“Novo normal” tecnológico em hospitais é tema de debate no Conahp 2022

Frequente nas mesas de discussões quando o assunto é futuro da saúde, o uso das ferramentas digitais para a gestão na saúde foi também tema da tarde do primeiro dia de Conahp presencial. Com o desafiador tema “O Futuro dos Hospitais e os Hospitais do Futuro”, Luiza Mattos, sócia da Bain & Company; e Tania Menéndez Hevia, Digital Transformation Officer na Ribera Group, mostraram alguns caminhos à implementação da digitalização no atendimento a pacientes e os obstáculos dessa nova realidade.

É unanimidade que os desafios que a pandemia de Covid-19 impôs ao setor de saúde aceleraram as tomadas de decisão quanto à implementação de sistemas digitais. A executiva do Ribera Group relatou que, no período, o monitoramento de forma remota foi muito utilizado por pacientes e médicos e de forma eficaz. “Conseguimos prever a utilização de UTIs”, exemplificou Tania, destacando que, com sistemas preditivos, é possível trabalhar com problemas de forma antecipada na gestão dos hospitais.

Ainda de acordo com ela, a saúde está sendo alavancada com heathtechs que ajudam na gestão com aplicativos diversos que podem, inclusive, ser usados por gerações menos conectadas. Tania se referia ao monitoramento de doenças crônicas, prevenção da saúde e promoção de bem-estar, estímulo cognitivo para quem sofre de algum dano cerebral ou dietas para oncologia. “Atualmente, essa é a ponta do iceberg, tem muito o que trabalhar.”

A sócia da Bain & Company concordou. Ela lembrou ser necessário construir competências dentro dos ambientes de saúde para a solidificação dessa transformação digital. Porém, entende que, no Brasil, isso está acelerado, principalmente quando se fala em telemedicina, ou atendimento à distância, como ela chama, para poder englobar todo o cuidado ao paciente. “Mas precisamos testar cenários. Avaliar a visão de experiência do usuário e colaborador. Há um desafio de integração da cadeia.”

Luiza foi além. Segundo ela, é necessário saber gerir bem os parceiros e seus custos com um modelo de gestão de produtos e uma visão de saúde populacional. “A solução completa não é apenas clínica, ela deve parar de pé economicamente.”

Outro ponto importante em debate foi o treinamento e a integração das equipes, que se encontram em um ambiente novo, não analógico, muitas vezes inexplorado anteriormente. Sobre o tema, Tania lembrou ser necessário treinar equipes para a utilização de recursos que são novidade no ambiente de trabalho. “Novas competências precisam se desenvolver, como trabalhar com equipes multidisciplinares, com desenvolvedores e cientistas de dados”, finalizou.

Eric Topol afirma que “paciente conectado” trará mais humanização no atendimento

Sob o tema “Medicina profunda: como a inteligência artificial (IA) pode tornar a saúde humana novamente”, o californiano Eric Topol explicou, durante o Conahp 2022, como os pacientes podem ser beneficiados com a tecnologia, assim como os médicos, estabelecendo um contato mais humanizados, enquanto as máquinas ajudariam na detecção de doenças. O palestrante participou diretamente dos Estados Unidos, no primeiro dia de congresso presencial, em São Paulo.

Fundador e diretor do Scripps Research Translational Institute e um dos mais influentes nomes da inteligência artificial (IA) aplicada à saúde, o médico cardiologista defendeu que a IA pode e deve ser o futuro da medicina. De acordo com Topol, a tecnologia pode prevenir erros médicos, mesmo os dos mais experientes, uma vez que existem coisas que o olho humano não enxerga. “Nos Estados Unidos, temos dois milhões de erros em diagnósticos por ano, uma pessoa vai passar pelo menos uma vez por um erro ao ano.”

Considerando que cada indivíduo tem uma caraterística diferente quanto ao seu genoma, o especialista ressaltou que a IA pode identificar essas diferenças e prevenir doenças de forma mais exata, como início de câncer, mutações originais e anomalias estruturais. Como exemplo, ele citou um estudo realizado com recém-nascidos. “Sequenciando o genoma no momento do nascimento, é possível identificar e prevenir doenças em menos de 20h após o parto.” O estudo, feito nos EUA e Canadá, ainda não é feito em adultos.

De acordo com ele, apenas com prontuários tradicionais, o profissional não consegue realizar tratamentos “curativos”, além de gastar tempo sem conversar e cuidar do paciente. Por isso, Topol defende a automação. “Aplicativos de celulares, smartwatch e dispositivos desse tipo poderão levar independência ao paciente por meio de aplicativos já disponíveis, que fazem escaneamento de pressão, humor e atividades cardíacas e outros cuidados preventivos e de baixa complexidade, além de ultrassom.”

Para defender esse “hospital em casa”, o médico citou a pandemia como início do processo de dar ao paciente as ferramentas para promover cuidados básicos. “A telemedicina 2.0 não vai ser apenas uma conversa por vídeo, mas sim por troca de informações, sensores em casa, como home care.”

