Pandemia, guerra, ciclo eleitoral. As fontes de incerteza são várias. Mas uma coisa é certa: o risco afugenta investimentos e isso retarda a tão necessária retomada da economia. Manter as regras do jogo é crucial para que não se gere ainda mais incertezas no horizonte.
Porém, muitas têm sido as iniciativas para que não haja reajuste nos contratos de preços administrados, ou seja, para que as regras não sejam cumpridas. Argumenta-se que isso favorece o consumidor, ao ter acesso a bens e serviços a preços mais módicos de imediato, reduzindo as pressões inflacionárias.
A história brasileira já comprovou que o resultado é inverso. Tentativas de congelamento de preços sempre custam caro, notadamente para a população mais vulnerável. A intervenção no mercado desmantela cadeias produtivas, resultando em redução da oferta. Restrições de oferta tendem a manter a pressão inflacionária por mais tempo, mesmo depois de dissipados os efeitos conjunturais que pressionam os preços.
O teto para reajuste dos planos de saúde individuais e familiares é a bola da vez, na mira de políticas intervencionistas que tentam congelar preço, o que merece reflexão.
A regra de cálculo atual estabelecida pela ANS está em vigor desde 2018. Fundamentalmente, trata-se de um indicador de recomposição de custos, atrelando o reajuste máximo de um dado ano à evolução dos gastos assistenciais no ano anterior. Entre esses gastos, destacam-se os indicadores de internações e realização de exames. Os efeitos da pandemia, se por um lado pressionaram os custos por gastos extraordinários, por outro afetaram os hábitos dos usuários, que postergaram exames e procedimentos eletivos. Esses efeitos reduziram em 2020 a realização de procedimentos.
Como resultado, o reajuste máximo aplicado aos contratos em 2021 foi de -8,19%. Em 2022, observou-se retomada no uso dos planos de saúde, com o abrandamento das restrições impostas pela pandemia. A mesma regra, com os mesmos critérios, resultou em teto de reajuste de 15,5%.
Assim, represar a aplicação do reajuste é medida casuística, que põe por terra a estabilidade regulatória alcançada e coloca em risco a capacidade de atendimento da população.
Cumpre destacar que periodicamente a ANS atualiza o rol de procedimentos com coberturas obrigatórias para todos os planos médicos – em 2021 foram 69 novas coberturas, incluindo 19 novos exames, terapias e cirurgias. Ao mesmo tempo em que essa atualização amplia o acesso a novos tratamentos e procedimentos, as operadoras de planos de saúde precisam investir nos novos serviços.
Intervenção em mercados faz com que problemas conjunturais ganhem o potencial de serem estruturais, com danos de médio e longo prazo para a população brasileira. Esses danos são ainda maiores quando se fala em serviços essenciais, como planos de saúde. Manter as regras do jogo é o melhor remédio para apaziguar incertezas, garantindo a manutenção dos serviços e atendimento à população.
Cláudia Viegas é doutora em Economia pela FEA-USP. Diretora de Regulação Econômica e Políticas Públicas da LCA Consultores. Contribuiu para este artigo Henrique Vicente, economista da LCA