O Departamento de Nutrição da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo – SOCESP acaba de lançar o projeto “Diálogos com a Nutrição”, uma série de e-books que trata dos impactos da alimentação na saúde cardiovascular. O segundo livro traz as influências da dieta para portadores de Hipercolesterolemia Familiar (HF), alteração genética transmitida pelo pai ou pela mãe (ou por ambos), que se caracteriza pelos níveis de LDL (colesterol ruim) extremamente elevados, promovendo o depósito de gordura nas artérias, um verdadeiro gatilho para doenças cardiovasculares.
“É fato que uma alimentação saudável é parte fundamental quando a ideia é mudar o estilo de vida”, diz Maria Cristina Izar, diretora da SOCESP. “E esta mudança, muitas vezes, não é uma questão de opção, mas de necessidade: pessoas com comorbidades ou doenças crônicas precisam manter bons hábitos alimentares como parte de um protocolo de saúde.”
O trabalho da SOCESP teve como base a atualização da Diretriz Brasileira de Hipercolesterolemia Familiar, documento que norteia a conduta sobre a HF, visando o controle do colesterol ruim elevado. “O e-book traz recomendações nutricionais moderando, incentivando ou restringindo o consumo de grupos alimentares para portadores de HF.
Fome de quê?
Segundo ressalta Juliana Kato, diretora executiva do Departamento de Nutrição da SOCESP, as dietas do Mediterrâneo e DASH têm maior grau de evidências benéficas para pacientes com HF, uma vez que incentivam o consumo de grãos integrais, frutas, hortaliças, carnes magras, produtos lácteos com menor teor de gorduras e oleaginosas.
Entre as recomendações nutricionais, no quesito gorduras, o ovo, fonte de colesterol, pode ser consumido sem excessos. “Ácidos graxos saturados – carne, laticínios, óleo de coco, palma e cacau – devem ser substituídos por gorduras mono (óleos de canola e azeite e na castanha de caju, por exemplo) e poli (peixes e óleos de soja, milho e girassol), uma vez que estas não elevam o colesterol total e o LDL”, diz Juliana. “Por sua vez, ácidos graxos poli-insaturados – o famoso ômega-3 – são recomendáveis para pessoas com altos valores de triglicérides porque a redução pode chegar a 30%. Já os ácidos graxos trans, presentes nos industrializados, tem papel comprovadamente nocivo para a formação de placas de gordura e, portanto, excluídos da dieta para HF ou para quem quer comer mais saudável.”
Apesar de a soja ser protagonista em um plano alimentar devido à baixa concentração de gorduras saturadas e por ser rica em fibras, vitaminas e minerais, as isoflavonas, muito presentes neste grão, tem um efeito neutro para o tratamento da hipercolesterolemia ou reduz modestamente os índices. “Mas recomendamos a inclusão como fonte de proteína vegetal, já que diferentemente dos alimentos de origem animal, ela não afeta as concentrações plasmáticas de colesterol”, explica Juliana.
Alimentos naturais como nozes, amendoins, castanhas, sementes de gergelim, legumes, frutas e grãos, consumidos em quantidades habituais, não possuem uma concentração suficiente para reduzir os níveis de colesterol e LDL-colesterol. “Por isso indivíduos com HF devem fazer uso de suplementos alimentares contendo fitosterol em concentrações maiores, que podem reduzir em cerca de 10% o LDL-colesterol.
A boa notícia para os chocólatras é que o chocolate amargo entra na lista do “este pode”, mas claro: em sua versão rica em cacau (escuro) – que não eleva o colesterol – mas sempre consumido com moderação, pois pode ser fonte de açúcar simples e calorias, além de apresentar outras gorduras na composição.
Patologia rara, mas não incomum
Estima-se que uma a cada 311 pessoas no mundo sofra com a Hipercolesterolemia Familiar. Normalmente não há sintomas e só se toma conhecimento do problema quando o infarto ocorre, ainda na juventude. Cerca de 200 mil morrem, no mundo, a cada ano, por eventos cardíacos secundários à HF. No Brasil, o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA) revela que a HF atinge 800 mil pessoas ou uma a cada 263 indivíduos.
Um exame clínico de sangue de baixo custo pode detectar o problema. Mas a falta de cultura em medir o colesterol em crianças e jovens traduz estas estatísticas: entre a população portadora de HF, no mundo, menos de 10% tem conhecimento e no Brasil menos de 1% dos portadores de HF são diagnosticados.