O ano de 2017 foi aquele em que o maior surto de febre amarela em tempos recentes assolou a região Sudeste do Brasil: entre julho de 2016 e junho de 2017 foram confirmados 777 casos da doença, dos quais 261 óbitos. Desde início de 2018, o Ministério da Saúde já notificou 1.080 casos suspeitos, sendo 213 já confirmados e 81 fatais. Mas, o que esperar da febre amarela em 2018, principalmente no período do Carnaval?
O médico infectologista da Seção de Epidemiologia Hospitalar do Hospital de Clínicas da Unicamp, Rodrigo Angerami, acaba de escrever o texto “Febre amarela em 2018: fatos, dúvidas e perspectivas em resenha” para a Sociedade Brasileira de Infectologia. Angerami diz que houve, engano, ingenuidade ou algum grau de conveniência daqueles que declararam, em 2017, que o surto de febre amarela estava encerrado.
“A transmissão em 2017 não foi interrompida; pior, a circulação do vírus passou a ser observada em novas áreas, agora, ainda mais densamente povoadas, urbanizadas e com um contingente de milhões de pessoas susceptíveis”, comenta Angerami.
A febre amarela – a despeito do elevado potencial de gravidade da doença e dos riscos de urbanização – dentre as arboviroses de maior “notoriedade” no país – a listar a dengue, Zika e chikungunya – seria aquela, em teoria, “mais simples” de ser enfrentada no âmbito de saúde pública pelo uso de uma vacina com eficácia bem estabelecida.
Segundo Angerami, as magnitudes dos surtos atuais de febre amarela estarão intrinsecamente vinculadas à capacidade de se imunizar, em período relativamente bastante curto de tempo, milhões de pessoas ainda não-imunes e potencialmente expostas às, cada vez mais extensas, áreas de transmissão.
“Após o Carnaval, a depender do quão protegidos ou não estarão os milhares de pessoas que se deslocarão Brasil afora nesse período, novos casos potencialmente contribuirão não apenas para inflar as estatísticas, mas para uma eventual – ainda que remota, hipotética como postulam alguns – dispersão do vírus em território nacional”, alerta Angerami.
Por vários anos, diversas foram as discussões sobre a incorporação ou não, gradual ou imediata, da vacinação de rotina contra febre amarela em todo território nacional. Se por um lado a expansão da circulação sustentava a proposta defendida por muitos da ampliação das áreas de recomendação, por outro lado, a limitação do número de doses e os riscos de eventos adversos graves – incluindo-se, sobretudo, óbitos por doença viscerotrópica – eram colocados como os principais argumentos contrários ou entraves à vacinação universal.
“O que se tem em 2018 são surtos que se estendem desde 2017 e devem ser enfrentados. Vacina, existe. Doses suficientes, não. Alternativas, há. E o fracionamento de doses é a única alternativa – ainda que circunstancial – para o momento”, diz Angerami.
Para o infectologista da Unicamp, a Universidade deve continuar a exercer seu protagonismo no esclarecimento isento da população, na assistência de qualidade aos pacientes, na discussão e elaboração de protocolos e diretrizes clínicas, na participação da formulação de políticas públicas e, sobretudo, na produção de conhecimento científico de ponta, seja em relação à febre amarela – cuja história certamente não se encerrará em 2018 -, seja frente aos desafios vindouros.
“Parafraseando Mário de Andrade, em seu livro Macunaíma, de 1928, posso dizer uma vez que ‘Inda tanto nos sobra, por este grandioso país, de doenças e insectos por cuidar!’”, finaliza Angerami.