Transformação digital deve focar no paciente para gerar ganhos de eficiência e de qualidade

Mesmo que os avanços tecnológicos tenham sido acelerados nos últimos anos, principalmente durante a pandemia de Covid-19, especialistas presentes no Congresso Nacional de Hospitais Privados (Conahp) acreditam que ainda há um longo caminho a ser percorrido para a verdadeira transformação digital da Saúde.

Durante a palestra ‘Como acelerar a transformação digital e o uso de inteligência artificial em saúde no Brasil’, que contou com Antônio Marttos, cirurgião de trauma e atendimento na Universidade de Miami, Guilherme Salgado, CEO do grupo 3778, Miguel Lago, diretor-executivo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e Priscila Cruzatti, gerente de Inovação e Saúde Digital do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, moderada por Leandro Reis, vice-presidente médico e de serviços externos da Rede D’Or São Luiz, os participantes defenderam que apenas quando o paciente for colocado no centro do cuidado é que será possível trazer benefícios à assistência e à gestão da saúde pública e privada.

“Transformação digital não significa digitalizar processos que já existem, mas oferecer novas formas de se fazer, a partir do momento em que o mundo digital torna possível realizar as coisas de modos diferentes, como aconteceu com os bancos”, explica Priscila. Porém, para que o mesmo ocorra na saúde, ainda há diversas barreiras a serem superadas. “Primeiro, existe o desafio do comprometimento, tanto da alta liderança quanto dos profissionais de saúde. Depois, há uma preocupação em relação à qualidade dos dados coletados e à definição do escopo para uso da inteligência artificial. Por fim, ainda há a questão da privacidade e da segurança da informação, que impacta também no compartilhamento dos dados”, esclarece Salgado.

Quando se trata do Sistema Único de Saúde (SUS), Lago acredita que “a transformação digital é uma necessidade básica para a sobrevivência do sistema público. Diante do subfinanciamento do SUS, seria fundamental que ele se tornasse mais eficiente. Existem bons indícios para que isso aconteça, como o prontuário eletrônico unificado”, revela. Porém, de acordo com Lago, o prontuário eletrônico do cidadão ainda é muito limitado em termos de interoperabilidade do próprio sistema e com outros. “Além disso, os dados não são centrados no paciente. Para que consiga ganhar em eficiência e qualidade, precisamos ter processos que focam no paciente”, completa.

Quando superadas as adversidades, Marttos acredita que as inovações trazem diversos benefícios para as instituições, os médicos e os pacientes. “Vejo a tecnologia como uma forma de dar mais suporte aos profissionais de saúde, ajudar a prevenir erros, a detectar problemas precocemente e a ampliar o acesso aos pacientes, inclusive monitorando os casos crônicos em casa, intervindo quando necessário, e evitando que precise ir ao pronto-socorro. Vejo também como uma ferramenta que ajuda as instituições a terem controle de qualidade, a saber onde precisam atuar, reduzindo casos de infecções hospitalares, por exemplo”, opina.

Setor de saúde enfrenta dificuldade em converter dados em soluções

Com a aceleração da digitalização na Saúde, o volume de dados coletados cresceu exponencialmente. Ainda que as informações sejam fundamentais para as predições e investimentos em cuidados com a população, as empresas privadas e o governo enfrentam dificuldades em transformar o conhecimento em soluções. Na palestra ‘A importância da gestão da saúde baseada em dados e o desafio para construir uma base de informações qualificada e integrada’, do Congresso Nacional de Hospitais Privados (Conahp), Vikram Kapur, sócio da Bain & Company, Rudi Rocha, professor associado da FGV EAESP e diretor de pesquisa do IEPS e Mohamed Parrini, CEO do Hospital Moinhos de Vento analisaram os cenários no Brasil e na Ásia e encontraram dificuldades semelhantes nas regiões.

Segundo Kapur, há desafios para coletar, compartilhar e traduzir dados, como a relutância das empresas em dividir informações, a falta de confiança em dados externos, o alto custo para prestadores reunirem informações internamente e as leis de proteção de dados. Para Rocha, somado a isso, “existe um gargalo de recursos humanos muito sério no Brasil. Uma coisa é gerar, armazenar e integrar base de dados, outra coisa é converter em conhecimento, em ação e solução. Não vejo o país formando profissionais suficientes para o mercado”, alerta.

Ainda que haja incerteza sobre a capacitação de profissionais, Rocha acredita que as inovações que surgem baseadas em dados e algoritmos podem gerar ganhos de eficiência para quem estiver bem-posicionado. “Nós temos muita capacidade instalada, sistemas de informação impressionantes em perspectivas internacionais, como DATASUS, mas ainda muito fragmentados entre os setores público e privado e muito deficientes de integração”, analisa.

