O que era para ser o momento mais feliz da vida de Rejane e José Carlos se tornou uma angústia que veio a perdurar por quase duas décadas. Apenas 12 horas após nascimento de seu filho, João Pedro, o recém-nascido teve um episódio de hipoglicemia severa, que, inicialmente, foi apontada como causa das sequelas neurológicas. A família não percebeu naquele momento, mas estava prestes a embarcar em uma longa jornada para um diagnóstico correto.
“Eu imaginava que a hora que firmassem a causa, ia haver um tratamento e o João ia conseguir firmar o tronquinho, falar e andar. Isso era o que me motivava na busca incessante do nome dessa doença”, conta Rejane, mãe de João Pedro.
Os pais notavam que os movimentos do filho eram lentos e que ele apresentava atraso cognitivo, quase nenhuma capacidade motora e baixa força muscular. Rejane e Jose ainda não sabiam o que havia de errado. Eles visitaram muitos profissionais de saúde e fizeram vários exames que sempre retornaram com resultados normais.
“Um dos neurologistas em que o levamos nos disse que deveríamos cuidar bem dele, entender o que o faz feliz e isso tem sido determinante”, revela a mãe.
Na constante busca, a família encontrou Dr. Helio Van Der Linden, especialista em neuropediatria, que proporcionou ao João, agora com 9 anos, acesso a tratamentos como o uso da ventilação mecânica não invasiva, possibilitando um suporte ventilatório adequado e com qualidade de vida.
O diagnóstico chegou uma década depois. Estudando doenças raras, o médico identificou em João, agora adolescente, sinais de deficiência da descarboxilase dos aminoácidos L-aromáticos, a deficiência de AADC. Para confirmar o diagnóstico, o Dr. Van Der Linden realizou um teste genético, que comprovou as suspeitas do especialista.
A deficiência de AADC é um distúrbio de início precoce causado por uma falha na síntese dos neurotransmissores serotonina, dopamina, norepinefrina e epinefrina, descoberto recentemente, em 19901,2. Pode levar a hospitalizações frequentes e à necessidade de cuidados permanentes. Atualmente, não há cura para a enfermidade. Por se tratar de uma doença genética ultrarrara, de herança autossômica recessiva, seu diagnóstico pode ser confirmado pela identificação de mutações nos dois alelos do gene DDC1.
Os sintomas da deficiência de AADC são muito parecidos com os de outras doenças. Os mais frequentes são: atraso global do desenvolvimento neuropsicomotor, como incapacidade para caminhar, engatinhar e falar; hipotonia, que é uma flacidez da musculatura, sobretudo no tronco, também conhecida como bebê molinho; crises oculógiras, nas quais ocorre desvio sustentado do olhar, geralmente para cima e/ou para os lados; transtornos do movimento, como movimento de “torção” dos membros ou pouca movimentação espontânea; sintomas disautonômicos, reconhecidos por suor excessivo, palidez, alteração dos batimentos cardíacos, instabilidade da temperatura corporal e congestão nasal; além de problemas digestivos, comportamentais e alimentares3.
“A deficiência de AADC é considerada uma doença ultrarrara. Contudo, por conta do subdiagnóstico, muito mais pessoas e famílias devem se deparar com essa realidade sem saber. Por isso, se faz necessário o alerta”, explica o médico.
Teste genético e diagnóstico
“O caso do João Pedro foi o segundo que eu suspeitei da necessidade do teste, que é solicitado quando acreditamos se tratar de uma doença rara. Os testes genéticos podem rastrear milhares de alterações por meio de uma pequena amostra de pele, sangue ou até mesmo de saliva e de células internas da bochecha”, conta Dr. Helio Van Der Linden.
Ainda segundo o especialista, a amostra é enviada para um laboratório especializado em testes genéticos. Os resultados são devolvidos ao médico solicitante, que o valida com mais um profissional. “Primeiramente, fazemos o teste da 3-OMD, um rastreio sanguíneo do produto catabólico da L-dopa que se acumula em indivíduos com deficiência de AADC, em papel filtro e, após comprovada a alteração, realizamos, automaticamente, o teste genético”, esclarece.
Quanto antes a doença for diagnosticada, maiores são as chances de controlar a doença e oferecer mais qualidade de vida ao paciente. “Por isso, é essencial que os pais e cuidadores da criança procurem um médico especialista ao perceberem quaisquer alterações. Assim, o paciente poderá ser encaminhado para a realização de exames de investigação diagnóstica e receber o tratamento adequado”, ressalta Dr. Linden.
Existem alguns programas que servem como apoio ao médico e oferecem o teste genético de forma gratuita, facilitando a busca por um diagnóstico final. Um exemplo é o Programa Movimente, disponível no laboratório Mendelics, especializado no Sequenciamento de Nova Geração (New Geration Sequencing – NGS). Desenvolvido em parceria com a PTC Therapeutics, biofarmacêutica global, o programa oferece, sem custo, um painel genético que inclui 90 genes relacionados a distúrbios do neurodesenvolvimento e do movimento que começam na primeira infância, mas que, sem acesso às ferramentas adequadas, permaneceriam sem diagnóstico por anos. Entre eles, a deficiência em AADC, diagnosticada em João Pedro.
Segundo o neuropediatra Prof. Fernando Kok, diretor médico do Mendelics, o Programa Movimente é uma oportunidade de oferecer acesso gratuito a exames genéticos de última geração que podem ajudar a encurtar o diagnóstico de doenças raras desconhecidas e, assim, começar os tratamentos disponíveis mais rapidamente. “Existem muitas doenças raras. E algumas ainda são difíceis para diagnosticar e, frequentemente, se confundem com outras desordens mais conhecidas. Ao fornecer um painel sem custo focado nesses distúrbios, contribuímos muito para a detecção de várias doenças, como a deficiência de AADC”, explica.
Para ter acesso ao Programa, o médico deve enviar um e-mail para contato@mendelics.com.br informando o desejo de participar, com as informações profissionais.
Para Rejane, a história de João pode ajudar outras crianças. “Por meio do João, Deus nos ensinou a dar valor para as pequenas coisas. Eu posso não ver ele se formar ou andar, mas o João tem asas. Ele tem voado. E se a gente puder deixar alguma experiência para aqueles que virão e ser um caminho de esperança para mais crianças e famílias, valeu a pena”, finaliza Rejane.
Referencias:
1,3 O que é AADC? oqueeaadc.com.br/o-que-e-aadc/sintomas-aadc
2 Himmelreich N, et al. Aromatic amino acid decarboxylase deficiency: Molecular and metabolic basis and therapeutic outlook. Mol Genet Metab. 2019;127(1):12-22.