Os resultados do tratamento do câncer ósseo podem ser melhorados significativamente com a adoção de medidas simples no âmbito da assistência primária à saúde. Por se tratar de um conjunto de doenças muito agressivas, a redução do tempo decorrido entre o início dos sintomas e o início do tratamento é um fator de enorme impacto nos índices de cura.
Para reduzir o tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico é imprescindível que, tanto o paciente quanto o médico do sistema básico de saúde, tenham alto grau de suspeição. Mas só é possível suspeitar de câncer ósseo quando se conhece os sintomas.
O câncer ósseo é bastante raro – representa apenas 1% do cânceres em geral – e por isso, os sintomas podem ser confundidos com outras afecções mais comuns. O recomendado é que os pacientes que tenham dor óssea por tempo prolongado, acima de 2 semanas, não relacionadas a traumatismos recentes na mesma região e que, eventualmente, esteja acompanhada de aumento de volume, procurem assistência médica. O médico, por sua vez, frente a um quadro de dor óssea atípica e persistente, acompanhada de aumento de volume ou não, deve solicitar uma radiografia. A identificação precoce de uma lesão óssea terá enorme impacto na evolução deste paciente.
O próximo passo é confirmar o diagnóstico. Ao contrário de outros cânceres, uma suspeita consistente de tumor ósseo pode e deve ser encaminhada a um centro de referência em Oncologia Ortopédica, antes mesmo de solicitar um exame mais específico, como uma ressonância magnética ou uma biópsia. Isto porque o mal posicionamento da biópsia pode comprometer uma eventual cirurgia e a ressonância deve sempre ser feita antes da biópsia. Nos centros de referência, a realização destes exames é muito mais rápida e precisa, encurtando o tempo para o início do tratamento e aumentando a precisão do diagnóstico.
Então, surge a dúvida de quais são estes centros de referência em Oncologia Ortopédica. Um levantamento feito entre 2008 e 2019, com base em dados do DataSUS, identificou 59 centros com maior volume cirúrgico de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), nos diversos estados brasileiros. O levantamento considerou os códigos relativos a hemipelvectomias (ressecções parciais do osso da bacia) e ressecções de tumores ósseos, por se tratarem de cirurgias tipicamente desta especialidade. Estes centros dispõem de todos os recursos necessários para o diagnóstico e tratamento.
O levantamento é o produto de uma dissertação de mestrado e, durante sua realização, surgiu a ideia de visitar esses centros e conhecer melhor o funcionamento de cada um deles. Como presidente da Associação Brasileira de Oncologia Ortopédica (ABOO), iniciamos o projeto ABOO Vista, em maio de 2022. Já visitamos 41 centros em 23 cidades nos estados de Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Amazonas, Pará, Maranhão e Piauí. Esperamos que até março de 2023 possamos visitar os que ainda faltam no estado de São Paulo e nas regiões Centro-Oeste e Nordeste.
Existem basicamente dois perfis de instituições. Um é formado por hospitais ligados à universidades e são essencialmente públicos, mas, eventualmente, também atendem pacientes de convênios e particulares. O outro é formado por hospitais oncológicos filantrópicos que atendem exclusivamente ou majoritariamente pacientes do SUS. Também foram visitados alguns hospitais ligados a convênios médicos e hospitais privados.
Apesar das enormes dificuldades de financiamento devido à defasagem do repasse de verbas do Ministério da Saúde, a grande maioria desses centros encontrou alternativas que permitiram a ampliação das instalações e a aquisição de equipamentos. Na esmagadora maioria dos casos, encontramos hospitais com instalações aconchegantes e bem equipados, muito diferente daquele estereótipo de hospitais públicos sucateados que frequentemente vemos na mídia. Além disso, tivemos a grata oportunidade de conversar com vários gestores, tão entusiasmados com o sistema público de saúde quanto eu.
Os 69 membros da ABOO nos receberam com muita alacridade e cordialidade e, além de nos mostrar as instalações, puderam nos contar quais as dificuldades que encontram no atendimento aos pacientes e apresentar sugestões. Chamou-nos a atenção a recorrência de algumas situações. Apesar dos sistemas estaduais de regulação, responsáveis pelo encaminhamento dos pacientes para os centros de referência, muitos pacientes chegam tardiamente com tumores de grandes dimensões e, eventualmente, com doença disseminada para outros órgãos. E este atraso não se deve à oferta de vagas para atendimento, pois todos os centros têm capacidade ociosa e poderiam atender um volume maior de pacientes. O problema, na verdade, está na demora do paciente em procurar o sistema de saúde ou do médico da rede básica em identificar o problema e encaminhar o caso de forma correta. Esta constatação nos estimula ainda mais em transformar o “ABOO Visita” em uma grande campanha de conscientização sobre o câncer ósseo e informar a forma mais eficaz de conduzir esses casos.
Os centros de referência em Oncologia Ortopédica tem uma particularidade: a multiprofissionalidade. Nada se faz sozinho, o atendimento é sempre feito em equipe. O diagnóstico depende do oncologista ortopédico, do patologista e do radiologista. Já o tratamento conta com o oncologista ortopédico, que faz a cirurgia, o oncologista clínico para adultos ou o oncologista pediátrico para crianças e, eventualmente, o radioterapeuta. Há, ainda, a participação de equipes multiprofissionais que envolvem fisioterapeutas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e enfermeiros que participam no cuidado ao paciente.
O câncer ósseo é raro, mas existe! Dor óssea persistente precisa de radiografia. Se a radiografia surpreende alguma alteração, encaminhe o paciente para um Oncologista Ortopédico. O Oncologista Ortopédico e sua equipe tem os melhores recursos para fazer o diagnóstico e tratar adequadamente o seu paciente.
Edgard Engel é presidente da Associação Brasileira de Oncologia Ortopédica (ABOO)