O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) concluiu, nesta segunda-feira (22), o relatório de fiscalização do Hospital Municipal de Campanha do Anhembi. A segunda etapa da fiscalização envolvendo o hospital foi feita em área administrada pela Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM).
A fiscalização, realizada em 17 de abril de 2020, no Palácio do Anhembi, teve como objetivo avaliar os fluxos de atendimento aos pacientes com a Covid-19, verificar a responsabilidade técnica do Hospital, obter a lista do corpo clínico, avaliar os leitos por complexidade, avaliar o sistema de regulação, bem como solicitar cópia dos prontuários dos casos de óbito.
Planejada para internar pacientes de baixa risco, esta parte do hospital deveria oferecer 310 leitos, sendo 294 de baixa complexidade (monitorização respiratória) e outros 16 leitos de estabilização (para atendimento de casos com piora clínica até a transferência para uma UTI).
Durante a vistoria, o Cremesp observou 58 pacientes internados em leitos de enfermaria e um paciente em leito de estabilização (intubado, em ventilação mecânica). A ocupação, naquela data, era de cerca de 19%, porém nem todos os leitos do hospital se encontravam ativos.
Para Irene Abramovich, médica e presidente do Cremesp, o que foi verificado nesta fiscalização só confirma que o Hospital de campanha do Anhembi oferece risco não só aos pacientes como também a toda equipe de atendimento, que luta diariamente no local para salvar vidas.
“As regras e orientações para o atendimento seguro em unidades de saúde, principalmente no combate à pandemia de Covid-19, são muito claras e as autoridades, assim como os responsáveis técnicos não podem fechar os olhos para estas irregularidades. O momento é de muita responsabilidade, pois estamos lidando com uma doença nova para a qual ainda não foi encontrada uma cura e o número de mortes continua em ascensão. Ainda assim, médicos e profissionais de saúde lutam bravamente, mesmo sem condições adequadas de trabalho para atender à população”, comenta.
Assim como na fiscalização anterior realizada na área gerida pelo IABAS, foram encontradas diversas irregularidades na infraestrutura, no respeito a protocolos e normas técnicas, no fornecimento e utilização de EPIs, dentre outros.
Alto risco de contaminação
– local para paramentação e desparamentação dos profissionais de saúde é inapropriado, pois não oferece espaço mínimo regulamentar de 1,5 metro entre pessoas;
– climatização é única para todas as enfermarias, utilizando o sistema de refrigeração original do palácio do Anhembi, sem comprovação de adaptações para minimizar o risco biológico ou a recirculação de ar;
– área vermelha (com alto risco de contaminação) com acesso irrestrito às demais áreas de menor risco como a enfermaria (onde há pacientes não confirmados), áreas técnicas e conforto médico;
– uso compartilhado de equipamentos como aparelho para aferir a pressão arterial, estetoscópio e termômetro, sem identificação de protocolo de higienização após o uso entre pacientes diferentes;
– sem separação adequada de casos suspeitos e confirmados para Covid-19;
– falta de resultado do exame da Covid-19 nos pacientes internados;
– descarte inadequado dos macacões como resíduos infectados após cada procedimento e após sair da área vermelha (estabilização de casos graves).
Ambientes de internação mal equipados
– ambientes sem lavatório para as mãos;
– leitos improvisados não reguláveis, sem grades laterais com grande risco de queda e sem rodízios;
– faltam oxímetros com alarme e monitorização para sinais de desconforto respiratório.
Desrespeito a protocolos e normas técnicas
– a limitação dos testes e da obtenção dos resultados, de acordo com os médicos ouvidos, também dificulta o isolamento correto dos pacientes internados, entre suspeitos e confirmados para Covid-19;
– incapacidade do serviço para testagem rápida dos pacientes (apesar da obrigatoriedade de coleta prévia de amostras para exames de Covid-19, apenas dois dos 59 pacientes internados tinham resultados liberados;
– fluxo cruzado de funcionários entre as áreas de maior e menor risco, com os mesmos aventais favorecendo a contaminação;
– não foram encontradas evidências de notificação das internações de pacientes suspeitos ou confirmados no endereço eletrônico notifica.saude.gov.br;
– não foi relatado plano de contingência, em caso de incêndio, nem treinamento de brigadas e alvará do corpo de bombeiros;
– rede elétrica precária e exposta, próxima a rede de gases, com alto risco de acidentes e possibilidade de incêndios;
– salas de estabilização não têm janelas nem ventilação adequada, nem sistema de isolamento respiratório com pressão negativa ou filtro HEPA (filtro de alta eficiência para a separação de partículas do ar), contrariando nota técnica da Anvisa;
– não identificada a separação clara das equipes de atendimento, também contrariando norma da Anvisa, que normatiza que cada profissional só pode trabalhar em um setor.
EPI e equipamentos médicos
– funcionários do hospital usavam a mesma máscara N95 por 15 dias (contrariando às normas de uso, em que o máximo de tempo de uso permitido para este tipo de máscara são 7 dias) e após o turno levavam para suas residências, contrariando o protocolo do Ministério da Saúde;
– equipe paramentada com avental descartável inadequado (gramatura 20), quando o EPI recomendado é o avental impermeável de gramatura 30, no mínimo;
– equipe de atendimento sem a troca correta dos EPIs, para deslocamento entre áreas, possibilitando a transmissão de pacientes confirmados para suspeitos, por meio dos profissionais;
– médicos relataram ainda que tinham dificuldade para obter aventais e óculos apropriados.
Conforto médico
– local com alto risco de contaminação, pois não é isolada do ar que circula na área vermelha, não havendo segurança para o descanso profissional no local sem o uso de EPI, aumentando, além do risco de contágio, o estresse e o desconforto dos profissionais;
– não há camas para o descanso entre os plantões. Médicos relataram que descansam em camas de enfermarias vazias ou seja, em área contaminada.
Sindicâncias
Diante do resultado desta fiscalização, o Cremesp abriu sindicância para apurar a responsabilidade dos médicos responsáveis e, dada a urgência das providências necessárias, comunicou a Secretaria Municipal de Saúde e enviou ofício ao Ministério Público e à Anvisa. As sindicâncias dentro do Cremesp tramitam sob sigilo.
Denúncias e orientações
O Conselho tem realizado fiscalizações por todo o Estado e criou canais exclusivos, para receber denúncias e orientações em relação à pandemia de Covid-19: (11) 98286-3722 (Whatsapp) e covid-19@cremesp.org.br (e-mail). Além disso, desde o início da pandemia em São Paulo, o Cremesp tem disponibilizado conteúdos técnicos online, disponíveis em seu canal no YouTube e no hotsite covid-19.cremesp.org.br, atualizado diariamente e com informações e orientações voltadas aos médicos e profissionais da saúde, sobre a Covid-19.
Para saber mais sobre a fiscalização no hospital de campanha do Anhembi, acesse www.cremesp.org.br/?siteAcao=NoticiasC&id=5641