Um estudo produzido em parceria entre Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Columbia (EUA), Universidade de Toronto (Canadá) e representantes do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) reforça um novo modelo terapêutico que pode representar um importante passo no imenso desafio que é a atração e retenção de dependentes de drogas como a cocaína e o crack em seu processo de tratamento. A prática, que inclui a prescrição de medicamentos psicoestimulantes, se baseia no modelo de tratamento da dependência de heroína, que já é usado com sucesso em alguns países.
O tema foi abordado em artigo científico veiculado recentemente no periódico The Canadian Journal of Psychiatry e deve ganhar repercussão em razão de ser considerado um problema global com imenso impacto na saúde pública, tanto que o fortalecimento da prevenção e do tratamento de transtornos por uso de substâncias é um dos alvos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
“Para que essa meta de fortalecimento seja alcançada, é preciso compreender que os modelos de tratamento atualmente dominantes usam uma combinação de diversas intervenções educacionais e psicossociais como terapias cognitivo-comportamentais, mas que possuem difícil implementação e aplicação clínica limitada, uma vez que não conseguem atrair e reter os pacientes. Diante desse cenário, é relevante pensar em novos modelos de tratamento”, explica Thiago Fidalgo, professor do Departamento de Psiquiatria da Unifesp e um dos autores do estudo.
O novo modelo de tratamento propõe a continuidade de ações de assistência médica e psicossocial, associadas ao uso de medicamentos psicoestimulantes a serem aplicados em ambientes especializados de saúde e com acompanhamento de equipe multidisciplinar.
Fidalgo explica que “psicoestimulantes prescritos já foram clinicamente avaliados por mais de 20 anos para o tratamento de dependentes e, entre as opções, podem ser utilizados como medicamentos agonistas mais eficazes anfetaminas de prescrição (lisdexanfetamina, dexanfetamina ou mistura sais de anfetamina) ou metilfenidato, todos eles seguros e eficazes para uso clínico nesse tipo de necessidade”.
“Esses psicoestimulantes prescritos produzem aumento da dopamina e noradrenalina, análoga à causada por cocaína, anfetaminas e metanfetaminas, o que pode aliviar o desejo e a abstinência do dependente e, portanto, diminuir o uso de estimulantes ilícitos ou até mesmo prevenir recaídas em indivíduos recentemente abstinentes. Essas condições contribuem para a adesão dos pacientes, bem como a propensão de eles participarem do programa, de forma a não apenas reduzir ou abandonar o uso de drogas como também aprender habilidades para alcançar a abstinência e melhor rendimento na saúde e na qualidade de vida”, ressalta o docente e pesquisador da Unifesp.
Próximos passos
O novo modelo de tratamento para dependentes de drogas como cocaína, crack e anfetaminas e suas perspectivas promissoras deve servir como encorajamento para que organismos internacionais discutam e encorajam o desenvolvimento de uma rede de pesquisas multi-países, que traga dados globais sobre a eficácia e segurança dessa estratégia de intervenção.
“É preciso quebrar barreiras que existem e permitir que novas estratégias, já em uso e bem sucedida em outros países, como essa que inclui o uso de medicamentos psicoestimulantes, também seja aplicada no Brasil. Essa pode ser uma alternativa para reduzir um grave problema de saúde pública que temos em nosso país”, conclui Fidalgo.