De um lado, o fortalecimento do elo de confiança e da credibilidade junto aos pacientes e familiares, além do reforço do compromisso individual com a medicina e com a saúde da população. De outro, fadiga, sobrecarga de trabalho e aumento do nível de estresse. Estes são alguns dos reflexos da pandemia sobre a rotina dos médicos que atuam na linha de frente de combate à doença causada pelo novo Coronavírus. As constatações aparecem em pesquisa inédita realizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), divulgada nesta quarta-feira (7).
A pesquisa ofereceu subsídios para campanha que o CFM lança nesta semana, como parte das comemorações pelo Dia Mundial da Saúde (7 de abril). Diante dos dados apurados, a autarquia decidiu chamar a atenção dos brasileiros e dos gestores para a necessidade de reconhecimento e valorização dos médicos do país, em especial dos que atuam na linha de frente da Covid-19.
“O Brasil conta com mais de 520 mil médicos em condições de atender a população. No entanto, em muitos casos, faltam condições de trabalho e de estímulo que os levem a ocupar mais postos de trabalho dentro da rede pública e em áreas de difícil provimento. Contudo, esse cenário adverso não tem impedido que eles façam sua parte, atuando incansavelmente pela recuperação dos doentes”, ressaltou o presidente do CFM, Mauro Ribeiro.
Estresse – Para a grande maioria dos médicos (96%), a pandemia causou impactos na vida pessoal ou profissional. As repercussões vão desde o comprometimento de horas que seriam dedicadas à família e ao lazer até à mudança na rotina de trabalho de consultórios e ambulatórios. Porém, além de transformar os fluxos nos locais de atuação, a pandemia também alcançou os lares e a saúde mental dos profissionais.
O aumento do nível de estresse foi relatado como principal impacto da pandemia por 22,9% dos médicos que responderam ao inquérito conduzido pelo CFM. Lidar com uma doença tão desconhecida também gerou em parte dos profissionais entrevistados percepções que incluem sensação de medo ou pânico, conforme indicaram, 14,6% deles.
Também houve relatos de alteração (para menos) no tempo dedicado às refeições, família e lazer (14,5%); e de comprometimento de horas de descanso, bem como no nível da qualidade do sono (7,6%); entre outros fatores. O impacto negativo nestes itens podem ter consequências no bem estar dessa população, pois podem agravar quadros de ansiedade e levar mesmo ao aparecimento da síndrome de Burnout.
Por outro lado, simultaneamente, há médicos que ressaltam que o novo cenário também reforçou seu compromisso com a medicina e com a saúde da população, fato indicado por 13%; fortaleceu sua imagem como médico diante da comunidade (6,2%); melhorou sua relação com os pacientes e outros profissionais de saúde (4,7%); e até estimulou a aproximação com as entidades médicas (3,7%).
Relação médico-paciente – Os médicos que responderam à pesquisa também indicaram mudanças no relacionamento com seus pacientes durante o último ano. Segundo eles, muitos pacientes abandonaram ou postergaram seus tratamentos. Isso foi o que informou quase um terço dos profissionais consultados.
O abandono dos tratamentos ou o não comparecimento às consultas podem estar entre as causas que levaram os entrevistados a fazerem uma relação entre a covid-19 e a rotina nos locais de trabalho. Segundo os que responderam ao questionário do CFM, entre os principais efeitos da crise sanitária há o entendimento majoritário de que a pandemia levou à redução significativa no número de atendimentos diários eletivos, seja por parte daqueles que atuam predominantemente no setor público (37,9%) ou no setor privado (42,8%).
Em contrapartida, cerca de 15% dos que trabalham com mais frequência na rede pública e 11,2% na privada apontam que o volume de atendimentos eletivos aumentou nesse período. Menos de 5% dos entrevistados, independentemente da natureza de suas instituições, disseram que não houve aumento nem queda no volume de consultas ou não souberam avaliar essa questão.
No entanto, os médicos informam que quando o atendimento eletivo (consulta ou procedimento) acontece um comportamento comum observado nos encontros é a exigência de mais tempo e atenção pelos pacientes, em especial para tirar dúvidas relacionadas a como prevenir e tratar a covid-19.
