 2018-2022 | |||||
Imuno | 2018 | 2019 | 2020 | 2021 | 2022 |
BCG | 99,72 | 86,67 | 77,14 | 74,59 | 80,97 |
Hepatite B em crianças até 30 dias | 88,40 | 78,57 | 65,77 | 66,61 | 72,58 |
Rotavírus Humano | 91,33 | 85,40 | 77,94 | 71,70 | 73,01 |
Meningococo C | 88,49 | 87,41 | 79,23 | 72,07 | 74,99 |
Hepatite B | 88,53 | 70,77 | 77,86 | 71,44 | 73,61 |
Penta | 88,49 | 70,76 | 77,86 | 71,44 | 73,61 |
Pneumocócica | 95,25 | 89,07 | 82,04 | 74,74 | 77,75 |
Poliomielite | 89,54 | 84,19 | 76,79 | 70,96 | 73,53 |
Poliomielite 4 anos | 63,62 | 68,45 | 67,58 | 54,58 | 65,58 |
Febre Amarela | 59,50 | 62,41 | 57,64 | 58,15 | 58,09 |
Hepatite A | 82,69 | 85,02 | 75,90 | 67,48 | 70,43 |
Pneumocócica (1º ref) | 81,99 | 83,47 | 72,14 | 66,08 | 68,94 |
Meningococo C (1º ref) | 80,22 | 85,78 | 76,55 | 68,63 | 72,78 |
Poliomielite (1º ref) | 72,83 | 74,62 | 69,30 | 60,45 | 65,41 |
Tríplice Viral D1 | 92,61 | 93,12 | 80,88 | 74,89 | 77,96 |
Tríplice Viral D2 | 76,89 | 81,55 | 64,27 | 53,13 | 54,94 |
Tetra Viral (SRC+VZ) | 33,26 | 34,24 | 21,01 | 6,24 | 9,25 |
DTP REF (4 e 6 anos) | 68,52 | 53,74 | 73,49 | 57,95 | 65,01 |
Tríplice Bacteriana (DTP) (1º ref) | 73,27 | 57,08 | 77,21 | 63,60 | 65,10 |
Dupla adulto e tríplice acelular gestante | 44,99 | 45,02 | 22,89 | 18,97 | 19,47 |
dTpa gestante | 60,23 | 63,23 | 46,37 | 43,11 | 45,73 |
Varicela | 0,00 | 0,00 | 74,43 | 66,96 | 70,42 |
A vacinação contra a Covid-19, que será incluída no calendário anual do PNI, também preocupa. Embora a confiança na vacina tenha aumentando entre 2021 e 2022 na maioria dos 23 países participantes de uma pesquisa sobre hesitação vacinal publicada recentemente na revista Nature Medicine, no Brasil a resistência dos pais em vacinar os filhos contra a doença subiu de 8,7% para 12,6%.
“A maior parte das vacinas tem a meta de atingir 95% da população alvo. Mas a cobertura começou a cair em 2012 e essa tendência se acentuou de 2016 até os dias atuais. O principal risco trazido pela baixa cobertura é o ressurgimento de doenças imunopreveníveis graves e já erradicadas, como a poliomielite e o sarampo”, observa o epidemiologista André Ricardo Ribas Freitas, consultor científico da A CASA e Professor de Epidemiologia e Bioestatística na Faculdade de Medicina São Leopoldo Mandic, em Campinas (SP).
Diante do agravamento desse cenário, agentes de todo o país que participam das atividades da A CASA têm dialogado sobre as causas e abordagens possíveis para elevar a cobertura vacinal. Uma das principais necessidades apontadas por esses profissionais é consolidar estratégias de comunicação e argumentos para contrapor à desinformação e as notícias falsas espalhadas sobre as vacinas. “Segundo os agentes, as pessoas deixam de se vacinar muito mais por não darem importância à vacina do que por uma atitude antivax”, diz André Giglio Bueno, médico infectologista da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas e também consultor científico da A Casa.
Nas conversas, treinamentos e oficinas oferecidos pelo projeto, a comunicação é valorizada para ajudar os agentes a se contrapor à ideia falsa de que ela não é importante e para descontruir o conceito equivocado de que a vacina causa problemas à saúde. “A onda de desinformação vista nos últimos três anos, aliada a um movimento organizado forte contra as vacinas, foi inicialmente direcionada à Covid-19, mas obviamente impactou também as outras coberturas”, diz o especialista.
O fortalecimento dos vínculos com a população do território após a pandemia é outro tema presente. “A qualidade da relação entre os agentes e a população influencia diretamente a confiança nas informações que são dadas por esses profissionais para que as pessoas não tenham receio de se vacinar”, descreve o infectologista Bueno.
Na visão de Ilda Angélica Correia, presidente da Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde, a desvalorização do trabalho dos agentes de saúde é mais um fator que colabora para a queda das coberturas vacinais. “Somos o elo entre a Unidade Básica de Saúde e a população do território. Desde 2016, estamos sendo deixados de lado. Antes éramos informados em primeira mão sobre as alterações do calendário vacinal, a chegada de novas vacinas e campanhas. A gente levava essa informação e garantia a presença das crianças, adultos e idosos nas campanhas de vacinação.” Na atualidade, segundo a presidente da CONACS, muitas vezes os profissionais ficam sabendo das alterações na vacinação pelo cidadão que vai utilizar o serviço. “No meu ponto de vista, sem dúvida isso contribuiu e contribui para a queda da cobertura vacinal”, diz Ilda, que atua em Maracanaú, na região metropolitana de Fortaleza, no Ceará.
A representante nacional reivindica maior engajamento dos agentes comunitários no processo de planejamento e definição das prioridades das equipes de saúde da família e o compartilhamento de informações mais constante e cuidadoso. “Se a gente retomar como prioridade a busca ativa dos faltosos da vacina, seja criança, adulto ou idoso, certamente daremos uma contribuição muito importante para a reversão da baixa cobertura vacinal. Sabemos onde estão essas pessoas”, conta ela. Para os coordenadores do projeto A CASA, a busca ativa e orientação das pessoas para aumentar a aceitação das vacinas é uma medida urgente.
A CASA identificou mais algumas questões que influenciam o alcance da vacinação. “O horário de funcionamento das Unidades Básicas de Saúde e a disponibilidade da vacinação precisam ser pensados para que as pessoas não vejam o ato de vacinar como um problema que vai prejudicar no trabalho ou atrapalhar demais a rotina. Os agentes falam muito sobre isso”, pontua Bueno.