Como resultado de tudo isso, quando o paciente visitar um profissional, esse momento será mais duradouro e humanizado, sem que o médico precise escrever prontuários longos em vez de ouvir o paciente. “Nos EUA, uma consulta dura, em média, sete minutos.” Segundo ele, o médico não perderá seu papel para a IA na medida que se adapta a ela.

De acordo com ele, todos têm um celular e uma rede de dados na mão para fazer seus próprios exames e enviá-los para o médico. Talvez essa não seja uma realidade brasileira, mas ele considera, de forma otimista, que “a revolução já está acontecendo agora”.

Topol não deu detalhes sobre os aspectos éticos da IA e sequenciamento de genomas, que ainda estão em alinhamento, mas finalizou destacando que “existem riscos, mas, ao longo do tempo, será a maior transformação da medicina.”

“É necessário excelência e dignidade, não uma meta a ser alcançada”, afirma Elizabeth Teisberg no Conahp 2022

Fechando o primeiro dia de Conahp presencial, Elizabeth Teisberg, diretora-executiva do Value Institute for Health and Care na Dell Medical School e McCombs School of Business da Universidade do Texas, afirmou que o atendimento de qualidade, baseado nas expectativas do paciente, melhora o resultado do cuidado e a gestão de recursos. “É necessário excelência, respeito, dignidade e não uma meta a ser alcançada. Cuidado com saúde deveria ser sobre saúde. Mas, na maioria dos casos, não é isso”, ressaltou.

De acordo com a americana, as expectativas dos pacientes quando falam com seus médicos está desalinhada com as que falam para seus familiares. “No ambiente clínico, quando doentes ou em fase de cuidado, demostram gratidão, agradecem, enquanto no ambiente familiar e na sociedade relatam incapacidades cognitivas, dificuldades para voltar ao trabalho, prejuízos na convivência social e problemas psicológicos.”

Essa contradição de relatos acontece em decorrência do tipo de medição realizada pelo próprio setor de saúde, que leva em consideração apenas o desfecho clínico e não a opinião do paciente, conforme avaliação de Elizabeth. Essa conclusão é consequência de um estudo com uma amostra de pacientes que passaram por tratamento de câncer de mama, objeto de pesquisa da acadêmica.

Em outro estudo, desta vez com crianças recém-nascidas no Texas, o tratamento de forma humanizada, equitativo, acessivo e inclusivo proporcionou melhoras, inclusive, em bebês que sofriam de condições graves. “Quais serviços são necessários para que essa criança cresça feliz e saudável e não apenas se salve da morte?”, questionou.

Elizabeth ainda defendeu que cuidados voltados para o paciente e sua trajetória como um todo, e não apenas na sua experiência clínica, desonera os hospitais. “Se alguém fizer cirurgia e não se recuperar, é pior para a fonte pagadora, assim como quanto tempo ela permanece. Se a doença não avançar, não será necessário permanecer no hospital”, reiterou a americana, num contexto de críticas sobre cuidados mais individuais, longos e com olhar para o paciente.

“Com relação à equidade, precisamos, inclusive, projetar e organizar o cuidado de acordo com as necessidades de cada um e priorizar quem sofre com as disparidades”, finalizou ela, ressaltando que, após a pandemia, o tema se tornou manchetes e a saúde começou a rever os conceitos de atendimentos uniformes.

Representantes do SUS debatem financiamento da saúde

“O financiamento do sistema de saúde e o papel da integração público-privado para a sustentabilidade do setor” foi tema de debate durante o último dia do Conahp 2022. No centro das discussões, os debatedores apontaram a falta de financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e exaltaram a importância da atenção básica.

Gonzalo Vecina, médico e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), ponderou que, em relação a críticas ao SUS, deve ser considerado que o sistema tem 30 anos, existindo elogios e críticas a serem feitas. Entre as críticas, segundo ele, está a verba destinada ao sistema, muito menor do que para a saúde suplementar quando comparada a países com ou sem sistemas universais.

“9% do PIB brasileiro está destinado ao setor privado, enquanto 4% ao público. O investimento federal, que gira em torno de R$ 260 milhões, tem que dar conta de 212 milhões de usuários, enquanto o setor privado atende menos com mais”, afirmou Vecina.

Adriano Massuda, professor da FGV- EAESP, que já foi secretário municipal de Saúde de Curitiba-PR e secretário-executivo substituto e secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos no Ministério da Saúde, concordou com Vecina sobre a falta de financiamento e ressaltou que os municípios acabam sendo os mais abalados, uma vez que ali acontece a compra de insumos, o pagamento da folha de colaboradores etc. Ele ainda mencionou o subfinanciamento fazendo uma analogia com países europeus. “Lá, de cada 10 reais, 7 ou 9 vão para a saúde pública, aqui esse número não passa de 4.”

Como solução, Massuda disse ser preciso repensar a política de austeridade, com valores corrigidos pela inflação. Além disso, ele sugeriu uma releitura do pacto federativo, ou seja, uma melhor distribuição de responsabilidades entre os entes federados. “A municipalização foi importante para capitalizar a rede assistencial, inclusive na resposta à Covid-19.”

