Comportamento antiéticos e inapropriados como assédio moral, sexual e importunação sexual dentro do ambiente hospitalar estão em pauta diante dos incidentes recentes que apareceram na mídia, como o caso do médico anestesista que foi preso em flagrante acusado de estuprar uma paciente. Acontecimentos como esse nos remetem à reflexão acerca da conduta das pessoas que convivem no ambiente hospitalar.
Geralmente tais locais deveriam ter como intenção o acolhimento, o tratamento e a cura para enfermidades e necessidades. No entanto, quando ocorrem desvios de comportamentos, será que estamos diante de um paradoxo? Na prática, um ambiente em tese acolhedor, pode causar o efeito reverso, afetando física e emocionalmente as pessoas que trabalham ou que necessitam de atendimento, como os pacientes? Em razão disso, surge outro questionamento: como prevenir, mitigar e gerenciar os riscos oriundos de comportamentos desviantes nos ambientes hospitalares?
A resposta não é simples e direta, porém, é possível apresentar algumas sugestões de como tais situações podem ser indiretamente incitadas e quais os meios para mitigá-las ou gerenciá-las.
O ambiente hospitalar pode ser considerado um reflexo da sociedade em que vivemos. Deste modo, desvios de comportamentos ou crimes que estão presentes na sociedade de forma macro, também estão presentes em microambientes. De acordo com a Teoria da Associação Diferencial, o crime se aprende, ou seja, uma pessoa que comete atos criminosos ao identificar que a violação lhe trouxe mais benefícios do que prejuízos, se sente incentivada a perpetuá-los. Sendo assim, a ausência de consequências para comportamentos desviantes pode reforçar e aumentar sua gravidade e complexidade na medida em que o infrator se sente cada vez mais seguro e confortável para cometê-los.
Em um primeiro momento, casos de importunação e assédio sexual podem começar com comentários inapropriados sobre questões físicas, podendo evoluir para atitudes desrespeitosas que geram desconforto e constrangimento às vítimas, quando não são tratados devidamente e repreendidos pela instituição.
Identificamos, por exemplo, que no ambiente hospitalar, os relacionamentos afetivos acontecem com frequência entre profissionais que possuem alguma subordinação hierárquica, podendo ter como consequência favorecimentos ou conflitos de interesse.
Tais relacionamentos podem fomentar a permissividade e, quando perpetuada, eventualmente pode favorecer a adoção de comportamentos inadequados que no limite configurem práticas de assédio e importunação sexual e até mesmo estupro, considerando a utilização da posição ocupada para consumar uma relação não consensual por meio de ameaças, oferecimento de benefícios como promoções ou mesmo abusos em situações de vulnerabilidade.
Além disso, a cultura altamente protecionista existente nos ambientes médicos não facilita a exposição das situações por meio de denúncias e relatos sobre os supostos desvios de conduta.
Diante deste cenário, como prevenir e mitigar as situações apontadas? Os ambientes hospitalares necessitam de uma governança forte para garantir o bem-estar das pessoas que o compõem. Embora muitos ambientes corporativos empresariais já estejam atentos sobre a importância da governança e das três linhas de defesa que, a grosso modo, são exemplificadas como liderança, gestão de riscos, compliance e auditoria, os ambientes hospitalares ainda necessitam priorizar e aprimorar o desenvolvimento dessas estruturas a fim de mitigar a ocorrência de desvios de comportamentos, condutas antiéticas e até crimes, como os citados acima.
Portanto, a governança corporativa tem papel fundamental no processo de mudança, promovendo a estruturação e o aprimoramento da gestão ética, que pode envolver medidas preventivas e reativas. São exemplos de ferramentas preventivas o código de ética e conduta, os treinamentos e a implementação de canais de denúncia. Neste último caso, uma nova lei acaba de ser aprovada exigindo que, a partir de 23 de março de 2023, empresas acima de 20 colaboradores terão que adotar medidas para prevenir e combater o assédio e a violência no trabalho. Sendo assim, estruturar um canal de denúncias independente é uma das exigências.
Como medidas reativas, trazemos as investigações internas quando algum caso é denunciado ou existem desconfianças sobre o comportamento de algum profissional, tornando-se fundamental a realização de uma apuração independente e imparcial, bem como a aplicação da política de consequências, além de colaboração com as instituições legais em casos mais graves.
Vanessa Watanabe e Iuri Camilo atuam na área de investigações da Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, ESG, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados