O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo declarou ontem (01/07/2020) que a Lei Estadual nº 17.137/2019 é inconstitucional e, portanto, inválida, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2188866-94.2019.8.26.0000.
A Lei Estadual nº 17.137/2019 pretendia garantir à parturiente, gestante em trabalho em trabalho de parto, a possibilidade de optar pela cesariana a partir de 39 (trinta e nove) semanas de gestação, tumultuando as diretrizes e regras do atendimento à saúde já existentes e aumentando os riscos para as mulheres e bebês.
O Tribunal entendeu que essa matéria deve ser tratada por meio de lei federal, e não estadual, em cumprimento às regras previstas na Constituição Federal sobre as competências legislativas da União, dos Estados e dos Municípios. Além disso, o Desembargador Dr. Alex Zilenovski, Relator dessa ação, pontuou que já existe legislação federal suficiente sobre a como a Lei Federal nº 8.069/1990. O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que “a gestante tem direito a acompanhamento saudável durante toda a gestação e a parto natural cuidadoso, estabelecendo-se a aplicação de cesariana e outras intervenções cirúrgicas por motivos médicos”.
A SOGESP foi admitida como “amicus curiae” e se manifestou com o objetivo de auxiliar o Tribunal de Justiça de São Paulo no julgamento da ação. Além de sustentar a inexistência de peculiaridades estaduais a justificar o tratamento diferenciado das diretrizes federais estabelecidas para o parto, a SOGESP também apresentou argumentos científicos que demonstram que o objetivo constitucional de “redução de riscos” seria desrespeitado.
Para Dra. Rossana Pulcineli, presidente da SOGESP, “quando realizada sob indicações médicas, a cesariana é uma cirurgia essencial para a saúde materna e infantil. Entretanto, quando realizada sem uma justificativa pode agregar riscos desnecessários sem que haja um benefício claro.”
A atuação da SOGESP
É importante esclarecer que em nenhum momento a SOGESP se posicionou contra o respeito à autonomia da mulher atendida pelos sistemas público e privado de saúde, e muito menos quanto à ampliação do acesso à analgesia de parto. Porém, a Lei nº 17.137/2019 e as justificativas apresentadas para sua criação não são condizentes com as evidências científicas existentes.
Desde o momento que tomou conhecimento do PL 435/2019, que deu origem à lei em questão, a SOGESP não mediu esforços para demonstrar a necessidade de discussão profunda e transparente quanto ao tema. Encaminhou sugestões sobre o texto e proposta à Assembleia Legislativa para discussão ampliada do projeto; reuniu-se com deputados e finalmente, em 17/06/2019, com a deputada Janaina Paschoal, autora do projeto, apresentando pessoalmente as argumentações científicas que demonstravam a inadequação da proposição de futura lei.
Além dos aspectos jurídicos que indicam a inconstitucionalidade da Lei, a Sogesp procurou demonstrar que:
i) não há clareza em relação os termos utilizados na Lei, sendo impossível determinar com segurança quais casos estariam abrangidos. Os termos cesárea eletiva (cesárea programada com indicação médica); cesárea a pedido (cesárea programada, durante o pré-natal, em situações onde não há indicação médica) e cesárea de emergência (aquela realizada quando se observa algum quadro clínico materno ou fetal que a justifique, durante o trabalho de parto ou fora dele, portanto com indicação médica) são confundidos nesse documento legal;
ii) não há evidências científicas de que a realização de cesarianas (por solicitação da paciente inclusive durante o trabalho de parto) reduzirá o número de casos de paralisia cerebral. Ao contrário, há dados na literatura médica que comprovam que o aumento nas taxas de cesariana não traz modificações na ocorrência de paralisia cerebral. Afirmar sobre a possível redução de casos de paralisia cerebral com a opção pela cesariana, sem apoio na literatura médica, também compromete o acesso à informação de qualidade para que as gestantes possam exercer plenamente sua autonomia.
iii) não houve qualquer avaliação sobre o impacto desse PL e do aumento do número de cesáreas na mortalidade materna. O Estado de São Paulo tem apresentado aumento significativo de sua razão de morte materna que, em 2012, era de 35/100.000 nascidos vivos e que, em 2017, ultrapassou 50 mortes maternas /100.000 nascidos vivos. No Estado de São Paulo a segunda causa de morte materna são as hemorragias. Segundo Dra. Rossana, “é sabido que o aumento de cesarianas está associado à placenta prévia, acretismo placentário, e, portanto, a hemorragias após o parto. Uma lei que aumenta taxas de cesarianas e, com isso, o risco de acretismo placentário e consequentemente, de morte materna, sem análise mais profunda, não irá colaborar para a melhoria da saúde de nossas mulheres e pode ainda colocá-las em risco. Neste momento em que, temos um número inaceitável de morte materna no nosso Estado, as ações precisam ser voltadas para a redução da morte materna e não para o seu possível aumento.”
É responsabilidade da SOGESP a análise crítica das regulamentações de procedimentos inerentes ao exercício profissional, em cumprimento ao seu objetivo de promover o estudo, a pesquisa e a discussão de assuntos atinentes à obstetrícia.
Vale salientar que a contribuição da SOGESP é de ordem científica e jurídica, portanto sem nenhum vínculo com qualquer partido político, e tem como objetivo salvaguardar a vida de mulheres e de seus filhos, garantir condições adequadas de trabalho para os ginecologistas e obstetras e contribuir para a melhoria dos indicadores de saúde no Estado de São Paulo.