A assistência farmacêutica é uma das áreas mais estratégicas na Atenção Primária à Saúde do SUS. É esse serviço que possibilita o amplo acesso dos usuários do SUS aos medicamentos, além de possuir um papel central nas estratégias de promoção de saúde e cuidado aos pacientes.
O Ministério da Saúde possui uma Política Nacional de Assistência Farmacêutica, no entanto, se fazem necessárias diversas iniciativas que busquem aprimorar essa política, com objetivo de entender a assistência farmacêutica para além do uso racional do medicamento, mas também enfatizando o cuidado integrado do paciente.
Diante desse cenário, foi pensado o projeto de Assistência Farmacêutica na Atenção Básica, executado pelo Hospital Alemão Oswaldo Cruz por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS). Para a coordenadora do projeto, Samara Kielmann, esse é um projeto estruturante para o Sistema Único de Saúde. “A iniciativa possui uma abordagem inédita no Brasil, que é a implantação da farmácia clínica nos municípios sob a ótica da integração do profissional farmacêutico aos serviços de saúde”, explica Samara.
“Na prática, isso significa que o farmacêutico consegue fazer um acompanhamento longitudinal do paciente, checando pontos como a adesão ao tratamento, efeitos colaterais e efetividade de determinada terapia para aquele paciente, por exemplo. Isso é benéfico pois dessa forma o profissional consegue apoiar o cuidado médico, discutindo novas formas de abordagem e garantindo a integralidade do cuidado, que é um dos princípios do SUS”, complementa a coordenadora do projeto.
Estratégia baseada em dados
A construção do projeto também foi embasada por dados da Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional dos Medicamentos no Brasil (PNAUM). Realizado em 2009, esse foi um levantamento até então inédito e que buscou traçar um panorama sobre o cenário da assistência farmacêutica no SUS, como explica a consultora técnica do projeto no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Karen Costa. “A farmácia é o principal elo entre os pacientes e o sistema de saúde no dia a dia. Desde 2003, foram investidos mais de R$ 5 bilhões em assistência farmacêutica no SUS, entretanto, não havia até então informação a fundo sobre o acesso a medicamentos no SUS”, explica Karen.
Com a pesquisa, foi observado que o acesso a medicamentos para doenças crônicas é amplo em todas as regiões do Brasil, chegando a 96% de abrangência entre os usuários do SUS. Foram mapeados mais de 20 mil domicílios, com mais de 41 mil entrevistas realizadas entre setembro de 2013 e fevereiro de 2014, e o levantamento serviu como base para estudos e iniciativas que busquem avaliar o impacto de ações governamentais na área de promoção e acesso aos medicamentos.
Apesar do acesso amplo, a consultora do Hospital Alemão Oswaldo Cruz explica que o cuidado ampliado ao paciente ainda era um desafio. “No Brasil, a formação do profissional farmacêutico ainda é deficitária em diversas frentes, e isso dificulta que o farmacêutico possa realizar o cuidado farmacêutico na atenção básica, buscando um cuidado ampliado e que leve em conta as diversas dimensões psicossociais dos pacientes”, ressalta Karen Costa.
Apoio à gestão municipal de saúde
A necessidade de formação de profissionais farmacêuticos qualificados para o cuidado ampliado é uma ampla necessidade nos municípios brasileiros. Dessa forma, a iniciativa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz foi construída em sinergia com as necessidades apontadas pelo Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), que acompanha de perto as necessidades dos municípios para o fortalecimento da atenção básica nos processos de cuidado farmacêutico.
É que reforça Elton Chaves, assessor técnico do CONASEMS. “Essa iniciativa foi demandada com objetivo de institucionalizar uma política de assistência farmacêutica nos municípios brasileiros, a nível nacional, em meio à política de Atenção Básica do Ministério da Saúde”, explica.
“Para uma política resolutiva, se faz necessária a integração de ações de vigilância e promoção de saúde na atenção básica, com um olhar atento sobre a oferta de medicamentos para a população, e para além disso, também equacionar os gargalos identificados: a necessidade de formação de gestores, da formação de profissionais de atenção básica de forma geral, e também na instrumentalização do cuidado farmacêutico, para que o profissional consiga prestar assistência visando a integralidade no cuidado”, finaliza Elton.
A palavra de quem foi beneficiado
Para Lucia Helena Terenciani Rodrigues Pereira, que atua como farmacêutica na prefeitura de Ribeirão Preto (SP), o projeto foi uma oportunidade de institucionalizar o cuidado farmacêutico como uma diretriz do município. “Trabalho há mais de 20 anos na assistência farmacêutica, e tive oportunidade de fazer o curso voltado ao cuidado farmacêutico na atenção básica, o que para mim foi muito importante. Eu enxergo esse projeto como um divisor de águas na assistência, pois com auxílio das metodologias é possível avaliar as possibilidades de implantação das técnicas no município”, conta a farmacêutica.
Para ela, o curso oferece ferramentas que podem ser utilizadas na prática. “Com o projeto, percebemos que há sim condições para implementação da farmácia clínica nos municípios brasileiros, sem necessidade de grandes investimentos. Iniciativas como essa são essenciais para a expansão dessa estratégia, tornando-a assim uma diretriz, e não apenas uma ação isolada”, complementa Lucia.
Até o momento, o projeto certificou mais de 3.900 profissionais e gestores públicos por meio de quatro cursos em formato EaD voltado aos gestores e profissionais dos municípios, com abrangência nacional em 26 estados brasileiros em mais de 1.500 municípios.
Além disso, o projeto conta ainda com visitas técnicas em Curitiba, Distrito Federal e São Paulo para coleta de casos de sucesso, e realização de 14 oficinas de capacitação para tutores, moderadores e especialistas em conteúdo. Com a chegada da Covid-19, também foi criada a Plataforma Assistência Farmacêutica na Atenção Básica no enfrentamento da COVID-19, que traz informações de apoio aos profissionais durante a pandemia.