Além disso, segundo a opinião dos médicos, identificada pela pesquisa do CFM, a pandemia fortaleceu (16%) o elo de confiança estabelecido com os pacientes e familiares e tornou os pacientes mais (12,6%) receptivos às recomendações médicas. Além disso, foi relatado por 13,7% dos respondentes que o estresse gerado pela pandemia no paciente tornou tenso seu comportamento nas consultas.
Mercado de trabalho – A pesquisa trabalho trouxe ainda outro dado importante, na percepção dos médicos. A pandemia causou a perda de vínculos de trabalho para parte dos profissionais. Entre os que atuam a maior parte do tempo na rede privada, 11,8% tiveram essa percepção. No setor público, o percentual é ligeiramente menor: 10,4%. Outros ainda relatam que foi necessário fechar consultórios ou demitir funcionários por conta do impacto da covid-19 no cotidiano dos estabelecimentos. Essa realidade foi observada por 14,2% dos entrevistados do setor privado e 10% dos que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS).
Para alguns, porém, a pandemia abriu espaço para oportunidades e novos vínculos de trabalho: 11,4% dos entrevistados da rede privada e 15,2% da rede pública compartilham dessa perspectiva. Apenas 3% declarou não ter observado qualquer impacto e 1% não soube avaliar ou disse se sentir indiferente às mudanças em seus locais de trabalho.
Contra desafios futuros, médicos apostam no incentivo à pesquisa e na valorização dos profissionais
Pelo menos 88% dos médicos ouvidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) acredita no surgimento de novas epidemias nos próximos anos. E para enfrentar possíveis desafios no futuro, quase 15% deles defendem que os médicos e outros profissionais da saúde sejam valorizados com a criação de carreiras específicas, enquanto outros 15% apostam na priorização de pesquisas científicas e desenvolvimento de tecnologias e produção de insumos estratégicos.
“A pandemia deixará para o Brasil uma lição inquestionável: precisamos estar preparados. Investir mais no Sistema Único de Saúde (SUS), ampliar a capacidade de produção nacional de medicamentos e equipamentos, fortalecer o conhecimento científico e, sobretudo, valorizar a força de trabalho que tanto se dedica a oferecer atendimento de qualidade aos brasileiros”, ressaltou Mauro Ribeiro, presidente do CFM.
Outra prioridade apontada pelos profissionais ouvidos pela autarquia é a necessidade de maior investimento público em saneamento básico (15%) e saúde (11,4%), além do fortalecimento da Atenção Básica (13%) e reforço no sistema de vigilância sanitária em portos, aeroportos e grandes eventos (12,3%). O aparelhamento de hospitais e centros de saúde e a ampliação da oferta de leitos de internação e de UTI também foram indicadas como necessidades prementes por 10,6% e 8,6% dos entrevistados, respectivamente.
Sobre as implicações futuras da doença para a medicina, pelo menos 22% disseram acreditar que a principal será a inserção cada vez maior da tecnologia a relação entre médico e paciente. Além disso, 20% disseram que a epidemia exigirá capacitação e preparo dos médicos.
Outras importantes consequências da pandemia apontadas pelos entrevistados são a consideração do fator humano como elemento fundamental para uma boa relação entre médicos e pacientes (17%) e a maior valorização e reconhecimento dos médicos como profissionais essenciais para a sociedade (13%).
Distribuição – A pesquisa, aplicada entre setembro e dezembro de 2020, ouviu cerca de 1.600 médicos cadastrados nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) e que atuam nos setores público (22%), privado (24%) ou em ambos (54%). Foram selecionados indivíduos de forma aleatória com representantes em todos os estados do País.
A amostra, composta por homens e mulheres com idade média de 49 anos, respondeu a um questionário estruturado que obedeceu proporcionalmente a oferta de profissionais pelo Brasil. A maior parte atua no Sudeste (53%), Nordeste (21%) e Sul (16%). Outras 6% trabalham em unidades de saúde do Centro-Oeste e 5% no Norte do Brasil.
Responderam ao inquérito do CFM médicos que atuam em hospitais públicos e privados, centros de especialidades médicas, Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), consultórios, clínicas e outros estabelecimentos. Em menor proporção, também foram ouvidos médicos com atuação na gestão dos serviços e no ensino e pesquisa.