Artigo – Covid-19: é momento de decretar o fim da pandemia no país?

No domingo, dia 17 de abril, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em pronunciamento em rádio e televisão informou que determinará o fim da Espin (Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional), em vigor desde março de 2020. Esta ação normativa modifica uma série de ações implementadas para o controle da pandemia, desde o financiamento de ações de saúde pública, passando por medidas de vigilância epidemiológica e sanitária, como controle de fronteiras e orientações de quarentena, até leis trabalhistas, como a proteção das gestantes. Com o declínio do número de casos e de mortes, algumas medidas, como o uso obrigatório de máscaras em ambientes fechados, já haviam sido revogadas por alguns estados e municípios.

Mas é o momento de decretar o fim da pandemia? A Organização Mundial de Saúde, na última reunião do Comitê de Emergência, manteve, por unanimidade, a classificação do cenário sanitário como pandemia. Isso por que o vírus continua circulando, a taxa de imunização dos países é desigual (21 países, a maior parte no continente africano, tem menos de 10% da população vacinada), além do fato de novas cepas emergirem com diferentes taxas de transmissibilidade e letalidade. O problema, portanto, continua a ser considerado uma emergência de saúde pública internacional.

No Brasil, apesar da queda acentuada, a Covid-19 ainda é a doença que mais mata no país. Até 14 de abril, foram 30.209.276 casos confirmados de Covid-19 no país, e 661.710 óbitos, desde o início da pandemia. A média móvel de mortes e casos cai de forma consistente. Temos, no entanto, uma nova cepa circulante, a BA.2, e poderemos voltar a assistir um acréscimo de casos, embora não se projete aumento de internações e óbitos.

Ainda sabemos pouco sobre o Sars-CoV-2 e a Covid-19. Entre as crianças, por exemplo, poupadas no início da pandemia, observa-se aumento de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), e, embora o vírus sincicial respiratório e rinovírus sejam agentes identificados, a maior parte dos óbitos por SARS em crianças (83,4%) ocorre nos casos provocados pela Covid-19.

A Covid prolongada é objeto de estudo. Um percentual significativo de pessoas afetadas pode permanecer mais de um ano com sintomas respiratórios, cardiovasculares, musculoesqueléticos, neurológicos ou mentais. Os mecanismos que causam tais condições ainda são desconhecidos e, portanto, o tratamento é limitado.

Estamos, de fato, caminhando para um cenário de controle. As médias de vacinação do país seguem ascendentes, mais de 75% da população completou o ciclo vacinal (duas doses ou dose única de vacina) e mais de 82% receberam ao menos uma dose da vacina. As coberturas são menores nas crianças: 54,5% das crianças entre 5 e 11 anos receberam a primeira dose e 20,8%, a segunda dose. Devemos, no entanto, ressaltar que a vacinação no país é desigual e as médias não refletem a cobertura de cada Estado.

É preciso, também, pensar para além da saúde. A pandemia provocou impactos sociais e econômicos profundos no mundo e no país. No Brasil, a expectativa de vida reduziu, revertendo uma tendência de anos de ascensão. Segundo pesquisas realizadas com o apoio da Fapesp, voltamos a figurar no mapa da fome, houve redução da renda e aumento da proporção de população em pobreza extrema. Na educação, as diferenças de acesso à tecnologia aumentaram a distância entre os alunos da rede pública de ensino e da rede privada.

A economia da saúde é outro aspecto a ser ressaltado. As políticas de desindustrialização refletiram na falta de insumos básicos no início da pandemia, como equipamentos de proteção individual, seguido de respiradores, de kits de testagem e insumos para a vacina.

A falta de coordenação nacional atrasou o início da vacinação, levou informações equivocadas à população em relação a medidas de proteção, como o uso de máscaras, e popularizou tratamentos ineficazes. Não há muito a comemorar.

Não é, portanto, momento de decretar o fim da situação de emergência. Ao contrário, é momento de rever a atuação pública durante a pandemia e seguirmos alertas para essa situação ainda desconhecida.

A Covid-19 ainda não é uma doença de ocorrência previsível, como a dengue ou a gripe, doenças sazonais para as quais nos preparamos anualmente com medidas de controle ambiental e, no caso da gripe, vacinação. Estudá-la, conhecer o seu impacto sobre a saúde da população, para orientar e implementar medidas de controle, requer investimento, pesquisa e acompanhamento epidemiológico. É esse o rumo que esperamos das políticas públicas.

Paula Carnevale é docente do curso de Medicina da Universidade Anhembi Morumbi, doutora em Saúde Pública e Infectologista

Redação

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