Burnout e Boreout: Síndromes têm desafiado lideranças e liderados dentro dos hospitais

Por Thais Martins

Os altos índices de absenteísmo, afastamentos, aposentadorias precoces, atestados, erros e processos trabalhistas são sintomas de um sistema que está entrando em colapso. E mais do que compreender o cenário, o dia a dia das empresas tem cobrado de seus gestores uma postura cada vez mais ativa na condução do protagonismo individual de seus liderados, responsabilizando-os pelos resultados, sem distanciá-los de suas metas profissionais e pessoais.

De acordo com o professor Marcelo Boeger, Mestre em Planejamento Ambiental e em Gestão da Hospitalidade, sócio consultor da Hospitallidade Consultoria, o trabalho não deveria ser somente uma forma de se obter renda, mas uma atividade que proporcionasse desenvolvimento e realização pessoal.

Marcelo Boeger, Mestre em Planejamento Ambiental e em Gestão da Hospitalidade, sócio consultor da Hospitallidade Consultoria

“É através do trabalho que os indivíduos se desenvolvem, estabelecem e mantêm contatos pessoais, status social, vínculos afetivos, ocupação do tempo, propósito pessoal, dentre outros. As instituições de saúde não têm como deixar de olhar para seus profissionais de forma cuidadosa, pois a forma com que são tratados seguramente afetará o modo com que tratam os clientes finais”, alerta Boeger.

Maria de Lourdes Neves, Gerente de Recursos Humanos do Grupo de Apoio ao Adolescente e Criança com Câncer (GRAAC), enfatiza a importância de um bom ambiente de trabalho na rotina dos colaboradores. “O profissional engajado, comprometido, que gosta do que faz e é conectado com o propósito da instituição estabelece uma relação amistosa com os pacientes, acompanhantes e seus colegas de trabalho, impactando diretamente na experiência do paciente”.

Embora os gestores por vezes dediquem muito tempo traçando estratégias em busca de fortalecer a experiência do paciente, o que se percebe é que a cultura organizacional tem feito mesmo a diferença na satisfação da jornada do cliente/paciente dentro dos hospitais. Uma pesquisa realizada entre os colaboradores do GRAAC demonstra isso. Nela, 93% dos respondentes relatam o orgulho em pertencer à instituição, portanto a causa já se faz presente entre os profissionais do grupo em suas diversas áreas.

Maria de Lourdes Neves, Gerente de Recursos Humanos do GRAAC

Segundo a psicóloga Rita de Cássia Calegari, Coordenadora de Gestão Pessoas da iCareGroup, se não dermos credibilidade a cultura e ao clima organizacional dificilmente as estratégias de fortalecimento da experiência do paciente serão sustentáveis. “Quanto mais contato com o usuário de um serviço tem um profissional, mais impacto esse profissional tem com o resultado relacionado à jornada do cliente dentro de um estabelecimento”, completa.

Excesso x desinteresse: é possível encontrar o equilíbrio?

Temos ouvido muito sobre “demissão silenciosa”, redução das tarefas ao limite das atribuições mínimas, sem se envolver nas dinâmicas de alta performance, mas que nada mais é do que o já conhecido “Boreout”.

Marcelo Boeger explica que o Boreout é resultado de um distanciamento do colaborador com o trabalho, seja por não ver mais sentido naquela ocupação, não ver propósito no que faz ou mesmo por se sentir “super qualificado” para aquelas tarefas e não se identificar mais com aquilo que a empresa desenvolve ou produz. “O profissional também se sente pouco valorizado pelo baixo salário que recebe quando comparado com o potencial que imagina ter, se frustrando por ter que se submeter a atividades tão pouco desafiadoras e sem perspectiva de crescimento no curto prazo. O modelo de liderança tradicional, fundamentado em modelos de gestão de comando e controle, já não atende mais às demandas dos tempos atuais e exige urgente reformulação. Tanto o Burnout como o Boreout são temas que devem ser monitorados pela liderança, pois afetam diretamente a qualidade e a produtividade”, enfatiza.

Até bem pouco tempo atrás se falava muito nos workaholic, ou viciados em trabalho, hoje se fala sobre a insatisfação com o trabalho. Os extremos adoecem. Mas e o equilíbrio, será que é mesmo possível?

Para a Gerente de RH Maria Rita, sim. Para ela, o equilíbrio entre vida pessoal e profissional advém de três importantes pilares: “a instituição, responsável por estruturar o ambiente, identificar suas nuances pela pesquisa de clima organizacional e proporcionar um ambiente saudável de trabalho tanto físico como mental; a liderança imediata, responsável por gerenciar os processos e as relações, garantindo divisões de trabalho equilibradas, transparentes e produtivas; e o profissional, responsável pelo equilíbrio entre o profissional e o pessoal”, que completa também que “é importante ter clareza de propósito e objetivo de vida, para que atingi-lo de forma saudável”.

Rita de Cássia Calegari, psicóloga e coordenadora de Gestão Pessoas da iCareGroup

Já para a psicóloga Rita Calegari, por mais que busquemos o equilíbrio, insistimos nos extremos. “Os movimentos sociais por vezes lembram pêndulos, que saem de um ponto para seu oposto. O objetivo é o equilíbrio, mas o movimento é polarizado. Parece que funcionamos assim enquanto humanos. O lado bom desse processo é que aprendemos como ‘não ser’. O lado ruim é que ainda não chegamos num consenso em ‘como ser’”, afirma. Ela completa: “Dentro de uma empresa todos fazem a gestão de pessoas, pois ela é um organismo vivo e sua cultura chega antes do chefe chamar na sala. Sempre! Obviamente que há papéis e responsabilidades específicos para o RH e lideranças, mas enquanto enxergarmos a gestão de pessoas como algo restrito a uma atribuição jamais teremos como resultado o comprometimento”.

Sob este mesmo ponto de vista, Boeger faz um convite à reflexão e a ação: “As lideranças e a própria organização devem revisitar alguns pontos cruciais para que possam tornar mais claras as expectativas do trabalho a ser realizado e as atribuições durante todo tempo que o profissional atuar na empresa. Principalmente na chegada de novos talentos. Uma delas, sem dúvida, é um bom processo de integração (onboarding). Conhecer a cultura organizacional, perceber como suas habilidades serão utilizadas e respeitar as diferenças não pode ser apenas um discurso”, acrescenta.

Para concluir, ele considera que “trabalhar tendo um propósito maior que a tarefa executada gera um senso de contribuição fundamental para desejar prosseguir e acertar. Em um momento em que a experiência do cliente tem sido tão valorizada, ressignificar as tarefas e gerar pertencimento e engajamento devem ser estratégias contínuas da organização, desde o recrutamento até a seleção. Estratégias essas que não terminam com a contratação, mas continuam a existir continuamente durante toda a carreira”.

Redação

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