Em meio à crise do Coronavírus, os estoques de bancos de sangue estão reduzidos e cirurgias eletivas, aquelas sem muita urgência, estão sendo postergadas. No entanto, algumas cirurgias emergenciais que necessitam transfusões de sangue, caso de traumas, alguns transplantes, cirurgias cardiovasculares e cirurgias para pacientes em tratamentos oncológicos não podem ser adiadas. Felizmente, isso não é motivo para pânico. Uma das técnicas de autotransfusão, também conhecida como recuperação de sangue intraoperatório,permite que o próprio sangue “perdido” pelo paciente durante a cirurgia seja processado e retransfundido, evitando-se assim, as transfusões de sangue de doadores e as suas possíveis complicações e reações adversas.
“Nas cirurgias onde os pacientes têm risco de perda sanguínea prevista, a utilização do equipamento de autotransfusão é o mais indicado”, afirma o cirurgião Walter Gomes, professor titular de cirurgia cardiovascular da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo, e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular SBCCV. “Não estou falando que a técnica deva ser utilizada apenas em casos de possível falta de sangue nos bancos de sangue ou devido ao pânico que a infecção por sangue contaminado por Coronavírus ou outras doenças infectocontagiosas poderiam gerar”, ele afirma. “A autotransfusão deve ser utilizada sempre, pois o próprio sangue perdido pelo paciente durante a cirurgia é processado e reinfundido no paciente, evitando qualquer infecção que possa não ter sido detectada nos testes e triagem dos doadores de sangue. Além disso, a relação custo-benefício é muito melhor, mesmo sem contar que a utilização de sangue doado pode, eventualmente, causar várias complicações, como problemas pulmonares e renais, e a recuperação do paciente com a autotransfusão é melhor e mais rápida. É uma pena que muitos planos de saúde não percebam o potencial benefício ao paciente e não cubram a utilização da técnica, e acabam tendo muito mais custos no final”, ele completa.
Para o Dr. Sérgio Domingos Vieira, vice presidente médico do grupo GSH, que atende inúmeros hospitais em todo o Brasil, o paciente deve discutir essa técnica com a equipe cirúrgica e optar pelas instituições que a utilizam. “Não existe transfusão com sangue doado com risco zero, mesmo com todas as triagens sorológicas feitas nos bancos de sangue. “A maioria dos pacientes desconhecem as vantagens da autotransfusão, e muitos nem sabem que a técnica foi utilizada na sua própria cirurgia”, ele afirma. Segundo ele, em época de dúvidas em relação à triagem do sangue em relação à presença do coronavírus e ao próprio desabastecimento dos bancos de sangue, a utilização da autotransfusão é ideal. “Na nossa rede utilizamos há bastante tempo a autotransfusão, e atualmente estamos utilizando o equipamento mais moderno que existe hoje em dia, o sistema Xtra, bastante intuitivo e fácil de usar, e que ainda tem a vantagem de ter as instruções em português”, ele afirma.
Solange Pais Messias trabalha como representante de autotransfusão na região de Campinas e teve de ser submetida à uma cirurgia cardíaca em julho de 2018. Para a realização de sua cirurgia ela escolheu a equipe do cirurgião cardíaco Dr. Orlando Petrucci Junior, pois sabia que esse médico utiliza autotransfusão em praticamente todos os seus pacientes. A cirurgia da Solange teve duração de cerca de 5h e foram recuperados 695mL de seu sangue, o equivalente a quase 3 bolsas de sangue. “O uso do meu próprio sangue me deu muito mais segurança em realizar a cirurgia e minha recuperação foi muito rápida. Minha preocupação se restringiu à cirurgia em si, e não a complicações que poderia ter tido relativas a utilização de sangue doado. Hoje não sinto mais nada, a cirurgia foi um sucesso!”
Vantagens da autotransfusão
- Segurança: a autotransfusão é segura e eficiente, pois reduz o risco de infecções, já que muitas vezes nem todas as infecções do sangue doado são detectadas; ela evita problemas de compatibilidade sanguínea, já que o sangue utilizado é do próprio paciente.
- Disponibilidade: imediata disponibilidade do próprio sangue, já que em poucos minutos o sangue recuperado é processado e retornado ao paciente, mesmo para pacientes sensibilizados (presença de anticorpos) ou com tipos raros de sangue.
- Bom custo-benefício: reduz a demanda por sangue doado e suas sorologias para doenças transmissíveis de alto custo, e consequentemente a utilização da autotransfusão tem custo inferior ao da transfusão com sangue estocado de bancos de sangue.
Como é feita a autotransfusão durante uma cirurgia?
A Recuperação Intra-operatória de sangue é feita por meio de um equipamento automatizado de autotransfusão específico para este fim. O sangue é aspirado do campo cirúrgico e enviado para a máquina onde são recuperados e concentrados os glóbulos vermelhos (componente mais importante de sangue: células responsáveis por levar oxigênio aos tecidos). O sangue recuperado é então automaticamente lavado para eliminar fragmentos de células rompidas, substâncias nocivas presentes no plasma, fármacos e o anticoagulante que precisa ser utilizado para utilização do equipamento. Após a lavagem, o sangue está pronto para ser reinfundido no paciente.
Ciclo do Processamento do Sangue
Aspiração: o sangue é aspirado do campo cirúrgico, simultaneamente misturado à solução de anticoagulante e estocado temporariamente no reservatório.
Preenchimento / Prime: o sangue é bombeado do reservatório para o bowl (recipiente de centrifugação). Os componentes do sangue são separados, as hemácias são concentradas e o sobrenadante é descartado.
Lavagem / Wash: lavagem das hemácias com soro fisiológico. Eliminação de fatores de coagulação ativados, hemoglobina livre no plasma, contaminantes, debris etc.
Esvaziamento / Empty: envio do concentrado de hemácias lavadas do bowl para a bolsa de reinfusão.
Reinfusão :o sangue que foi encaminhado a essa bolsa é transfundida na sala cirúrgica, repondo assim, a massa eritrocitária do paciente.
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