Vecina concordou que a experiência com a pandemia mostrou muitos caminhos. “A gente percebeu que precisamos fortalecer um sistema de saúde universal, integral. Ofertar não apenas teste, mas oferecer leito, por exemplo”, afirmou, destacando que a regulação deve ser repensada e a integração entre saúde pública e suplementar também, independentemente de questões financeiras, mas de forma “democrática”.

Além da distribuição do orçamento, os palestrantes discutiram como ele chega à população. Massuda relembrou o protagonista da reforma sanitária que deu início ao SUS em 1988. “Sergio Arouca falava que a reforma sanitária não é administrativa, tem que ganhar a sociedade”. O ex-secretário sinalizou que, para uma saúde de qualidade e para que a equidade seja promovida, é necessário fortalecer a atenção primária, melhorar a conectividade, a eficiência do gasto, a relação público-privado, a formação profissional e a tecnologia em saúde, além de rever a questão da regionalização.

Considerando que “a saúde começa na ponta” dos 5.570 municípios, Mauro Junqueira, secretário-executivo do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) também destacou que “os sistemas públicos e privados do mundo estão apostando em uma atenção primaria de qualidade, que entregue, resolva 80% dos casos”, reiterando a importância do SUS e discussão sobre seu financiamento e funcionamento. “As vacinas vêm do SUS, os atendimentos em casos de acidentes nas estradas são feitos pelo SAMU, e assim por diante.”

Junqueira afirmou ainda que qualquer plano não será tangível se a rotatividade de gestores não diminuir, pois o alinhamento de planos estratégicos depende dessa constância. “Em 34 anos de SUS, foram 31 ministros.”

Ele ressaltou que um município já teve, em três anos de mandato do prefeito, 17 secretários de Saúde, ponderando ser necessário um plano mais estratégico e baseado em evidência para a alocação de recursos. Para isso, citou as emendas parlamentares, que nem sempre são destinadas para o que é necessário no SUS, seja uma UPA, um hospital especializado, ou equipamentos de mamografia.

Construção do diálogo é destaque de debates no Conahp 2022

A construção de um diálogo em prol do fortalecimento da saúde foi a tônica de debates que aconteceram durante o Conahp 2022, em São Paulo (SP). O encontro teve como tema central a “Saúde 2022: a mudança que o Brasil precisa”. Em fórum sobre a “Saúde no novo governo: as mudanças que a Saúde Suplementar precisa”, o presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Manoel Peres, ressaltou a importância da Saúde Suplementar nas últimas décadas, especialmente, durante o enfrentamento da pandemia e a necessidade de um reconhecimento por parte das esferas governamentais a respeito dessa participação. Sob a moderação de Maurício Ceschin, conselheiro da Rede Mater Dei de Saúde, Pro Matre, Santa Joana e do Grupo Laços Saúde, o encontro teve como debatedores: Paulo Chapchap, conselheiro estratégico do Negócio de Hospitais e Oncologia da Dasa; Paulo Rebello, diretor-presidente da ANS; e Renato Casarotti, presidente da Abramge.

Na sequência, a diretora-executiva da FenaSaúde, Vera Valente, participou do painel ‘’Saúde no governo Lula e no novo Congresso’’, com a presença do ex-ministro da Saúde e membro da Coordenação de Transição de governo na saúde, Arthur Chioro. Para o ex-ministro, a presença nesse evento é símbolo da retomada do diálogo para a construção de políticas de saúde pautadas pela estabilidade, pela segurança jurídica e que indiquem em ações de curto, médio e longo prazos. Sob a moderação de Antônio Britto, diretor-executivo da Anahp, a mesa reuniu: Fernando Silveira, diretor-executivo da Abimed;  Francisco Balestrin, presidente do Sindhosp; Franco Pallamolla, presidente da Abimo; Henrique Neves, vice-presidente do Conselho de Administração da Anahp e diretor geral do Hospital Israelita Albert Einstein; Marco Aurélio Ferreira, diretor de Relações Institucionais da Anahp. A mesa teve ainda a presença dos Deputados Federais eleitos: Antônio Brito (PSD/BA), Beto Preto (PSD/PR), Daniel Soranz (PSD/RJ), Pedro Westphalen PP/RS e Luizinho (PP/RJ).

Única representante feminina da bancada e motivo de referência por parte dos presentes, Vera Valente ressaltou que a Saúde Suplementar é responsável pela saúde de mais de 50 milhões de brasileiros, mas que esse número poderia ser ainda maior. “A Saúde Suplementar vem apoiando muito nessa complementaridade prevista na Constituição Federal, mas nós precisamos olhá-la realmente como parceira do sistema público. Nesse sentido, a legislação do setor completa 24 anos e nesse período muita coisa mudou em termos tecnológicos, de envelhecimento da população, de perfil epidemiológico e é importante que haja essa parceria com objetivo de ampliar ainda mais essa complementaridade.”

Redação

Redação

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.