Sobre diagnóstico, tratamento e laudos de constatação de doença, ou não, em hanseníase
A Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH), afiliada a Associação Médica Brasileira (AMB), é o órgão responsável pela certificação da área de atuação em hanseníase para os médicos brasileiros e está acompanhando a polêmica criada em razão da solicitação de exame clínico para hanseníase, com consequente expedição de laudo por parte do médico assistente, como parte do edital de concurso público para ingressar nos quadros da Polícia Militar do Maranhão.
Além da solicitação de laudo para constatar que o candidato não era portador de hanseníase, o edital ainda requeria que o referido exame fosse feito por médico dermatologista, com o número de Registro de Qualificação do Especialista (RQE) e o registro no órgão de classe específico do profissional responsável.
Dividiremos a nossa opinião sobre o assunto em duas partes: a primeira sobre a solicitação de exame de hanseníase para o ingresso no funcionalismo público e a segunda sobre a necessidade de o exame ser feito por médico dermatologista.
A estratégia global da Organização Mundial da Saúde para o quadriênio 2016-2020 possui três pilares básicos, sendo um deles a parada da discriminação e a promoção da inclusão do paciente de hanseníase (www.searo.who.int/entity/global_leprosy_programme/documents/global_leprosy_strategy_2020/en). É importante ressaltar para a sociedade brasileira que ter hanseníase não significa estar incapacitado para o trabalho. A média de grau 2 de incapacidade física por hanseníase no Brasil é de 7%, podendo chegar a 20% em alguns estados da federação. Portanto, a maioria das pessoas diagnosticadas com hanseníase receberá tratamento e deverá evoluir sem o desenvolvimento de incapacidades físicas que a impeça de trabalhar. Desta forma, não nos parece razoável, enquanto SBH, que pessoas diagnosticadas com hanseníase no momento ou no passado sejam impedidas de ingressar no funcionalismo público – independentemente de cargo ou função a ser exercida – apenas por ser portador de uma doença que tem cura.
Sobre a necessidade de o exame ser feito por médico dermatologista, cabem os seguintes esclarecimentos. A SBH certifica a hanseníase como área de atuação de seis especialidades: Clínica Médica, Dermatologia, Infectologia, Neurologia, Medicina Preventiva e Social e Medicina da Família e Comunidade. Para tal, é necessário que o candidato tenha a devida formação em hanseníase e que se submeta a concurso público para a avaliação de seus conhecimentos pelos pares, que são membros efetivos da SBH. Esses especialistas, com certificado de área de atuação em hansenologia, estão aptos a atuarem como profissionais de referência, assim como para realizar treinamentos em hanseníase para os médicos que cuidam das pessoas com hanseníase no Brasil.
Entende-se por médicos que prestam cuidado às pessoas com hanseníase no Brasil todos aqueles que estão atuando nas diferentes esferas do sistema público e/ou privado, portanto, virtualmente, todos os médicos. Desta forma, a SBH entende que os médicos que receberam treinamento em hanseníase por profissionais especialistas desta sociedade e que estão espalhados pelo Brasil devem estar aptos a diagnosticar, tratar e, como mister do próprio ato médico, emitir eventuais laudos quando solicitados.
A SBH encontra-se à disposição para esclarecer esta e outras situações frente à opinião pública brasileira, e estará sempre lutando, de um lado, pela não discriminação das pessoas com hanseníase e pela sua inserção no mercado de trabalho e, de outro lado, pela valorização dos profissionais médicos que se dispõem a cuidar dessas pessoas em todas as suas abrangências e complexidades que cada caso exige.
Claudio Guedes Salgado
Presidente 2018-2020
Sociedade Brasileira de Hansenologia