Recentemente, o Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio da Resolução nº 2170, regulou as denominadas clínicas populares. De uma leitura rápida da referida resolução, com apenas seis artigos, é possível extrair a conclusão de que, apesar de não serem tão inovadoras, suas disposições contêm conjunto de valores positivos. Determina a inscrição da empresa no CRM e a indicação de um responsável técnico exigência que traz melhor controle e qualidade na atividade da respectiva clínica. Obriga o corpo clínico ser registrado no CRM da jurisdição onde for prestado o serviço médico, o que garante controle da regularidade da situação cadastral do profissional do médico. A atuação deve acontecer apenas em procedimentos reconhecidos pelo CFM, impedindo, assim, a realização de procedimentos experimentais e outros não autorizados, conferindo maior segurança ao paciente. Proibição de instalação da clínica de forma associada a estabelecimentos comerciais, como de estética ou beleza, que comercializem órteses, próteses, ou, ainda, farmácias, óticas e drogarias. A instituição de clínicas em Shopping Center é permitida. E veda que se ofereçam promoções relacionadas ao fornecimento de cartão de desconto.
A par desses avanços, o artigo 5º, especialmente seu parágrafo único, merece críticas. De acordo com esse dispositivo “é permitida, nos termos da lei, a divulgação, de forma interna, dos valores de consultas, exames e procedimentos realizados e fica vedado praticar anúncios publicitários de qualquer natureza com indicação de preços de consultas, formas de pagamentos que caracterizem a prática da concorrência desleal, comércio e captação de clientela”.
Não é razoável que um conselho de classe, ainda que fundado em premissas conservadoras, interfira no direito da livre iniciativa de estabelecimentos médicos que são verdadeiras empresas. Essa interferência representa uma visão ultrapassada e dissociada da realidade atual. É preciso enxergar que a atividade de prestação de serviços médicos é vultosa tanto em termos quantitativos quanto econômicos e, portanto, reconhecer que há incontestável atividade empresarial instituída.
O apego a valores do passado, impedindo algumas publicidades ou determinadas estratégias de empresas médicas, sob o argumento de que a medicina não pode ser realizada com mercantilismo, vai na contramão da própria realidade internacional, que já reconheceu o seu desenvolvimento e a transformação da forma da prestação dos serviços médicos na atualidade. Basta notar como atua o mercado norte americano, nesse aspecto muito mais permissivo.
Além disso, a iniciativa empreendedora de determinados profissionais médicos não pode ser sufocada, sob o argumento de prática de concorrência desleal em relação a outros médicos, que, por vezes, estão acomodados em seus consultórios, sem realizar qualquer ação para crescimento da medicina ou de seu próprio negócio por mera opção. É necessário ponderar que, antes de médico, o profissional da medicina é um trabalhador como qualquer outro, que necessita de ferramentas para empreender e fazer crescer a sua fonte de subsistência.
E sob o aspecto social, considerando a realidade caótica da saúde no país, em que o paciente não tem opção de atendimento pela incompetência do Poder Público ou pela impossibilidade financeira de contratação de serviços médicos particulares em renomados serviços médicos ou de manutenção de planos de saúde privados, a clínica popular se apresenta como opção viável e digna de acesso à saúde num seguimento básico/primário.
Nesse particular, devido a sua importância, a publicidade de preços e formas de pagamento diferenciadas de serviços médicos não deveriam ser proibidas, ao contrário do que estabelece o parágrafo único do artigo 5º da citada resolução, mas autorizadas para garantir o direito de informação aos milhares de pacientes que talvez não procurem essa opção de atendimento por presumirem não terem condições de arcar com o seu custo.
Como em qualquer outra atividade, a publicidade de valores de serviços médicos traz livre concorrência e melhora sua qualidade e oferta, não representando pura e simplesmente “exercício mercantilista da medicina”, cuja caracterização demandaria ações bem mais amplas. Portanto, ao mesmo tempo em que não se pode questionar a necessidade de preservação dos valores médicos, não é razoável fechar os olhos para o desenvolvimento da atividade empresarial médica e a realidade atual.
Fernando Machado Bianchi é advogado, especialista em Direito Médico, membro das comissões de Direito Médico e de Estudos de Planos de Saúde da OAB/SP, sócio de Miglioli e Bianchi Advogados