O novo Executivo federal assumiu no último mês de janeiro e logo definiu como uma de suas prioridades para este ano a reforma do sistema tributário brasileiro. A notícia foi bem recebida por todos os setores econômicos, já que há anos o país tenta, sem sucesso, aprovar a reforma de seus impostos. O principal objetivo das mudanças é o de simplificar o sistema, definido recentemente como um “manicômio tributário” pelo vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin.
Levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mostra que tal afirmação não é exagerada. Nos últimos 35 anos, ou desde a Constituição de 1988, foram editadas mais de 320 mil leis, instruções e outras normas tributárias nas três esferas de governo, obrigando as empresas a gastarem, todos os anos, cerca de 2.600 horas apenas para cumprir com suas obrigações com o Fisco. Esse é o pior resultado entre 189 países.
Com o intuito de acelerar as discussões, o governo federal criou, em fevereiro, um Grupo de Trabalho (GT) para analisar duas propostas já em tramitação no Congresso Nacional e chegou a manifestar apoio à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45, que tramita na Câmara dos Deputados, na qual devem ser incluídos dispositivos da PEC 110, em discussão avançada no Senado. Ambas propõem a unificação dos tributos sobre o consumo (IPI, PIS/COFINS, ICMS e ISS) e a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), nos moldes do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), presente em diversos países.
“Para o setor de serviços, que agrega saúde e educação, que são áreas de interesse público, essas duas PECs não são boas, pois, além de serem muito complexas, poderão resultar num aumento expressivo da carga tributária”, frisa o presidente do Sindicato de Hospitais, Clínicas, Laboratórios e Estabelecimentos de Saúde do Estado de São Paulo (SindHosp), Francisco Balestrin. Como a adoção do regime de não cumulatividade é um dos principais pontos defendidos por ambas as PECs, o segmento de serviços seria extremamente prejudicado, com impactos altamente negativos, já que sua despesa mais expressiva é com mão de obra e isso não gera direito a crédito. “No setor da saúde, que possui média salarial elevada, o problema se agrava, pois comprime ainda mais a base de creditamento e aumenta a carga do IBS proposto nas PECs”, afirma o advogado, doutor em Direito Tributário pela PUC/SP e sócio do escritório de advocacia Machado Nunes, Renato Nunes.
Estudo feito pela consultoria LCA mostra que a PEC 45 pode onerar a carga tributária da saúde. A proposta aumentaria as mensalidades dos planos de saúde em aproximadamente 22%, o que pode expulsar cerca de 1,2 milhão de beneficiários desse sistema.
Debate
O SindHosp tem se reunido com lideranças políticas e realizado eventos para tratar do tema. No início de março, por exemplo, recebeu em sua sede, na capital paulista, o ex-presidente da Câmara dos Deputados e atual presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, Rodrigo Maia, para falar sobre as reformas que o Brasil precisa. “Como profundo conhecedor do processo de negociação política, o ex-deputado federal expôs sua visão sobre as reformas necessárias ao país e as dificuldades em negociar com o parlamento, nas discussões da reforma tributária, um tratamento diferenciado para a saúde”, ressalta Francisco Balestrin.
“A sociedade terá que fazer escolhas, pois a Previdência e o funcionalismo consomem cerca de 80% do orçamento. Essa estrutura pública onera os cofres. Para investir mais em saúde vamos precisar cortar em algum outro lugar”, afirmou Rodrigo Maia durante o encontro no SindHosp. Questionado se a saúde poderá receber tratamento diferenciado na reforma tributária, assim como ocorre em diversos países desenvolvidos, o ex-presidente da Câmara dos Deputados foi categórico: “A proposta de reforma tributária visa garantir a atual receita à União, Estados e Municípios. Se a saúde receber benefícios, a alíquota do Imposto (IVA) terá que subir”.
No dia 28 de março, novo evento do SindHosp, que teve o advogado tributarista Renato Nunes como moderador, debateu “Impactos da Reforma Tributária em Números”, e reuniu Alberto Macedo, doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP e autor do livro “Como Desatar o Nó dos Tributos no Brasil?”; e Gustavo Madi, diretor da LCA Consultores.
O consultor Gustavo Madi lembrou que a cumulatividade é o grande problema do modelo atual, pois tira a competitividade do país. “É por isso que o Brasil exporta produtos mais simples, sem cadeia longa de produção e com menor valor agregado”, explicou. Outros benefícios são esperados, de acordo com o palestrante, com a aprovação da reforma tributária defendida pela PEC 45, como melhoria do ambiente de negócios, incentivo ao investimento, maior competitividade interna e externa, mais cooperação entre os entes da Federação (fim da “guerra fiscal”), transparência para os contribuintes e diminuição do litígio tributário, que hoje atinge 75% do Produto Interno Bruto (PIB).
Cálculos da LCA Consultoria, porém, mostram que a implementação de uma alíquota única de IVA de 26,9% para todos os setores econômicos (como pretende o governo) fará a carga tributária dos prestadores de serviços de saúde privados mais que dobrar, passando dos atuais 9,9% para 26,9%. Isso trará um impacto na demanda das famílias de R$ 11 bilhões e pode gerar uma migração de beneficiários do setor suplementar para o SUS, onerando ainda mais os cofres públicos.
O doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário, Alberto Macedo, criticou o andamento das discussões pelo GT e defendeu a PEC 46, que foi protocolada em dezembro passado pelo senador Oriovisto Guimarães. Segundo ele, essa proposta não transfere carga tributária entre os setores, não aumenta impostos, garante mais segurança jurídica, mantém o equilíbrio entre os entes federativos e simplifica o sistema. Entre as premissas da PEC 46 estão unificar as legislações e sistemas dos 27 Estados e dos 5.568 municípios (ICMS e ISS), ICMS preponderante no destino com número restrito de alíquotas, documento fiscal eletrônico parametrizado com guia de arrecadação única e o fortalecimento da não cumulatividade.
Defesa
O presidente do SindHosp reconhece a dificuldade em contemplar os anseios de todos os envolvidos na reforma tributária. “O país precisa vencer a ansiedade em aprovar algo tão complexo de uma única vez, ou seja, numa tacada só. Somos um país com diferenças socioeconômicas, culturais e ambientais enormes, por isso, a maneira mais produtiva e segura para avançar com o tema seria, talvez, introduzir as mudanças de forma gradativa”, defende Francisco Balestrin.
O SindHosp tem se reunido com agentes políticos e economistas para mostrar os impactos que as PECs 45 e 110 trarão sobre o setor da saúde. Uma análise dos modelos tributários internacionais vigentes em 118 países, feita pela LCA Consultoria, mostra que em 76% deles não há tributação sobre serviços de saúde e, em outros 6%, a alíquota é reduzida. Dos 35 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 28 possuem algum tipo de tratamento diferenciado ou isenção para o setor da saúde. “Faz todo sentido o Brasil também adotar tratamento especial para um setor tão importante e de interesse público, como a saúde. Não podemos aceitar que a reforma aumente a carga tributária do setor”, finaliza Balestrin.
ótima matéria
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