Aos 28 anos, diagnosticada com um tumor inflamatório maligno na mama esquerda já no estágio 5, Adriana Maria Rodrigues da Silva se viu, de uma hora para outra, na posição de paciente oncológica. Do diagnóstico, passando pela quimioterapia à cirurgia de mastectomia, foram oito meses de tratamento na rede pública de saúde, já bastante sobrecarregada devido à pandemia da Covid.
A idade de Adriana e o estágio avançado da doença foram uma surpresa para ela e, também, para seus médicos. No entanto, de acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), a incidência de câncer de mama em pacientes jovens é a maior em 2 anos. Segundo a entidade, a ocorrência em mulheres com menos de 35 anos representou 5% do número total de casos, sendo que, historicamente, o câncer de mama era identificado em apenas 2% em mulheres abaixo dos 35 anos.
Adriana foi diagnosticada no início de 2021, e se já não bastassem todas as incertezas trazidas pelo período pandêmico, ela precisou lidar ainda com os desafios do câncer, o que de acordo com Laura Castro, fundadora e psicóloga da Vigilantes do Sono, healthtech referência no combate à insônia e que recentemente expandiu suas linhas de cuidado para atuar também em outros aspectos relacionados à saúde mental e ao bem-estar, pode impactar imediatamente a saúde mental e emocional do paciente.
“O câncer é uma doença que assusta e receber um diagnóstico desses desencadeia minimamente um pensar sobre a vida, uma revisão sobre relações, sobre o que se conquistou e se perdeu, um pensar sobre as causas e motivos de se ter desenvolvido um câncer, afinal. Trata-se de um evento de grande magnitude e que demanda um processamento mental, emocional e espiritual importante”, destaca.
Devido à pandemia, Adriana enfrentou um isolamento social ainda mais rígido que o restante da sociedade. Ela lembra que foi alertada inúmeras vezes pelos médicos sobre a gravidade de se contaminar com a Covid em sua situação, o que implicaria na suspensão da quimioterapia. Ela conta que logo após o diagnóstico passou a enfrentar problemas para dormir, o que antes nunca tinha acontecido. “A minha idade e o fato de eu não ter histórico da doença na família fez com todos nós fossemos pegos de surpresa. Foram muitas as noites sem sono pensando em como seria o tratamento, por que aquilo estava acontecendo justamente comigo, o fato de não poder trabalhar, como ficaria minha família, meus filhos, e claro, o medo de morrer”, diz.
De acordo com a psicóloga, quanto ao surgimento de dificuldades para dormir quando se recebe um diagnóstico como esse é bastante comum, uma vez que é durante o sono que é processada a memória emocional, portanto, é possível que surjam dificuldades, seja para iniciar ou manter o sono, ou pela presença de sonhos de angústia. Contudo, a especialista destaca que nem todas as pessoas reagem da mesma forma, sendo possível que a dificuldade apareça também como excesso de sonolência, como um aumento da necessidade de sono para justamente dar conta de processar o choque que é receber uma ameaça à vida.
“Nossa saúde se restabelece enquanto dormimos. É somente durante o sono que o corpo produz anticorpos, certos hormônios e também só enquanto estamos dormindo que processamos e organizamos nossas memórias” explica Laura.
Com exceção do nascimento de seus filhos, que à época do diagnóstico tinham 13 e 2 dois anos de idade, Adriana nunca havia ficado internada antes, o que fez com que a mudança de rotina, com inúmeras idas ao hospital, fosse ainda mais difícil de assimilar. Logo no início, ela foi encaminhada para um psicólogo, mas não se sentia confortável em ir. Adriana conta que um dia antes de começar a quimioterapia foi à primeira consulta, mas nunca retornou para a segunda.
“Fui alertada sobre a importância do acompanhamento psicológico para pessoas que passavam pelo mesmo tratamento que eu. Muitos colegas que conheci ao longo do processo optaram por fazer as consultas com psicólogos, mas não foi o meu caso. Nunca tinha me consultado com um especialista em saúde mental antes, e senti grande dificuldade em me abrir durante a consulta. Era tudo tão recente, tão pessoal que naquele momento não fez sentido dividir com outra pessoa que não fizesse parte do meu ciclo de familiares e amigos, mas não descarto a possibilidade de tentar novamente”, explica.
Neste caso, a especialista explica que o acompanhamento psicológico pode ser decisivo para a recuperação e manutenção da qualidade de vida durante e depois do tratamento. Laura diz que é possível que o acompanhamento seja opcional, mas não deixa de ser muito importante uma avaliação psicológica que possa ajudar na tomada dessa decisão.
“Há pessoas mais resilientes e que vivenciam o período de adaptação à notícia do diagnóstico sem experimentarem crises de ansiedade ou sofrimento intenso, mas isso pode acontecer em muitos casos. Um acompanhamento psicológico, no caso, pode propiciar um processo de elaboração direcionado, construído em um espaço de fala segura, sem julgamentos e que viabilize o reconhecimento de medos e inseguranças inerentes a uma doença que ameaça a vida. Essa elaboração e reconhecimento atenuam angústias e sofrimento psíquico, e os estudos realmente nos demonstram que esse sofrimento, por vezes nomeado de ‘estresse’, pode influenciar significativamente a resposta a tratamentos, pois impacta como funciona nossos sistemas cardiovascular e imunológico”, explica.
Hoje, após oito meses de quimioterapia, cirurgia de mastectomia e 28 dias de radioterapia, Adriana está bem e na fase do tratamento que consiste em acompanhamento a cada seis meses com o oncologista. Para os próximos meses está prevista a cirurgia de reconstrução da mama, procedimento pelo qual ela está bastante ansiosa e que acredita ser fundamental para a recuperação de sua confiança quanto à questão estética. No entanto, mesmo com tudo correndo bem, Adriana divide a agonia constante que é a possibilidade de o câncer voltar. “Esse pensamento sempre está presente. Quando me deito para dormir, ao acordar, ao sentar para assistir TV, sempre me pego pensando no “e se…”. Mas busco não me abalar e manter foco no que vem dando certo até aqui. É um exercício diário e que demanda bastante energia, mas que está dando certo”, compartilha.
Laura complementa destacando que trata-se de um receio natural, e que manter hábitos saudáveis e procurar, na medida do possível, lidar com as questões existenciais que possam ter sido desencadeadas pela vivência do câncer, são coisas importantes e que podem sobredeterminar a qualidade de vida depois. “O câncer é considerado uma doença crônica e manter um acompanhamento regular pode ser importante. Ter o máximo de informações relacionadas a cada etapa, sobre o tipo de câncer em si e o que esperar em cada fase é um ponto importante e que também pode prevenir sofrimento psíquico, além de estar em acompanhamento por profissionais com os quais há empatia e confiança”, finaliza.