Um em cada 50 mil meninos no mundo nascem com complexo extrofia vesical-epispádia: uma malformação na qual a uretra se abre na face dorsal do pênis, a bexiga fica aberta e exposta, além de todas as camadas que a recobrem — como o osso do púbis, a parede muscular e a pele, podendo ocasionar a perda do controle urinário. Esse era o caso de um menino de três anos, que já havia passado por uma intervenção quando bebê, e que agora foi submetido a uma nova cirurgia.
O procedimento ocorreu no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre (RS), utilizando uma técnica que, embora tenha sido criada há mais de 50 anos, ainda é pouco utilizada devido à complexidade. A “técnica de Kelly” foi estabelecida pelo urologista australiano Justin Kelly e, hoje, é realizada no país por um grupo cooperativo de cirurgiões.
A cirurgia, ocorrida no final de fevereiro, teve duração de cerca de 12 horas, e foi a segunda feita no Moinhos — a primeira foi em 2021. “O paciente foi para casa com duas sondas, que inclusive já foram retiradas — uma em 17 de março e outra no dia 21 de março — e segue em recuperação”, comemora Eduardo Côrrea Costa, cirurgião pediátrico do Hospital Moinhos de Vento e responsável pela operação
A mãe relembra que a cirurgia foi um dia tenso para a família, especialmente no período em que o filho passou pela Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP). “Mas fomos muito bem assistidos, em um momento difícil para nós”, relatou. E acrescentou: “Foi uma cirurgia bem delicada e graças a toda a equipe conseguimos um ótimo resultado. Só temos a agradecer a toda equipe do Dr. Eduardo e ao hospital”, relatou.
Procedimento de Kelly
O cirurgião pediátrico Eduardo Côrrea Costa explica que o procedimento tem como principal objetivo aumentar o tamanho do pênis que, em função do complexo de extrofia vesical-epispádia, acaba ficando encurtado. “Na mesma cirurgia, realizamos outros procedimentos como o reimplante de ambos ureteres para evitar o refluxo vesicoureteral, que pode causar infecção urinária, e a reconstrução do colo vesical, pois como a bexiga e o pênis estão abertos, o paciente ficaria incontinente se não tivesse reconstruído o esfíncter da saída da bexiga para a uretra”, esclarece.
A intervenção envolveu ainda a reconstrução do pênis, corrigindo o encurvamento — pacientes com o complexo de extrofia vesical-epispádia têm encurvamento para cima —, e a adequação da relação do pênis com a bolsa escrotal e com a parede abdominal.
O grupo cooperativo, do qual faz parte Eduardo, já tratou 68 pacientes em 13 capitais brasileiras, além da Colômbia, envolvendo mais de 200 cirurgiões, promovendo troca de experiências e crescimento conjunto. Ele destaca a qualidade da assistência no Hospital Moinhos de Vento, referência em tratamento intensivo pediátrico. “Isso agrega uma importante expertise para a instituição, que já é reconhecida em diversas áreas”, afirma. Embora complexo, o procedimento não é de urgência, sendo indicado para pacientes a partir dos três meses de idade.