Artigo – Mamografia: A história de um exame que pode mudar histórias de vida

A palavra rastreamento tem origem no verbo rastrear, que significa “acompanhar ou perseguir pistas, indícios e/ou rastros de algo ou alguém”, ou seja, carrega um sentido de investigação. No contexto do cuidado em saúde, rastreamento pode ser definido como qualquer estratégia que tem como objetivo identificar uma doença ou uma alteração precursora de doença, em uma pessoa considerada saudável. Trazendo esse conceito para a oncologia, duas condutas importantes podem ser tomadas a partir do rastreamento. Em primeiro lugar, a identificação de lesões precursoras permite o seu tratamento e, com isso, a prevenção do desenvolvimento de câncer. Por outro lado, podemos identificar câncer em seu estádio mais inicial, com elevada chance de cura. Para se ter uma ideia, a identificação de câncer de mama em seus estádios mais iniciais está associada a uma chance de cura que chega a mais de 95%.

A importância do diagnóstico precoce do câncer de mama já era reconhecida muito antes de termos exames adequados para esse propósito. Na década de 1920, em um congresso anual de radiologistas, nos EUA, especialistas já entendiam que o exame visual e a palpação das mamas eram muito limitados na identificação do câncer de mama inicial, bem como na diferenciação entre o câncer e lesões benignas. Já no início do século 20, foram realizadas diversas campanhas educativas nos Estados Unidos orientando as mulheres a não adiar a procura por atendimento médico caso apresentassem algum sintoma de câncer de mama. Infelizmente, tais campanhas não tiveram efeito na redução do risco de morte por câncer de mama. De fato, o diagnóstico precoce do câncer de mama envolve a detecção da doença antes do desenvolvimento de qualquer sinal ou sintoma da doença. Por isso, a importância dos exames de imagem.

A história da mamografia começa em 1913, quando um cirurgião alemão publicou um estudo no qual realizou radiografia de 3.000 mamas operadas, evidenciando diferenças entre mamas normais, mamas com lesões benignas e mamas com câncer. Nas décadas seguintes, a técnica do exame foi aprimorada, mas inicialmente o exame era utilizado principalmente na avaliação de mulheres que seriam submetidas a cirurgia da mama. O primeiro estudo que avaliou o uso da mamografia para a identificação de câncer de mama em mulheres sem suspeita para a doença foi publicado em 1960 por Robert Egan, um radiologista do MD Anderson Cancer Center. O potencial da mamografia na identificação de câncer de mama em mulheres sem sinais e sintomas da doença foi confirmado por outros estudos publicados alguns anos depois.

O primeiro estudo clínico randomizado que avaliou o benefício da mamografia para rastreamento do câncer de mama com objetivo de reduzir a mortalidade pela doença incluiu 60.000 mulheres que residiam na região da cidade de Nova Iorque e eram atendidas pelo mesmo plano de saúde. O estudo foi realizado entre os anos de 1966 e 1982. Já no início dos anos 70, os primeiros resultados do estudo indicavam que a mortalidade por câncer de mama entre as mulheres submetidas a repetidos exames de mamografia foi menor do que a de mulheres que não fizeram a mamografia. Na última publicação, após um acompanhamento de mais de 10 anos, os pesquisadores mostraram que a realização de mamografia em intervalos regulares foi associada a uma redução de 30% no risco de morte por câncer de mama. Os resultados desse importante estudo levaram à realização de diversos estudos randomizados nos Estados Unidos e na Europa, que confirmaram o benefício do rastreamento com mamografia na redução do risco de morte por câncer de mama.

Uma questão que gerou muito debate inicialmente era a idade ideal para início do rastreamento. Além de dúvidas quanto ao benefício do rastreamento para mulheres com idade de 40 a 49 anos, suspeitava-se de que em mulheres jovens a mamografia poderia trazer mais riscos pela radiação (lembrando que é um exame de radiografia). No entanto, diversos estudos evidenciam o benefício do rastreamento também nessa faixa etária, e não existem dados que indiquem um risco aumentado pela realização do exame em mulheres jovens.

No congresso anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) de 2022, um importante estudo foi apresentado, evidenciando a contribuição da mamografia e dos tratamentos para o câncer na redução do risco de morte por câncer de mama. Foi analisado um período de quase 20 anos, sendo observado que o rastreamento que a mamografia, na medida em que possibilita o diagnóstico precoce do câncer, foi associado a uma redução de aproximadamente 31% no risco de morte por câncer de mama. Quando consideramos mulheres que tem acesso aos mesmos tratamentos, sabemos que a maior parte das mortes por câncer de mama ocorre entre as mulheres que não faziam rastreamento. Isso deixa claro que tratamentos mais eficazes atuam em conjunto com o diagnóstico precoce, pela mamografia, para aumentar as taxas de cura do câncer de mama.

No Brasil, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério da Saúde recomenda que o rastreamento com mamografia seja realizado a cada dois anos para mulheres com idade entre 50 e 69 anos. Tal recomendação é feita do ponto de vista de saúde pública e se baseia no fato de que essa faixa etária é a que apresenta maior benefício. Isso, porém, não significa que não há benefício do rastreamento em mulheres com idade de 40 a 49 anos. Alguns estudos, inclusive, sugerem benefício semelhante ao de mulheres mais velhas. Considerando esse benefício, e o fato de que temos observado aumento da incidência de câncer de mama em mulheres com menos de 50 anos, a Sociedade Brasileira de Mastologia recomenda que o rastreamento seja iniciado aos 40 anos de idade, e que o exame seja feito anualmente. Já existe um Projeto de Decreto Legislativo (número 679/2019) que propõe assegurar a realização da mamografia de rastreamento para as mulheres a partir dos 40 anos, no Sistema Único de Saúde (SUS). O projeto já foi aprovado no Senado Federal e, atualmente, aguarda o parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados.

Por fim, algumas palavras sobre o uso dos demais exames de imagem no rastreamento do câncer de mama. O ultrassom de mamas não é considerado um método adequado para rastreamento do câncer de mama, mas pode ser utilizado como exame complementar quando a mamografia é suspeita ou quando a mulher tem mamas muito densas. Além disso, o ultrassom permite a realização da biopsia da lesão suspeita. A ressonância magnética (RNM) das mamas tem seu principal papel no rastreamento de câncer de mama em mulheres com alto risco de desenvolvimento da doença, como por exemplo em mulheres portadoras de mutações genéticas de alto risco para câncer de mama. Nesses casos, a RNM é utilizada em conjunto com a mamografia.

 

 

Leonardo Silva é oncologista formado pela Universidade Federal de Minas Gerais. É Mestre e Doutor em Oncologia Mamária e membro do Grupo SOnHe. Atua no Caism/UNICAMP, no Radium – Instituto de Oncologia, no Hospital Santa Tereza, no Hospital Madre Theodora e no Hospital PUC-Campinas

Redação

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