Testes genéticos, histórico familiar, diagnóstico precoce e aumento das chances de cura de neoplasias ocupam o mesmo cenário quando a protagonista é a oncogenética. O progresso na investigação de genes por meio de exames de sangue ou da análise da saliva – a fim de identificar a probabilidade que uma pessoa tem de desenvolver algum tipo de câncer – tornou a metodologia determinante no reconhecimento da pré-disposição à doença, evitando o seu surgimento e permitindo seu tratamento precoce.
“A oncogenética ultrapassou o status de novidade e hoje é realidade. Cerca de 10% dos pacientes com cânceres mais comuns – como mama, próstata e intestino – apresentam mutações genéticas herdadas de antepassados. Em outros tipos de câncer mais raros, como o de ovário, de suprarrenal ou sarcomas, o número de casos hereditários pode ser ainda maior. Para saber quem seriam essas pessoas, sempre tentamos investigar a história familiar do paciente com câncer (pai, mãe, tios, avós e irmão), verificando se há numerosos e diferentes tipos de tumor no mesmo tronco familiar. Outra informação importante é se o surgimento do câncer apresenta certas peculiaridades, como idade muito jovem para o diagnóstico, ou se a mesma pessoa na família teve mais de um câncer; ou ainda certos tipos de câncer muito raros, como já mencionado”, alerta dr. Bernardo Garicochea, oncologista e especialista em genética do Grupo Oncoclínicas (RJ).
O oncologista cita alguns exemplos em que há uma maior probabilidade de detecção de hereditariedade em um paciente com câncer: “Câncer de próstata abaixo de 60 anos, com comportamento mais agressivo (nesses casos a chance de encontrar um gene alterado é elevada em 20%), mulheres que tiveram câncer de mama antes dos 50 anos, ou nos dois seios ao mesmo tempo ou em diferentes períodos. Isso ocorre porque quanto mais jovem a mulher, maior o risco de surgimento de um tipo hostil de câncer de mama. Ou ainda mulheres que têm um tipo de câncer de mama chamado de triplo-negativo, pois não depende de ativação de hormônios”, salienta dr. Garicochea.
O médico destaca outros fatores de risco que levam à indicação de testes genéticos: “O câncer de ovário é um dos que apresentam alta taxa de hereditariedade, 15% a 25% do total de casos. Pessoas que apresentam ou já tiveram muitos pólipos na região gastrointestinal também devem fazer o exame, assim como mulheres que já enfrentaram câncer de corpo útero (endométrio) – diferentemente do câncer de colo de útero”, observa.
Pesquisa destaca alto índice de mutação genética em mulheres jovens com câncer de mama
Estudo apresentado pelo dr. Couch Fergus, da Clínica Mayo, em Rochester (EUA), no Simpósio Internacional de Câncer de mama, em San Antonio (Texas, EUA), em dezembro de 2018, observou que, de 20 mil mulheres com câncer de mama, cerca de 7,5% dos casos abaixo dos 50 anos eram hereditários. Pesquisas prévias sugerem que o dobro deste número pode ser hereditário em pacientes com câncer de mama abaixo dos 35 anos. “Surpreendentemente, esses números são de pacientes sem conhecimento de histórico familiar com câncer de mama. Assim, a descoberta de um caso isolado de câncer de mama em uma mulher jovem não descarta a possibilidade de que ela seja uma portadora de uma alteração genética que poderá ser transmitida a seus descendentes”, alerta dr. Bernardo.
“É também importante observar que os testes genéticos para risco de câncer avaliam probabilidades. Caso alguma mutação seja detectada, será possível ajudar a prevenir um câncer futuro – ou seja, se a pessoa tiver uma mutação, não estará condenada ao surgimento da doença. Por outro lado, a pessoa que não apresenta mutações não está isenta de desenvolver o câncer por conta de fatores não genéticos, externos e ambientais. Por isso, é imprescindível o aconselhamento médico antes de mais nada”, orienta o oncologista do Grupo Oncoclínicas (RJ).
“Dessa forma, falar sobre diagnóstico precoce e aumento chances de cura de câncer hoje é destacar o papel da oncogenética nesse processo, reduzindo o sofrimento causado pelo tratamento de cânceres mais avançados e elevando a chance de cura para cerca de 100%. No caso específico de câncer de mama em mulheres jovens, como corrobora o estudo, o teste genômico é ainda mais eficaz e assertivo, já que esse diagnóstico costuma ser difícil e pouco previsível. Também por isso, a taxa de mortalidade de mulheres jovens que enfrentam o câncer de mama costuma ser alta (muito mais elevada do que em mulheres acima de 50 anos), já que, como a identificação tende a ser tardia, a doença já se apresenta em estágio avançado quando diagnosticada”, explica dr. Garicochea.
Expectativas positivas na evolução da oncogenética
Para o médico, as perspectivas da oncogenética nos próximos anos são animadoras e tendem a ser ampliadas e aprimoradas: “Atualmente, a oncogenética é tema de cerca de 3 mil publicações científicas anuais. E, com a ajuda de todo esse investimento técnico-científico de alta precisão, num futuro muito próximo, será possível refinar ainda mais a investigação genética para câncer, tornando seus resultados mais sofisticados, com maior riqueza de detalhes, e seus valores mais acessíveis, além de ajudar na produção de novos medicamentos”, confia dr. Bernardo.
“Aprenderemos também formas individualizadas de prevenção para quem tem propensão. Acredito que, em cerca de 30 anos, veremos uma realidade impensável nessa área hoje, sendo possível incluir medicamentos destinados à intervenção em pessoas com genes mutados ou até o reparo dos mesmos, com novas gerações de enzimas que poderão editar o nosso DNA com segurança”, avalia o oncologista e especialista em genética do Grupo Oncoclínicas (RJ) dr. Bernardo Garicochea.