Como esses temas mudam a dinâmica de tratamento de muitos pacientes, é fundamental dividir os principais resultados divulgados, deste que é o mais importante congresso da cardiologia mundialmente.
Entre os principais achados, o DELIVER trial foi um estudo que estudou a Dapagliflozina, que é um inibidor de SGLT2 utilizado primariamente no tratamento da diabetes mellitus, na redução de descompensação, reiniternação e mortalidade em pacientes com insuficiência cardíaca (IC) com pouca disfunção ventricular. Já sabíamos, por meio do DAPA-HF, publicado em 2019 que, mesmo em pacientes não-diabéticos, pacientes com IC grave tinham redução significativa de eventos e mortalidade. Por isso, é importante avaliar o medicamento em pacientes com sintomas de IC, mas com pouca redução da performance cardíaca, também se beneficiariam.
O estudo foi positivo para redução de descompensação e internação recorrente por IC, mas não mostrando diferença na mortalidade no seguimento clínico. Logo, podemos expandir a indicação do uso da droga, mas sabendo ser muito mais impactantes naqueles com IC mais grave, ou seja, com um coração com mais disfunção.
– ADVOR trial foi um estudo muito interessante, pois a droga estudada foi a Acetazolamida, um diurético utilizado (mas um tanto esquecido atualmente) há muitos e muitos anos. Foi testado seu uso intravenoso nos pacientes com insuficiência cardíaca (IC) descompensada tão “cheios de água no corpo”, que necessitavam de internação para diureticoterapia endovenosa para ir “secando” o paciente, deixá-lo em condição de voltar para casa. Ele foi associado ao diurético já utilizado habitualmente, que é a furosemida endovenosa, com resultado muito significativo. Sua adição em uma dose endovenosa, por dia, reduziu o tempo de internação do paciente, fazendo com que ele ficasse internado por apenas três dias e resolução da congestão de líquidos que sofria, contra um período maior sem seu uso.
A redução do tempo de internação hospitalar é um alvo fundamental para esses pacientes, propiciando menor risco de infecção, menores custos hospitalares e mais rápido retorno para a vida laborativa, e isso com uma droga conhecida, antiga e principalmente barata.
– ALL-HEART trial foi um robusto estudo para responder uma pergunta que há muito se tinha na cardiologia, que era se o Alopurinol, originalmente utilizado para redução de ácido úrico no tratamento da crise de Gota, teria ação no tratamento da doença arterial coronariana, ou seja, ação nos diversos tipos de infarto do miocárdio. E o estudo se mostrou negativo, ou seja, não melhorou desfecho de nenhuma das complicações, como um novo infarto, novo acidente vascular encefálico e morte cardiovascular. Com isso, fica definido que não devemos utilizar o alopurinol nessa classe de pacientes com uma finalidade diferente do tratamento de hiperuricemia.
– INVICTUS trial é um estudo que teria potencial de mudar de forma muito significativa a prática clínica nacional. Isso porque eles avaliaram a utilização de Rivaroxabana, um anticoagulante oral que não precisa de controle de anticoagulação por exame de sangue periódico, que é o caso da varfarina, droga que foi comparada. Eles fizeram o estudo em pacientes com fibrilação atrial secundária a cardiopatia reumática. E por que é tão importante? Pelo fato de que a febre reumática é a principal causa de valvopatias em território nacional, sendo muito incomum em outros continentes.
Claro que um assunto de imenso interesse para o Brasil, pois temos uma quantidade grande de pacientes com fibrilação atrial reumática, com necessidade de anticoagulação plena para evitar eventos embólicos, como o acidente vascular encefálico – e que fazem o uso de varfarina. Não só precisam de exames de sangue habituais para manutenção de uma faixa adequada de anticoagulação, como também tem a desvantagem de interagir com diversos alimentos e medicamentos, permitindo o potencial de grandes oscilações do chamado INR, o que leva a uma dificuldade na manutenção do alto terapêutico em vários pacientes.
Mas, infelizmente, a tentativa de mostrar não-inferioridade da Rivaroxabana, em comparação com a Varfarina, foi negativa a partir de mais de 4 mil pacientes randomizados, pois o grupo da rivaroxabana teve tanto mais eventos embólicos, como maior mortalidade. Sendo assim, mantemos como única opção de anticoagulação em pacientes reumáticos a Varfarina.
– Também cabe comentar o REVIVED-BCSI2 trial, pois testou a realização de angioplastia coronária, ou seja, a colocação de stent (aquela molinha) nas artérias coronárias com alto grau de obstrução, em pacientes com insuficiência cardíaca secundária a doença coronariana, ou seja, aqueles onde o coração cresceu e dilatou por redução da chegada de sangue nele de forma lenta, sem a manifestação clara de infarto ou outra dor no peito. Ocorre que, neste estudo, mostrou que não há qualquer benefício dessa prática fora um quadro de manifestação coronariana aguda, ou seja, reestabelecer o fluxo de sangue adequado por angioplastia em pacientes que já adquiriram disfunção não modifica positivamente o desfecho cardiovascular nessa classe de pacientes.
Dois artigos ligados ao tratamento da hipertensão arterial, vale mencionar. Um seria o TIME trial, que mostrou não haver qualquer diferença se o paciente tomar a medicação da pressão pela manhã ou pela noite, desde que a posologia seja de uma vez por dia. Esse estudo é interessante, pois os médicos sempre tiveram a tendência de solicitar que o paciente tomasse os anti-hipertensivos de uma tomada por dia pela manhã, mas sem respaldo científico para essa recomendação. Agora ficou mais fácil, pois o paciente que escolhe a hora que vai tomar aqueles de tomada única diária, cabendo ressaltar que aqueles que são 2 ou 3 vezes por dia devem seguir a recomendação de horário estipulado na receita médica.
E o outro trabalho foi o SECURE trial, que testou um comprimido contendo de forma agregada Ácido Acetil salicílico (AAS), atorvastatina (estatina de redução de colesterol) e ramipril (inibidor da ECA usado para hipertensão) e colocar outro grupo de pacientes tomando os mesmos de forma separada. E o resultado foi o que esperávamos, sendo melhor tomar o comprimido com as medicações juntas que oferecer de forma separada. Houve uma nítida redução nos eventos cardiovasculares, já que tínhamos sempre a suspeita que um ou outro medicamento era esquecido pelo paciente.
Tivemos mais alguns estudos e mudanças de diretriz mostradas no congresso, mas compartilho aqui os mais importantes e impactantes para a prática clínica. E sim, que venham outros grandes congressos presenciais e novos e robustos estudos a serem apresentados, sempre visando melhorar a prática clínica e qualidade de vida de nossos pacientes.
Dr. Leonardo Jorge Cordeiro de Paula é cardiologista, diretor acadêmico da Escola Brasileira de Medicina (EBRAMED). É especialista em Gestão de Saúde e Educação, e atualmente é médico cardiologista clínico pelo Incor – Instituto do Coração