Além dos conhecidos efeitos na economia e na vida das pessoas, a pandemia afetou também as taxas de doação de órgãos e transplante no país, servindo como um importante alerta no Dia Nacional da Doação de Órgãos e Tecidos, celebrado no dia 27 de setembro. Conforme o Registro Brasileiro de Transplantes (RBT), da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), no segundo trimestre deste ano houve queda na taxa de doadores efetivos em relação ao primeiro trimestre – eram 18,4 doadores para cada milhão de habitantes e ficou em 13,3 (26,1%). No semestre, esse número ficou em 15,8, 6,5% menor que no mesmo período de 2019.
Houve redução nos transplantes de fígado (6,9%), rim (18,4%), coração (27,1%), pulmão (27,1%), pâncreas (29,1%) e, de forma mais acentuada, no transplante de córneas (44,3%), pela suspensão das atividades de grande parte dos serviços.
A ABTO indica que dois aspectos ainda podem influenciar as atividades de doação e transplante até o próximo ano. Um deles é que o pico de transmissão e de mortalidade da Covid-19 não foi uniforme no Brasil – nos meses de maio e junho, ocorreu nas regiões Norte e Nordeste e parte da região Sudeste (RJ e SP) e, a partir de julho, nas regiões Sul e Centro-Oeste e em Minas Gerais. O outro é que não houve queda rápida nas taxas de transmissão e de morte em alguns estados, a exemplo do que se viu em diversos países. Nesse sentido, torna-se ainda mais necessário o olhar atento e o direcionamento de ações para manter estável o cenário da doação e transplantes de órgão no Brasil.
Para contribuir com o aumento da doação de órgãos, por meio de estratégias voltadas à qualificação dos profissionais da saúde, o Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre (RS), lidera desde 2016 o Projeto DONORS – Estratégias para otimizar a assistência aos potenciais doadores. O objetivo do projeto é contribuir com a redução das perdas de potenciais doadores em morte encefálica por parada cardíaca ou recusa familiar para doação de órgãos. A iniciativa é fruto de parceria com o Ministério da Saúde, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (PROADI-SUS).
“No Brasil, mais de 30 mil pessoas aguardam na fila por um transplante, em estágios terminais de diversas doenças e em condições extremamente limitantes. Diariamente, mais pessoas entram nessa fila – e muitas a deixam por óbito”, pontua a líder do Projeto DONORS, Caroline Robinson. Segundo indicadores do Sistema Nacional de Transplantes, a perda de oportunidades de doações se dá, principalmente, pela recusa familiar. Dentre outros fatores modificáveis, está a qualidade do manejo clínico do potencial doador falecido.
Estudo clínico em 63 hospitais
O projeto realiza um estudo clínico em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) de 63 hospitais brasileiros, que avalia se a utilização de um checklist contendo as recomendações mais atuais para o manejo clínico pode prevenir perdas de potenciais doadores em morte encefálica por parada cardíaca. Os profissionais desses hospitais também são capacitados, por meio de cursos presenciais e um curso online desenvolvido pelo projeto, para o adequado acolhimento e esclarecimento da família, em cada etapa do processo de diagnóstico da morte encefálica e de doação de órgãos.
O curso “Entrevista familiar para doação de órgãos” está disponível de forma online e totalmente gratuita até 31 de dezembro neste link. A capacitação aborda os principais aspectos da comunicação entre profissionais da saúde e familiares de potenciais doadores falecidos, durante as diferentes etapas do processo de doação.
Com duas horas de duração, a atividade é autoinstrucional e tem como público-alvo profissionais de saúde que atuam em Serviços de Terapia Intensiva, em Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT), Organização de Procura de Órgãos (OPO) e interessados no tema.
Experiência bem-sucedida
Um dos profissionais que participou do estudo e dos cursos do DONORS foi o Coordenador da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes do Hospital Bom Jesus e Diretor de Enfermagem da instituição, Itamar Weiwanko, de Toledo, no oeste do Paraná.
“O DONORS veio contribuir para todas as equipes multiprofissionais do hospital. Tivemos um ganho imensurável na qualidade de vários itens, de indicativos, de parâmetros. Trouxe formação científica, aprimoramento da prática e da atitude profissional”, define.
Assim como no Hospital Bom Jesus, Weiwanko acredita que o projeto teve influência e impacto positivos nas demais instituições participantes. “Possivelmente muitas famílias tiveram vidas proporcionadas por doações que foram possíveis graças às ações incentivadas pelas atividades do projeto. E só vai existir doação se houver paciente diagnosticado, família bem orientada e confiante nos profissionais, para que possam falar o ‘sim’ com segurança”, afirma.
Em agosto deste ano, por exemplo, o Hospital Bom Jesus teve sete pacientes com morte encefálica. As sete famílias consentiram a doação e foi possível realizar a captação dos órgãos de todos os doadores. Um importante resultado, tendo em vista que no Brasil a taxa de recusa familiar fica em torno de 42%, ou seja, quase metade das famílias não consente a doação. De acordo com Weiwanko, o manejo adequado do potencial doador e o aperfeiçoamento da comunicação com a família contribuem para esses resultados. Segundo ele, o envolvimento e a preparação das equipes multiprofissionais – desde a porta de entrada até os que atuam na UTI – são decisivos para salvar mais vidas.