O estudo DARE-19, coordenado pela Academic Research Organization (ARO) do Einstein, em parceria com o St Luke’s Hospital (em Kansas City, nos EUA) e a ARO internacional George Clinical , além da AstraZeneca, que apoiou o estudo financeiramente, avaliou o possível efeito da dapagliflozina (Forxiga) na prevenção de mortes e de disfunções orgânicas graves e também na recuperação clínica de pacientes com pneumonia causada pela Covid-19 e que tinham algum risco cardiometabólico, o qual envolve condições comodiabetes, hipertensão, doença aterosclerótica, insuficiência cardíaca e/ou doença renal crônica. Esses pacientes têm cinco vezes mais o risco de mortalidade por Covid-19 em relação à população em geral. Os resultados da pesquisa foram publicados nesta quarta (21) no periódico científico de alto impacto The Lancet Diabetes & Endocrinology.
Apesar de a proteção observada pela droga não ter sido considerada significante do ponto de vista estatístico, a grande contribuição da pesquisa foi a de mostrar que pacientes que já utilizam a medicação, especialmente aqueles com diabetes, podem manter o tratamento durante a hospitalização por Covid-19. O medicamento, que é capaz também de proteger o coração e o rim de pessoas que não tem diabetes, ainda merece ser mais estudado no cenário de Covid-19, bem como em situações de doenças como sepse (infecção generalizada), de acordo com os autores da pesquisa.
O estudo contou com a participação de 1.250 voluntários, divididos aleatoriamente entre dois grupos, com 625 participantes cada um. Esses pacientes estavam internados em 95 hospitais da Argentina, do Brasil, do Canadá, da Índia, do México, do Reino Unido e dos EUA. O Brasil foi o país que mais contribuiu para o ensaio, com 762 pacientes incluídos em vários centros liderados pelo Einstein.
O desfecho primário avaliado foi a falência dos órgãos ou a morte dos pacientes. No grupo de teste, houve 70 mortes ou quadros de disfunção orgânica (11,2%) contra 86 (13,8%) no grupo placebo em 30 dias. A redução observada no risco relativo de 20% não foi considerada significante. Considerando apenas as mortes, houve 41 no grupo dapagliflozina e 54 no grupo placebo.
Se por um lado o estudo não confirmou eficácia em tratar a doença, por outro não há indícios para pensar que o uso da dapaglflozina não seja seguro, já que os efeitos colaterais foram mais comuns no grupo placebo (13,3%) do que no grupo tratado com o medicamento (10,6%). Esse achado é muito relevante para a prática clínica, visto que essa medicação é extremamente útil quando utilizada cronicamente (em nível ambulatorial) para o tratamento do diabetes tipo 2 e insuficiência cardíaca, representando um dos maiores avanços dos últimos anos no manejo destas condições.
Considerado o padrão-ouro para a avaliação de tratamentos, o estudo foi conduzido no formato randomizado e duplo-cego. Nesta modalidade, pacientes são distribuídos aleatoriamente entre grupos e nem eles nem os responsáveis por administrar e acompanhar os pacientes têm acesso a qual dos dois tratamentos (droga ou placebo) é administrado. O sigilo só é removido no fim do estudo.
A dapagliflozina é um inibidor da proteína SGLT2 (cotransportador sódio-glicose 2) e é usado no tratamento do diabetes, como alternativa de aumentar a eliminação de glicose pela urina, por meio do rim, e reduzir os níveis sanguíneos do nutriente. Quando elevado, o nível sanguíneo da glicose aumenta a probabilidade de complicações cardiovasculares. Recentemente, foi observado em estudos clínicos robustos que o medicamento também reduz de forma importante o risco de mortalidade e de complicações cardiovasculares em pacientes com insuficiência cardíaca ( mesmo em quem não tem diabetes) e também é eficaz em pacientes com doença renal crônica, o que tem motivado novos estudos, inclusive, no caso do DARE-19, como possibilidade de tratamento contra a Covid-19.
“Os resultados do estudo possuem impacto para a prática clínica e para pesquisas futuras. Para a prática clínica, o estudo mostrou grande segurança de manter estas medicações em pacientes hospitalizados com Covid-19. Assim, interromper o tratamento, como vinha sendo feito e recomendado com base em opiniões de especialistas, não é justificável”, diz Otavio Berwanger, M.D., Ph.D., Diretor da Academic Research Organization (ARO) do Einstein e autor-sênior do estudo.
“Apesar de as taxas de morte e de lesões de órgãos alvo terem sido numericamente inferiores na dapagliflozina do que no placebo, essas diferenças não foram significativas do ponto de vista estatístico. Assim, parece haver um sinal de possível benefício, mas que merece ser mais estudado em pesquisas futuras, tanto em Covid-19 quanto em doenças como sepse, dentre outras”, explica Berwanger. “O estudo mostra a enorme força da pesquisa colaborativa e o papel de protagonismo da ciência brasileira, mesmo quando comparada ao de outros países”, conclui o cientista.