Kapur ressalta, entretanto, que “sistemas complexos e separados fazem com que a jornada do paciente não seja determinada, o que leva a uma divisão limitada de incentivos econômicos e a uma baixa integração clínica. Consequentemente, a experiência do paciente é pobre, com pouca oportunidade de caminhar em direção ao modelo que o coloca no centro do cuidado”, explica.

O resultado vai na contramão da expectativa do usuário. De acordo com uma pesquisa apresentada por Kapur, um novo tipo de consumidor está emergindo, nos últimos 3-5 anos. Agora, o paciente está interessado em manter os cuidados com a saúde, espera ter conveniência no atendimento e realiza pesquisas online, para entender seus sintomas e tratamento. Além disso, também espera um aumento no uso de ferramentas digitais, mas quer que seja de modo unificado. “Cerca de 85% dos pacientes gostariam de ter um ponto único para gestão da saúde do início ao fim. Os usuários querem mais integração e querem navegar sozinhos pelas ferramentas. Mesmo com o aumento da digitalização, 2/3 ainda querem ter interação física com médicos, não querem ficar totalmente em ambiente online“, ressalta.

Desafios estruturais, conjunturais e comportamentais estão no caminho da gestão da saúde da população

Custos que crescem a cada ano, um sistema que necessita de mudanças e investimentos, beneficiários que não têm tratamento preventivo. O retrato atual do sistema de saúde brasileiro não é o ideal e discussões sobre o tema podem trazer soluções no cenário atual de incertezas. “Saúde é uma batalha que temos que ganhar”, disse a professora titular da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Ana Maria Malik, que foi moderadora da palestra ‘Os desafios da gestão de saúde populacional’, realizada no Congresso Nacional de Hospitais Privados (Conahp). A mesa, que também contou com Georgia Antony, especialista em Desenvolvimento Industrial do SESI, João Alceu, presidente da FenaSaúde e Martha Oliveira, diretora-executiva do Laços Saúde e Designing Saúde, colocou em discussão os complexos desafios enfrentados pelo brasileiro no acesso a saúde.

O presidente da FenaSaúde elegeu um ranking dos principais problemas enfrentados pela população brasileira no quesito saúde. “Contextualizo em três grandes grupos. O primeiro é das questões estruturais, falta de saneamento básico, água potável, energia e gás, educação de qualidade, habitação e desemprego. Depois, temos os desafios conjunturais, como a falta de informatização do SUS e a padronização dos prontuários eletrônicos. Por último, os desafios comportamentais, que são muito complicados, como o sedentarismo, tabagismo, abuso de álcool e hábitos alimentares dos beneficiários”, diz José Alceu.

Entre o sistema e o beneficiado, há também as empresas que arcam com muitos desses custos. Segundo dados apresentados por Georgia Antony, no Brasil, 56% do gasto com saúde vem de empresas privadas, isto é, com planos de saúde para seus funcionários e dependentes. “Quase 7 em cada 10 brasileiros têm plano de saúde por causa da empresa na qual trabalha”, revela. E esse gasto só aumenta, segundo a especialista, desde 2017 ele representa até 5 vezes o valor da inflação. Ela afirma ainda que, no Brasil, é perfeitamente possível que uma empresa que fabrique pneu gaste mais com plano de saúde de funcionários do que com borracha, por exemplo. Em concordância com o José Alceu, uma das prioridades apontadas pela especialista é a necessidade de informação.

Para Martha Oliveira, diretora-executiva do Laços Saúde e Designing Saúde, nós estamos passando por um processo de transição, que já deveríamos ter passado. “A batalha é que essa transição ocorra de forma melhor e progressiva. Dentro da saúde suplementar se eu pudesse hoje mudar uma única coisa, faria a coordenação de cuidado. Não fizemos transição do sistema de saúde, ele é exatamente o mesmo da década de 60, então formamos as pessoas da mesma forma, cuidamos da mesma forma. O que vem aí é um monte de tecnologia que a gente ainda não se apropriou, mas que fará uma quebra nisso, estamos falando de não cuidar da doença, mas cuidar do indivíduo”, afirma.

Os palestrantes concordaram que é preciso começar por soluções simples e que podem ter resultados grandes, como coordenar o cuidado nos atendimentos feitos no Brasil e estimular vínculos entre médicos e pacientes. Uma outra solução proposta foi a organização da entrada e saída de dados de forma eficiente em um sistema robusto de saúde no qual os envolvidos em cada parte do tratamento possam ter acesso.

Informações e inscrições: conahp.org.br/2021

Redação

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