Quem nunca ouviu uma música animada, começou a cantar e teve a sensação imediata de alegria? Muitas vezes até contagiando outras pessoas com o bom astral no decorrer do dia.
O que muitos não sabem, é que o enigmático poder da música tem eficácia comprovada. É utilizado em tratamentos de saúde, inclusive, pelo SUS (Sistema Único de Saúde), desde 2017, em doenças como Parkinson, Alzheimer, autismo e hipertensão.
A técnica recebe o nome de musicoterapia e é aplicada como forma complementar aos tratamentos médicos convencionais.
De acordo com o Dr. Beny Schimidt, patologista neuromuscular da Universidade Federal de São Paulo/UNIFESP e fundador do centro de reabilitação Welness Almaā Healing Group, a musicoterapia vem ajudando muitos pacientes no tratamento de reabilitação. Ainda segundo o especialista, é comum que pacientes que sofreram acidentes ou ficaram sequelados seja por AVC (Acidente Vascular Cerebral) ou outro tipo de doença, fiquem emocionalmente abalados.
Diante das dificuldades da reabilitação, muitos se fecham para os tratamentos e isso interfere diretamente nas respostas das terapias. “Os pacientes precisam acreditar no tratamento para obter a resposta esperada. Os estímulos físicos no músculo são imprescindíveis, mas a mente e o estado emocional de cada pessoa exercem forte influência na recuperação”, afirma o médico.
Ao identificar isso, Beny implementou nos tratamentos de reabilitação a musicaterapia e apoio psicológico. O resultado foi um aumento de 70% nos casos de pacientes que recuperam a capacidade motora em sua totalidade ou venceram em mais de 50% as suas limitações.
Conversamos com o Dr. Beny Schimidt para entender a força da música e apoio emocional nos tratamentos de reabilitação:
O que é musicoterapia?
A musicoterapia é um dos tratamentos multidisciplinares utilizados em diversos ambientes para desenvolvimento do ser humano e com grande potencial para auxiliar na reabilitação. A música, como ferramenta terapêutica, está diretamente ligada às emoções humanas. Assim, podemos identificá-la como um ato doado e criativo que há em todo ser humano.
A música revela-se por meio de elementos que nomeamos como melodia, harmonia e ritmo. Trabalhamos como forma de manifestá-la através de suas dinâmicas, intensidade, velocidade, altura e etc. Isso tudo pode se revelar a partir de uma vibração, uma frequência ressoando em alguma matéria, seja o nosso corpo, seja um instrumento musical.
Quando cantamos e quando tocamos algum instrumento, ativamos áreas cerebrais que controlam a fala, o movimento, a memória, entre outros sentidos. Os sons e a música, acessam mecanismos orgânicos possíveis de reparos.
É como permitir que o fluxo sonoro modifique padrões físicos e psíquicos de comportamento, atuando diretamente nos sistemas neurossensorial, rítmico e metabólico.
É cientificamente provado que ela reflete no tratamento? Se sim, pode mencionar o estudo e em qual ano foi realizado?
Há diversos estudos publicados, nacionais e internacionais, que já comprovam a eficácia do uso da música em tratamentos, atuando como prevenção de doenças, e na qualidade de vida dos pacientes. Seguem alguns:
- Revista médica NeuroRehabilitation – música nareabilitação de lesões cerebrais traumáticas, Pesquisas que investigam intervenções fundamentadas em música em crianças com autismo e dificuldades de aprendizagem.
- Artigo teórico sobre os mecanismos de mudanças neuroplásticas subjacentes às intervenções de terapia musical neurológica bem-sucedidas.
- Esses estudos atestam que a música modela a função cerebral na neurorreabilitação em quadros de deficiência.
O que muda no cérebro do paciente que resulta nessa sensação de bem-estar e reflete no tratamento?
Já se tem afirmações que a atividade musical se relaciona com quase todas as regiões do cérebro e os subsistemas neurais. Quando uma música emociona, são ativadas estruturas que estão nas regiões instintivas do verme cerebelar (estrutura do cerebelo que modula a produção e liberação pelo tronco cerebral dos neurotransmissores dopamina e noradrenalina), e da amídala (principal área do processamento emocional no córtex). Na leitura musical, o córtex visual é a área utilizada. O ato de acompanhar uma música é capaz de ativar o hipocampo (responsável pelas memórias) e o córtex frontal inferior. Já para a execução de músicas, são acionados os lobos frontais – o córtex motor e sensorial.
A musicoterapia faz parte do tratamento psicológico ou eles são trabalhados separadamente?
Na formação do musicoterapeuta pode se encontrar algumas disciplinas na área da psicologia, pois entramos em contato com a psique do indivíduo. Com certeza a música atua também nessa região considerada do “pensar” e do “comportamento”, pois na prática da musicoterapia, essas manifestações do paciente se revelam (verbal e não verbal) e ele também tem ferramentas para intervir. No entanto, isso não significa que o musicoterapeuta pode atuar como psicólogo. O paciente pode ter o acompanhamento de ambas às terapias.
Qual é o profissional que pode aplicar a musicoterapia nos pacientes?
A musicoterapia deve ser aplicada pelo profissional capacitado que é o musicoterapeuta. A graduação oferece disciplinas tanto na área da música, quanto na psicológica, fisiológica, acústica e etc, além de estágios em diversas áreas de atuação, supervisão e pesquisa.
Além de que são diversas as áreas de atuação: hospitais, clínicas, instituições de reabilitação, educação terapêutica, centros de geriatria, gerontologia, entre outros.
A técnica pode ser usada sem o tratamento médico convencional?
Sim. A musicoterapia pode ser buscada independente de uma orientação médica. Isso não significa que a musicoterapia substitua medicamentos ou acompanhamento médico do paciente em tratamentos específicos.
Quais são os principais benefícios da musicoterapia?
Autoestima, reabilitação física, emocional, mental e social – seja no trabalho individual ou em grupo. Melhoras na fala, no movimento, na memória, na concentração, além do aumento dos sentidos que proporcionam bem-estar, amenizando aspectos de ansiedade, depressão etc.
Auxilia estudantes com dificuldade de aprendizado, contribui para melhorar da qualidade de vida de idosos e pacientes de doenças crônicas. Reabilitação motora, no restabelecimento das funções de acidentados ou de convalescentes de acidentes vasculares cerebrais.
É possível deixar para os leitores indicações de músicas ou ritmos para que eles comecem o dia felizes?
Podemos dizer que não existe “uma receita” na musicoterapia, pois se trata de individualidades. Observemos a biografia sonora, cada um constrói uma história também por vivências musicais em diferentes épocas, contextos sociais, oportunidade/acesso.
Nessa compreensão, existem as práticas que podem auxiliar muito esse contato consigo mesmo, pois no “cantar” temos uma relação direta com a nossa essência única, na nossa manifestação sonora, corpórea e vocal fortalecemos algo que o outro não pode fazer por nós. O outro pode nos acompanhar, mas “Sou Eu” quem realizo, “EU” me coloco no mundo com as próprias ações.